sábado, 1 de junho de 2002

Democracia, direitos humanos e os contos da carochinha

Louvemos à democracia, o grande bem da humanidade! Louvemos também aos direitos humanos!
Louvemos aos Estados Unidos da América, a nação mais democrática e humanitária do planeta! Tão democrática que por muito tempo o Partido Comunista foi proibido, cujo candidato mais votado na última eleição não foi eleito presidente. Humanitário a ponto de mandar inocentes à cadeira elétrica, amordaçar prisioneiros de guerra em gaiolas, distribuir carne de porco aos muçulmanos famintos e abandonados durante a Guerra da Bósnia e fazer "intervenções humanitárias" com alguns "danos colaterais". País ávido por estereotipar a tudo e a todos e que ainda assim se diz tolerante – e o é, em parte, com aqueles que lhe são servis.
Felizmente nós moramos no Brasil e não nos EUA. E o Brasil faz parte do Mercosul, que contém uma cláusula que obriga todos os países membro a serem democráticos. Nenhum comentário à respeito de respeito aos direitos humanos, quem dirá sobre pobreza. E como manda o Mercosul, o Brasil é democrático. Aqui o presidente é o candidato mais votado, não importa que a eleição tenha sido a base de fraude – ops, desculpe – à base de intensivo e não muito imparcial apoio por parte dos empresários e da mídia. A Argentina também é democrática, tem eleições. Pouco importa se os últimos presidentes eram golpistas – perdão, outro lapso –, se os últimos presidentes não foram eleitos pelo povo. O Uruguai também, pelo menos enquanto a aristocracia que se reveza no poder com Blancos e Colorados, rivais históricos, antagônicos (assim como fascismo e comunismo) e que buscam o mesmo fim: o poder. Se necessário, se unem, para evitar que outro partido assuma o governo. O Paraguai é uma boa democracia texana (pistoleiros, assassinatos e tudo mais que os filmes do Django podem exigir). A Venezuela não faz parte do Mercosul. Isso provavelmente devido ao fato de ter um governo ditatorial e autoritário (azar que tenha sido eleito pelo povo, não é democrático e ponto). Cuba não tem um presidente, tem um ditador, o que autoriza os EUA de o acusarem de tudo quanto quiserem, de magnata a terrorista. O Brasil nunca teve ditadura, apenas presidentes militares eleitos por sufrágio indireto. Hitler, o 666, o inimigo da paz e da humanidade foi eleito democraticamente ao governo alemão. Louvemos à democracia!
Cuba, com suas prisões arbitrárias, seu elevado IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), e seu ditador comunista é um dos maiores violadores dos direitos humanos que a história já conheceu. Dizem que o Brasil, com as torturas que ocorrem em suas prisões e delegacias (será?), também viola tais direitos. O governo nega. E no meio dessa acalorada discussão se há tortura ou apenas métodos medievais de extorsão de depoimentos, 49 milhões de indigentes. 49 milhões de pessoas à beira de morrerem de fome não é violação dos direitos humanos! Penso que para a África, os direitos humanos não devam valer, afinal, lá só tem quase preto e pobre, gente que pé bom, muito pouco. Louvemos aos direitos humanos!
Por que escrevi tudo isso? Me inspirei com o artigo do ex-presidente estadunidense, Jimmy Carter, na Folha de São Paulo de Sexta, 31 de maio, que dizia da necessidade dos cubanos verem as vantagens de uma verdadeira sociedade democrática e de Fidel permitir a entrada de inspetores de direitos humanos. Ora! Democracia verdadeira não é governo do povo para o povo? Fidel está mais próximo disso do que o Bush, que não é do povo, não foi eleito pelo povo e muito menos que ele governe para o povo. E quanto a inspetores, por que os EUA não dão o exemplo e permite os da Opaq?
De qualquer forma, louvável a atitude de Carter visitar Cuba (não é ironia).

Campinas, 01 de junho de 2002

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