quinta-feira, 30 de maio de 2002

Auto-estima pra quê (se ela não serve para ganhar dinheiro)?

Auto-estima é um assunto que está na moda. Muito é falado da sua importância. Inclusive o mercado e sua mão invisível tem auto-estima; daqui a pouco começam a surgir (se é que já não surgiram) pastores "011-14-06" na tv falando da auto-estima de Deus. Bem, nesses assuntos sagrados prefiro não me meter, deixo para os economistas e pastores de plantão.
Acontece que, no mundo atual, a dita auto-estima não parece ser necessária. Não discordo de que é bom Ter a auto-estima alta, que o ideal seria que todos assim a tivessem. Mas, assim como para os tradicionais marginais, para os "pós-modernos" (não gosto desta expressão) – a geração shopping center, os filhos da Xuxa – a questão da auto-estima não é nem colocada: objetos não possuem auto-estima. Infelizmente aqueles que hoje tem 25 anos ou menos são mais objetos que pessoas.
Exagero meu? Não creio. Se você for a uma academia de musculação verá que ali não se busca saúde, mas o "corpo perfeito", melhor dizer, a imagem perfeita, pois o corpo incluiria a saúde física e mental. E qual a função da imagem se não vender? Pessoas-salgadinho: aquela embalagem bonita, bem cuidada, colorida, e por dentro, quase nada, e sem qualquer valor nutritivo.
Você pode também dar uma volta pela avenida nove de julho (a famosa). Quem está ali se oferecendo não o faz porque está sem artigos de primeira necessidade, e sim porque não tem dinheiro para supérfluos. Um exemplo mais ilustrativo pode ser encontrado na Folha de São Paulo de Sábado, 25 de maio. Uma garota de Manaus começou a se prostituir porque "queria ganhar dinheiro e comprar as coisas que desejava", não tem sonhos de ter uma profissão ou uma família (sem entrar nos méritos desta). Impossível que essa menina de 14 (catorze) anos (!) tenha alguma auto-estima, caso tivesse o mínimo, não quereria continuar se prostituindo.
Como construir um país com essa legião de infelizes? Se as pessoas não têm respeito por si, por quem terão? O consumo excessivo de drogas (sem contar as batidas anorexia e afins), assim como o desprezo pela vida – própria e dos outros – parece ser sintomático dessa nova posição assumida pelas pessoas, do pedreiro, da prostituta, ao universitário, ao executivo. É a ideologia da guerra: nenhuma vida tem valor (por favor, discordar, contra-argumentar tudo bem, mas nada de citar como exemplo "O Resgate do Soldado Ryan", "Rambo" ou qualquer outro do gênero).
Por fim, não deixemos de agradecer ao McDonald’s, à Coca-Cola, ao Roberto Marinho, Washington Olivetto, Xuxa e tantos outros que ajudaram e ajudam nosso país a ser esta república de fracassados.

Campinas, 30 de maio de 2002

quarta-feira, 29 de maio de 2002

Os Proto-intelectuais e a Torre de Marfim

Fazia tempo que eu não tirava uma folga tamanha: quatro dias em que eu praticamente nada de sério discuti e tampouco li jornal. Um descanso não apenas da faculdade, mas do mundo.
Foi apenas quando voltei para casa que me dei conta do ambiente que eu havia escolhido para essa folga: o campus de uma universidade pública. Não qualquer universidade, mas a U$P.
O máximo que presenciei foi uma discussão de política universitária, ainda assim, muito restrita, muito tímida. Nenhuma palavra sobre o que está ocorrendo no mundo ou no Brasil ou em Ribeirão. Não ouvi nada sobre a entrada da Rússia na Otan, do conflito no Oriente-Médio, do aumento do desemprego, da queda na renda do trabalhador, das eleições, do aumento do número de latrocínios em Ribeirão ou da suspeita na licitação do Palocci. A impressão é a de que ninguém ali assiste sequer ao noticiário televisivo, quanto mais ler as manchetes dos principais jornais. Não houve, é certo, nenhum grande fato, mas o mundo não se faz apenas de grandes notícias – assim como a vida não se faz apenas de grandes datas –, e elas só ocorrem por causa dos pequenos e quotidianos fatos.
Não acho que todos na U$P deveriam saber e ter uma opinião formada sobre tudo, mas penso que, por estarem na melhor universidade do país – a que não forma profissionais, mas intelectuais, como nos foi dito na aula inaugural – deveriam saber, nem que seja por cima, do que ocorre no mundo fora dos muros da universidade e de suas casas; e ter um elo mais forte com a sociedade, através de um assunto que tivesse interesse e conhecimento, e que foge, ou pelo menos vai além, do conteúdo de sala de aula: direito de minorias, política partidária, preconceitos, meio-ambiente ou qualquer outro que lhe seja de interesse.
Refletindo um pouco mais, vejo que talvez eu esteja pedindo demais. Se não há mobilização nem para salvar o seu, quem dirá o dos outros. E são justamente os que enxergam além dos muros da U$P os que acabam por se mexer para melhorar também o que é seu.
A U$P sendo privatizada (via fundações), sucateada (falta de professores, condensamento de cursos), servindo à burguesia (bolsa-trabalho que ajuda aos menos necessitados) e a maioria dos alunos, sabendo que não serão afetados diretamente, enquanto cursam a graduação, esquecem-se de que indiretamente perdem muito com a queda da U$P. Esquecem-se que daqui vinte anos, quem sabe, quando a U$P tiver o mesmo padrão de qualidade que escolas públicas de primeiro e segundo grau têm hoje, e a Unip e afins forem as grandes potências do ensino universitário, o diploma da U$P, quando forem procurar emprego, valerá pouco, não importa se na época em que você se formou a U$P era boa, a melhor.
A universidade não deve ser feita só de aulas e festas.
PS: Mais uma vez, meu apoio ao Paulo e à Roberta contra a Bolsa-Tapeação, que não se contentem em receber o benefício, mas em estender a todos os que dele necessitam!

Campinas, 29 de maio de 2002

terça-feira, 7 de maio de 2002

Crônica sem porquê

Estava eu pensando (ó!) em algo para escrever, mas a aula não estava mui inspiradora: Descartes em ritmo tartaruga manca com câimbra (apesar que estava até rápido, comparado aos dois meses necessários para que fossem lidas míseras dez páginas). Bem, mas o que poderia me inspirar o pai da ciência moderna? No máximo uma crônica falando mal da psico, mas isso eu já fiz na prova do Sebá e em demais oportunidades.
Lembrei, então, de um texto que eu havia escrito ano passado, pedido (e não recolhido) pela Velhinha, sob ética e ciência, que eu relera há poucos dias. Pensei em escrever algo similar. Não, melhor não. Dificilmente sairia igual, e aquele texto era muito a minha cara: o mais puro estilo "eu sou revoltado, não me provoque que eu mastigo de boca aberta e arroto na mesa!". Ou seja, uma versão mais crua das minhas crônicas de sempre. Algo bem adolescente, grito de protesto, bala para todo lado.
Me perguntasse contra o que eu grito, minha resposta seria enfática: contra o Sistema! Continuasse o interrogatório e perguntasse o que eu entendo por Sistema, eu diria "o que está aí". E o que é "o que está aí"? Ora, o mundo em geral. E seguindo por esse rumo não tardaria muito para perceber que eu não sei contra o que eu grito. Apenas que eu grito, e contra.
Parênteses: putz, bem no fim, esta aula está me inspirando, ô trem cartesiano que isto está virando! Melhor mudar um pouco, antes de chegar à conclusão que "eu, eu sei, eu, eu existo", ao menos como coisa pensante (será?). Fecha parênteses.
E é bom ou é ruim ser contra o que está aí, sem ter nada para pôr no lugar? (lugar do que, se ser contra tudo é ser, no fim, contra nada?). Ser contra o Sistema, é bom ou ruim? Já que estou sendo meio cartesiano, que eu fuja, ao menos, do maniqueísmo. À mim parece que o melhor é ser contra o mundo a aceitá-lo como está. Claro, tem seus prós e contras. Por esta trilha, está-se sempre insatisfeito, tem-se mais frustrações, mas a alegria de ver algo melhorar (se é que isso pode ocorrer) me parece ser maior do que passar a vida em semi-letargia, que passá-la em "brancas nuvens".
Respondendo àqueles (dois, talvez?) que estão lendo e me questionam como posso afirmar o que afirmei: não afirmo, apenas acredito ser melhor assim; questão subjetiva de credo.
Aos pacientes leitores que chegaram até aqui, devem ter notado que consegui fugir um pouco do Descartes, porém se perguntam aonde eu quero chegar com esta cronicazinha sem porquê e sem graça. É... a aula me inspirou. Descartes me inspirou.
Para terminar bem não posso deixar de gritar contra: FORA DESCARTES!!! Sou mais Merleua-Ponty!

Campinas, 07 de maio de 2002.