sexta-feira, 4 de janeiro de 2002

Entre a sinceridade e a amizade

Existe amigos e amigos. Há aqueles – a maioria – com quem conversamos, saímos para as baladas, trocamos segredos. E há aqueles que não necessariamente conversemos muito, que não nos acompanham quando saímos, mas que contamos nossos segredos sem medo do que ele vai pensar.
Os primeiros, quando se mudam, sentimos sua falta, mas logo achamos outro que o substitua. Os segundos, quando partem para outras terras, sentimos sua falta, também, mas muito raro – se não impossível – substituí-lo.
Quando nos encontramos, depois de um longo tempo, com o primeiro, não há como não parar para conversar, perguntar como vai a vida, o que tem feito, quais as novidades. Com o segundo, continuamos a discussão que da última vez que nos vimos, um ano atrás, não tivemos tempo de terminar – não precisamos ver pra que direção estão as suas idéias. (Que início brega este).
A diferença entre o primeiro e o segundo tipo de amigo não depende dele, se é uma pessoa legal ou não, mas principalmente de nós: até que ponto mostramos a ele nosso rosto, e não nossas máscaras; a liberdade que damos – a ele e a nós – de dizer o que realmente sentimos, o que realmente pensamos; o quão sinceros somos com ele.
Aqui entra a crônica anterior: se estamos imersos numa espessa neblina, que impede que vejamos a nós mesmos, como enxergar o próximo? como ele nos enxergará?
Resta-nos "vê-lo" por tentativas: imaginamos que a pessoa seja assim e assado, e nesse jogo de adivinho perdemos preciosos, surpreendente, maravilhosos detalhes, ao mesmo tempo que enxergamos fantasmas, monstros, aberrações.
A solução é uma palavra: sinceridade. Parece simples, mas não é.
Se não nos conhecemos suficientemente bem, como saber se aquele detalhezinho que você não conta a ninguém não é importante? Pode ser que ele faça com que seu amigo te compreenda muito melhor. Te compreenda (eu sei, há um erro aqui. É proposital) e te aceite melhor.
Aceitação. Eis nossa insegurança. Eis o pântano em que nossa sinceridade jaz. Eis o atoleiro que impede que nos aproximemos dos amigos.
Nos apresentamos através de estereótipos e, conforme nos aproximamos de uma pessoa, vamos sendo obrigados a destruí-los. Nos sentimos já nessa fase inseguros, o medo de que o outro não nos aceite como somos, de que ele conte a outrem. Vamos nos revelando devagarinho, estudando bem cada passo a ser dado.
Entretanto, chega um ponto em que os estereótipos sob os quais propositadamente nos apresentávamos (e muitos que seguíamos sem notar) foram postos abaixo (muitas pessoas não chegam sequer a este ponto, não sei se por medo ou por julgarem desnecessário um relacionamento mais profundo). É a hora, então, de contar nossas esquisitices – dizia Caetano, "de perto ninguém é normal" – e, além da nossa insegurança, soma-se nossos pudores – apesar de não haver motivos para isso. Na maioria das vezes, convencemos nós mesmos de que não há mais nada a ser dito, e pomos um ponto final no nosso "strip tease social". Uma pena. É a partir daí que os amigos passam a ser peça chave na busca por nós próprios. A partir daí deixamos de lado o que parecemos e passamos a conversar com o que realmente somos.
Não estou recomendando aqui que você se abra com todo mundo. Seria o ideal, mas é impraticável na sociedade atual. Mas não custa nada diminuir o número de máscaras no trato com as pessoas em geral, e ir "desarmado" ao encontro dos seus amigos mais próximos.

Pato Branco, 04 de janeiro de 2002

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