sábado, 29 de dezembro de 2001

Um dia seremos americanos

Nossa americaquisse não tem mesmo limites. Fosse "apenas" as contribuições vocabulares da nossa metrópole não seria tão ruim – contribuições, vale ressaltar, de vital importância, afinal, quando é que poderíamos dar um break no que estávamos fazendo e ligar para o delivery do fast-food do shopping, onde está tudo 30% off? Pior que as palavras são os costumes americanos que, pouco a pouco, vão se enraizando no nosso país. Lembrei-me de escrever sobre isso quando, já por estas bandas, passei por uma loja da maior rede de farmácias do Paraná. Mas comento este exemplo depois.
Entre um desenho pela manhã, um filme na sessão da tarde, um seriado no início da noite, outro enlatado no final e um documentário no início da madrugada, mais que nossos hábitos e gostos, nossa forma de ver o mundo vai sendo modulada.
Um sinal disso, ao meu ver, é o crescimento das seitas neopentecostais, com sua moral individualista, extremamente regrada – puritanismo extremo, assim digamos – com cultos-espetáculos. É a síntese do que assistimos na TV: aqueles que são bons, que seguem as regras saem vitoriosos no final (o que se dão bem sem as seguir é porque estas não prestam na guerra do Bem contra o Mal); o mocinho que sozinho, armado com um bodoque e duas pedrinhas, com fratura exposta nas duas pernas e em um braço, todo quebrado (mas nem por isso com o penteado desmanchado) consegue vencer 300 chineses da máfia, todos mestres nas artes marciais, armados com armas super-modernas, graças a um milagre. Tudo isso, é claro, regado com bastante movimento, barulho, gritos, efeitos especiais.
A igreja neopentecostal (Univer$al e afins) dá à religião tudo o que um bom (leia-se passivo) telespectador gosta.
Não que todo fanático por filmes roliudianos e TV desemboque em igrejas desse tipo. Essas costumam se destinar ao povão. Para as classes mais abastadas, com um pouco mais de escolaridade, existe o doutor Lair Ribeiro e tantos outros autores de livros de auto-ajuda (alguém já viu algum livro desse naipe em que se ensinasse "como fazer melhoras no seu bairro em sistema de mutirão"?). Há também aqueles que não se deixam levar pelo que assistem.
E qual o problema de se levar uma vida regrada? Claro que uma vida assim tem suas vantagens, mas ela caba por matar nossa capacidade de improvisação – o famoso jeitinho brasileiro – que bom ou ruim é uma característica do nosso país (isto me faz lembrar de um chacota que o professor de geopolítica do COC fazia, ao comentar que, na Alemanha de 1930, um dólar valia um trilhão de marcos. Os alemães não tinham – segundo ele – a esperteza de um certo país latino-americano que toda vez que a sua moeda ficava com zero demais, lançava-se uma nova, sem eles, e assim nunca se chegou a esses valores exorbitantes), cria uma geração de super-reprimidos, que desdenham a sensualidade, a insinuação, o "requebrar da morena", pela pornografia descarada, castradora, o "entra e sai" (vide o grande número de títulos do gênero que há nas locadoras; ou mesmo a mudança na Playboy, a partir da da Vera Fischer).
Agora, ao exemplo da farmácia. Essa rede se chamava "Farmácia Minerva", mas mudou de nome há questão de alguns anos. O seu dono (fdp de primeira grandeza), não satisfeito em substituir o "farmácia" por "drugstore", trocou o nome da deusa greco-romana por um palavra da novalíngua, como previra o genial George Orwell, em "1984": "Drogamed".
Eu poderia acrescentar e aprofundar outras americaquisses nossa, como o "peito-melancia" posto no lugar do seio; o hot-dog (pão com vina) substituindo o cachorro-quente (que tem todo aquele molho); o cantor caipira transformado em sertanejo-country-pop; o vaqueiro e o peão em cowboy, e por aí vai.
Ainda não sei porque insisto nestes assuntos. Quem manda é quem tem dinheiro. Nos dias atuais, os EUA. Quem sabe no dia em que eu me conformar com o fracasso do Policarpo Quaresma (faz mais de três anos que li o livro e ainda não me conformo), eu aceite nosso invariável destino, como Wiston Smith acabou por aceitar o seu, em "1984". Até lá...
PS: Para quem também ainda não aceita que o destino está traçado, entre 31 de janeiro e 06 de fevereiro, tem Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Informações em http://www.forumsocialmundial.org.br

Pato Branco, 29 de dezembro de 2001

quinta-feira, 27 de dezembro de 2001

A fantástica e emocionante história de uma caixa de bombons

(com o subtítulo: "Bah, o título conseguiu ser mais infame que a crônica, que já tinha sido pior que a ‘história’")

Diziam, quando eu ainda morava em Pato Branco, que havia uma certa marca de chocolate que era coisa do outro mundo. Não acreditava, mas também não duvidava. Quando passei na U$P, passei a acreditar. A loja especializada não tinha sido suficiente para me convencer, afinal, chocolate com loja especializada eu só tinha visto as de chocolate Garoto, em Buenos Aires – e chocolate Garoto é bom, mas nada ó!. Agora, as duas míseras balas de leite que ganhei na matrícula eram realmente fora de série.
Passeando pelo shopping, via nas vitrinas aquelas apetitosas barras, aqueles provocantes bombons e aqueles preços que não chegam a assuntar um estadunidense de classe rica. Bem, como sou brasileiro de classe média, e não americano rico, aqueles chocolates eram muito salgados para o meu go$to.
Mas eis que surge a oportunidade de comer não um, dois ou três daqueles bombons, mas um caixa inteira! Isso porque renovei a assinatura do jornal (por nada, não, mas eu preferiria um desconto a uma caixa de chocolates, mas vá lá). Para maior suspense, primeiro eu recebi uma carta avisando que eu receberia outra carta, e esta me daria direito à delicio$a caixa de bombons, da marca que faz qualquer chocólatra largar o vício ao ver seus preços.
Como num filme (a crônica é minha, eu faço o drama que eu quero) a aguardada segunda carta não chegava. Dias de tensão. Será que não vou ganhar a caixa de bombons? Com um mês de atraso, ela finalmente chega. Coincidentemente, próximo ao meu aniversário. Vou até a famigerada loja do shopping, entrego a bendita carta e... está em falta, só daqui quinze dias. Tudo bem. Quinze dias depois eu retirei meu "presente".
Aí foi chegar em casa, abrir e me esbaldar? Nada disso. Como bom cristão, fiquei de levar para casa (de Pato Branco) – ainda mais porque é de lá que sai o dinheiro da assinatura do jornal que me presenteou com essa caixa de chocolate – e dividir com mamãe, papai e maninho.
Seriam dois meses de espera – espera, não, tortura – até eu voltar para casa e abrir a maldita caixa. Para esperar todo esse tempo sem derreter, cuidadosamente guardei aquela afrescalhada caixa na geladeira. Mas eis que certo dia fui impedido de abrir o congelador para me servir de uma daquelas maravilhosas lasanhas prontas – cujo gosto, não importa o sabor, é sempre o mesmo – por uma considerável camada de gelo. O que fazer em situações alarmantes como essa? Além de apelar para o velho e intragável miojo, degelar a geladeira. Foi o que eu fiz. No outro dia, ao abrir a geladeira, o susto: tinha vazado a água do congelador geladeira abaixo. O bolo que eu tinha no primeiro andar trocara o sabor de chocolate para água de geladeira (que não é dos melhores, diga-se de passagem). E no último andar minha caixa de bombons Kopenhagen. Encharcada. Por alguns instantes pensei que meus bombons de rico também tinham ficado com gosto de água de geladeira. Felizmente, somente a caixa tinha molhado, os bombons estavam secos. Guardei-os novamente na geladeira, em uma outra caixa (de acrílico, para garantir), e esperei os dias que restavam para eu retornar ao meu QG (quarto de garoto, ou guri, dependendo da região).
Ao chegar em Pato Branco, nem dúvida, destroçar a caixa afrescalhada, que eu havia remendado com durex, e dá-lhe aqueles bombons convidativos. Que decepção. Não que sejam ruins, mas os Garoto são melhores e custam bem menos; nada de R$40,00; R$50,00; R$60,00 o quilo, até, como eu vi na loja.
Se eu não tivesse comido tudo, eu até levaria uns para vocês comprovarem que não é mesmo lá aquelas coisas.

Pato Branco, 27 de dezembro de 2001

domingo, 23 de dezembro de 2001

Mensagem de Natal

Se você, ao ler o título desta crônica imaginou que eu aqui diria seja bonzinho(a) nesse dia, perdoe seus inimigos, que o mundo seja só paz dia 25, não perca as esperanças, o Papai-Noel vai entrar pela chaminé da sua casa e te dar aquele presentão que você pediu na cartinha que você mandou para a Lapônia.

Por outro lado, se você ao ler o título da crônica e por quem ela foi escrita, pensou que ela diria que tudo é um lixo, o natal é uma merda, não presta para nada; sem querer ser pessimista, mas como você é uma pessoa amarga.

Agora, se você, ao ler o título da crônica não pensou em nada... sinto dizer, mas que falta de opinião própria.

Feita as considerações iniciais, à "Mensagem de Natal" propriamente dita.

Não sejamos hipócritas em achar que em um dia mudaremos nossa forma de ver o mundo, perdoaremos nossos inimigos, largaremos tudo para ajudar ao próximo, como fez São Francisco, simplesmente por influência do "espírito natalino". Mesmo que conseguíssemos tal façanha, de que adiantaria, já que seria só por um dia?

Já que falei em espírito natalino, me pergunto o que seria isso, nos dias de hoje. Como lembrou Cony, dias desses, na Folha de São Paulo, o presépio, que seria a representação do que realmente se comemora no Natal está se tornando cada vez mais rara. No seu lugar temos aquele simpático velho barrigudo da Coca-Cola a quem chamamos Papai-Noel.

Por falar em Papai-Noel, vale repetir a piada que o Simão faz toda véspera de Natal: o que pensar de alguém que nos EUA é chamado de Santa, veste roupa vermelha, toda cheia de pompons, bota Carla Peres, só sai dia 24, atrás de um bando de veados, e dá pra todo mundo?

Feito o parênteses, de volta à crônica. O espírito natalino hoje se resume a uma palavra: compre. Uma pena, a idéia mais ou menos original (afinal, eu já entrei nesse mundo andando, com todas suas modificações desde quando a Festa do Sol passou a ser Natal) de perdoar ao próximo, de tentar superar as desavenças, de lembrar dos amigos é muito boa. Mas como eu disse, uma vez por ano é pouco.

O espírito de natal deveria estar presente o ano inteiro, e não apenas entre o dia 24 e 26 de dezembro. Falo do espírito tradicional e não do atual, que esse é lembrado todos os dias, todas as horas.

Bem, mas apesar de tudo, Boas Festas para todos. Feliz Natal e Feliz Ano Novo. Vamos nos esforçar todos os dias para que 2002 seja melhor que 2001, para nós, para aqueles que nos cercam e para aqueles que nem conhecemos.

Pato Branco, 23 de dezembro de 2001

sábado, 22 de dezembro de 2001

Saudades do Bandejão

Uma das coisas que tenho sentido saudades da U$P é o Bandejão. Não, não estou brincando. É sério. Eu sei que, para a maioria, comer no Bandex era um ato impossível, uma tarefa insalubre. Mas havia aqueles que apesar de uma certa resistência, principalmente nas semanas em que se desejava boa sorte e não bom almoço, acabavam por se entregar aos prazeres gastronômicos do difamado refeitório. E tinha eu – e provavelmente mais dois ou três malucos – que chegava a ir para a U$P só para almoçar no Bandex.
Claro que eu levei um certo tempo até me acostumar com os cachorros passeando pelo refeitório, batendo seus rabos contra as mesas, jogando suas pulgas e sabe-se lá o que mais nas nossas bandejas, mas no final do ano eu já estava totalmente integrado ao ambiente.
Tinha também o chá, que quando não estava com gosto ruim, melado ou sem gosto era bom (não era todo dia que era assim, pelo contrário). Pena que ele foi substituído pelo suco, na última semana. Ainda é difícil imaginar o Bandex sem o chá.
Da comida eu não costumava reclamar (também, depois de comer as gororobas que eu fiz é difícil encontrar comida ruim, apesar que às vezes o "Restaurante Central" conseguia). Sem contar os nomes daquilo que comíamos, um mais chique que o outro, coisa de restaurante de hotel cinco estrelas, como sempre comentava o Vannucci. Por mais que fosse um prato comum, você nunca leu no cardápio "lombo na banha do lombo"; era sempre lombo ao molho seiláoque.
Tudo bem que algumas coisas até hoje me dão pesadelos: a carne moída, o hambúrguer e o espaguete servido com espátula. É certo que não se pode exigir a perfeição por R$ 1,90 (R$ 2,00, quando o tio do caixa gatunava o troco).
Depois de um ano comendo no Bandejão é-me estranho ter que me servir, comer em prato, em mesa com toalha (limpa, ainda por cima!), num local iluminado, sem cachorros circulando ou desfile das gurias da enfermagem ou da bio.
Eu vejo na balança a falta que o Bandex me faz: quatro quilos em três semanas.
Caso eu não passe no vestibular este ano e me veja obrigado a enrolar (porque dizer fazer não é muito condizente com a realidade) mais um ano na psico, vou ter que fazer uma camiseta escrita "Eu ‘coraçãozinho’ Bandejão". Alguém aí me acompanha?

Pato Branco, 22 de dezembro de 2001

Crônica das seis

Insônia é mesmo um problema. São cinco e meia e eu ainda desperto. E olha que faz tempo que me deitei. Era três horas quando voltei de uma breve andança pelos agitos da cidade, em busca do meu irmão, e antes das quatro badaladas do relógio eu já me punha à postos, à espera de Morfeu.

Não sei se não tinha teto, ou o endereço foi extraviado, mas os minutos foram se passando, formavam já uma hora; novos minutos a eles se juntavam, e nada do dito cujo aparecer.

Tivesse, no meu quarto, um daqueles relógios de ponteiros, antigo, com duas sinetas em cima, que faz um tique-taque infernal, diria que era culpa dele. Como não tenho, não há como culpá-lo. De fora, também, nenhum barulho.

O que estaria causando minha insônia? As preocupações são as mesmas de ontem, as alegrias, as frustrações, também; e ontem eu dormi sem mais demoras.

Quem sabe um livro não ajude o sono a vir. O que tenho à mão empolga: "Inculta e Bela 2", "História Concisa do Brasil", apostila do COC, "Meu Piano é Divertido" e "Olho Mágico".

Deve ser fome, afinal, escrever uma crônica sobre o Bandejão deve ser por causa da fome. Mas eu comi antes de deitar. E olha que nem foi ovo com salame, como minha refeição da madrugada de Quarta.

O que será que faz com que essa minoria insurreta que há dentro de mim não me permita dormir, apesar do corpo doído e da cabeça cansada?

Acho que sei! Estava esquecendo de pôr um ponto final neste dia 22. Bons sonhos.

Pato Branco, 22 de dezembro de 2001

sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

A Crise na Argentina e o E no Provão

Ao ver as imagens do que está ocorrendo na Argentina, o primeiro pensamento que tive – não muito original, creio eu – foi "que bom que no Brasil não acontece revoltas como essa". Ao refletir um pouco mais, me questiono: que bom?
Segundo Clóvis Rossi, colunista da Folha de São Paulo, nem depois de 30 anos de decadência os níveis sociais argentinos batem os brasileiros. Somos 30 milhões de miseráveis e achamos isso normal. Vemos a cada dia o desemprego aumentar, os salários baixarem a violência explodir e qual nossa resposta? Segundo as últimas pesquisas, a vitória de uma candidata situacionista.
Reformulo, então, meu pensamento inicial: "que bom se no Brasil não houvesse motivos para uma revolta tal como na Argentina". Infelizmente há. E cadê as pessoas nas ruas, protestando? Essa letargia é (numa grotesca generalização) própria do brasileiro. Até mesmo os paraguaios, que são, para nós, índios que vendem bugigangas falsificadas, ou índios que disfarçam a sujeira com maquilagem, para os argentinos, saíram às ruas, na ocasião do assassinato do vice-presidente, ano passado ou retrasado, não sei bem ao certo.
Pode-se argumentar que o brasileiro é um povo pacífico e quando preciso, sai às ruas, tal como fizeram os "caras pintadas". Sobre o pacifismo brasileiro a história não comprova isso e, pelo menos para mim, as estatísticas da guerra urbana das grandes cidades, tampouco. Quanto às manifestações pelo impedimento do Collor, vale lembrar que os jovens só saíram quando a rede Globo, ou seja, a elite, pediu. Não se pode dizer que foi algo popular, apesar da adesão das massas.
Uma possível explicação à nossa apatia poderia ter como base o experimento relatado pelo professor Sebastião (não me perguntem como eu prestei atenção nisso, deve ter sido um lapso entre um cochilo e outro), de que o rato acostumado a levar choques demora para desativá-lo quando lhe é dado a oportunidade. O povo, acostumado a sofrer, acha normal e não anseia grandes mudanças; quem sabe até anseie, mas não crê que seja capaz de alcançá-las ("nenhuma nação existe sem auto-estima. Você quer destruir um povo? Faça com que ele próprio não goste de si mesmo". Bautista Vidal, Poder dos Trópicos).
Uma outra seria a de que a população pobre, desesperada em sobreviver, não tem tempo nem forças para brigar por mudanças – como se percebe nos depoimentos do livro "Memória e Sociedade", de Ecléa Bosi. Se os pobres não se mexem, a elite muito menos, uma vez que não é do seu interesse mudar a sociedade (li certa feita, não sei onde, que o egoísmo surge na abundância. Estou cada vez mais convencido disso). Sobra para a classe média a tarefa de reivindicar um país mais justo. Porém, a classe média também tem seus problemas: antes de mais nada, a famigerada "o que é que vão pensar". Você já parou para contar quantas coisas você deixou de fazer, preocupado com o que é que vão pensar se me virem em tal lugar, em tal situação, com tal pessoa? Há também o comportamento que julgamos natural do ser humano: o egoísmo, o egocentrismo (brilhantemente mostrado na filme "E sua mãe também"). Outro empecilho é que, assim como a elite imagina que pensando como os americanos chegarão ao mundo desenvolvido, nós, classe média, imaginamos que pensando como a elite estaremos a um passo de sermos ricos, logo, vemos qualquer mudança com receio, temos medo de que as coisas piorem, por piores que estejam. Por conta dessa cautela, as coisas não pioram (aparentemente), mas dificilmente melhoram. Costumam estancar no ruim. O resultado é caos social que estamos sempre beirando, quando não vivendo.
A classe média tem tentado, de alguma forma, preencher essa função que lhe é incumbida. Faz isso através, principalmente, do trabalho voluntário. Entretanto, há trabalhos e trabalhos voluntários. Existe aqueles que são mais que um paliativo, são uma pequena revolução, tal como podemos assistir no programa "Caminhos e Parcerias", domingo, 18h na TV Cultura.
Pensando sobre as possibilidades de no Brasil ocorrer levantes populares tal como na Argentina, lembrei-me de uma conversa que tive, no início do ano, não sei com que colega. Conversando sobre boicotar ou não o provão, essa pessoa disse que não concordava com o provão, era a favor do boicote, mas achava que depois de dois boicotes os alunos deveriam fazer a prova, só para não haver sanções. Eis uma boa síntese do pensamento revolucionário brasileiro: tentar mudar, mas sem grandes choques, sem grandes riscos. Na minha opinião, seguir esse esquema ou não boicotar tem os mesmo efeitos. Não estou muito inteirado com o assunto provão, mas acredito que o melhor a fazer é tirar três, quatro, cinco notas E, e convidar o ministro da educação para tentar fechar um dos melhores cursos de psicologia do Brasil. A boa e velha desobediência civil de Gandhi. Temos que aprender a dar tiro no próprio pé para que não nos cortem a cabeça.

Pato Branco, 21 de dezembro de 2001

segunda-feira, 3 de dezembro de 2001

Yes, nós somos brazileiros!

"Pobre do país em que nem os seus intelectuais pensam com a própria cabeça."
eu, na questão 9 da prova de PGE II

Imagine a seguinte cena: você chega para seus amigos e comenta, como quem não quer nada:
- Um professor meu, da faculdade, teve um artigo publicado na edição atual da revista científica "Journal of Psychological Science". Seus amigos farão um "Oh!" em coro uníssono e pedirão mais detalhes. Você, depois de tanta insistência, conta das maravilhas que é estudar numa universidade do padrão das de primeiro mundo, onde os professores publicam artigos, em inglês, inclusive.
Agora imagine a mesma cena, mas com uma pequena diferença: a revista não se chama "Journal of Psychological Science", e sim "Jornal da Ciência Psicológica". Pior, "Jornal Brasileiro da Ciência Psicológica". Brega, não? Isso é para você ver como os professores da "Filô" se preocupam com tudo antes de tomar qualquer atitude.
A folha noticiou há algumas semanas que professores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto lançarão ano que vem a primeira revista científica brasileira sobre psicologia editada totalmente em inglês. A edição ficará a cargo do professor Joseph Appeared of Bramble (aquele, que por ter fruência em ingrês, fala psicologia crínica).
É inquestionável que o inglês é hoje a língua hegemônica, e que uma revista editada em tal idioma terá muito mais abrangência e repercussão.
Porém, ao meu ver, a U$P, como detentora da fama de melhor universidade, deveria dar o exemplo de produção científica autônoma, não no sentido de independente de influências externa, que isso é muito difícil, além de não ser benéfico, mas no sentido de valorizar um pouco o país que representa, preservando, no caso, o idioma. Um artigo em português (já que falei em português, outra coisa que não está certo, somos 150 milhões de habitantes contra 15 de Portugal, e nós é que temos que falar português, ao invés deles falarem brasileiro?!) pode perder sua repercussão e abrangência, mas de forma alguma perderá sua qualidade. E, até onde eu sei, o principal de uma pesquisa científica é a qualidade. Se fosse o caso, a revista poderia ser editada em inglês e português. Agora, apenas em inglês vai acabar por ter abrangência no mundo, mas alijará de seus artigos seus alunos – sem falar nos contribuintes – que não sabem inglês. Pode-se argumentar que aluno de universidade tem que saber inglês. Tem não, é recomendado que saiba.
Claro, argumentar que a defesa da língua, da qualidade é mais importante que a repercussão da revista e dos artigos muito pouco ou nada vale neste antro de vaidades que é a U$P (agora fui uspiano!). Ninguém quer ficar mal falado ou (pior!) não ser falado.
Resumindo a ópera (que eu estou enrolando, enrolando, mas não dizendo nada): não acho que não se deva escrever em inglês, mas não deveria uma universidade brasileira, pública, ainda por cima, deixar de lado o português; uma revista nos dois idiomas agradaria a gregos e troianos (ou melhor, a gentleman e caipiras). Abandonar o português é o primeiro passo para deixar de lado os problemas especificamente brasileiros. E se uma universidade brasileira não se prestar a isso, quem fará?

Ribeirão Preto, 03 de dezembro de 2001