quarta-feira, 29 de maio de 2002

Os Proto-intelectuais e a Torre de Marfim

Fazia tempo que eu não tirava uma folga tamanha: quatro dias em que eu praticamente nada de sério discuti e tampouco li jornal. Um descanso não apenas da faculdade, mas do mundo.
Foi apenas quando voltei para casa que me dei conta do ambiente que eu havia escolhido para essa folga: o campus de uma universidade pública. Não qualquer universidade, mas a U$P.
O máximo que presenciei foi uma discussão de política universitária, ainda assim, muito restrita, muito tímida. Nenhuma palavra sobre o que está ocorrendo no mundo ou no Brasil ou em Ribeirão. Não ouvi nada sobre a entrada da Rússia na Otan, do conflito no Oriente-Médio, do aumento do desemprego, da queda na renda do trabalhador, das eleições, do aumento do número de latrocínios em Ribeirão ou da suspeita na licitação do Palocci. A impressão é a de que ninguém ali assiste sequer ao noticiário televisivo, quanto mais ler as manchetes dos principais jornais. Não houve, é certo, nenhum grande fato, mas o mundo não se faz apenas de grandes notícias – assim como a vida não se faz apenas de grandes datas –, e elas só ocorrem por causa dos pequenos e quotidianos fatos.
Não acho que todos na U$P deveriam saber e ter uma opinião formada sobre tudo, mas penso que, por estarem na melhor universidade do país – a que não forma profissionais, mas intelectuais, como nos foi dito na aula inaugural – deveriam saber, nem que seja por cima, do que ocorre no mundo fora dos muros da universidade e de suas casas; e ter um elo mais forte com a sociedade, através de um assunto que tivesse interesse e conhecimento, e que foge, ou pelo menos vai além, do conteúdo de sala de aula: direito de minorias, política partidária, preconceitos, meio-ambiente ou qualquer outro que lhe seja de interesse.
Refletindo um pouco mais, vejo que talvez eu esteja pedindo demais. Se não há mobilização nem para salvar o seu, quem dirá o dos outros. E são justamente os que enxergam além dos muros da U$P os que acabam por se mexer para melhorar também o que é seu.
A U$P sendo privatizada (via fundações), sucateada (falta de professores, condensamento de cursos), servindo à burguesia (bolsa-trabalho que ajuda aos menos necessitados) e a maioria dos alunos, sabendo que não serão afetados diretamente, enquanto cursam a graduação, esquecem-se de que indiretamente perdem muito com a queda da U$P. Esquecem-se que daqui vinte anos, quem sabe, quando a U$P tiver o mesmo padrão de qualidade que escolas públicas de primeiro e segundo grau têm hoje, e a Unip e afins forem as grandes potências do ensino universitário, o diploma da U$P, quando forem procurar emprego, valerá pouco, não importa se na época em que você se formou a U$P era boa, a melhor.
A universidade não deve ser feita só de aulas e festas.
PS: Mais uma vez, meu apoio ao Paulo e à Roberta contra a Bolsa-Tapeação, que não se contentem em receber o benefício, mas em estender a todos os que dele necessitam!

Campinas, 29 de maio de 2002

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