sexta-feira, 2 de agosto de 2002

A tv e o Mito da Caverna

Apesar do surgimento e difusão da internet, esta ainda está longe de exercer a mesma influência que a televisão e o cinema; pode ter mudado (ou estar mudando) alguns padrões de comportamento, mas não parece (a mim, pelo menos) apta a desbancar a "dupla dinâmica" num futuro próximo.

Apesar de ter papel decisivo, fundamental, desde a redemocratização, é na atual eleição, após o estouro da bolha pontocom e sua acomodação no devido lugar, que a televisão exerce sua maior influência – poder quase hegemônico. Isto talvez devido ao aumento, a cada eleição, de eleitores cuidados (e criados) pela babá electrônica; quem sabe daqui dez, quinze ano, quando a geração educada em wwws e arrobas for votante, a internet roube uma parcela do poder da tv.

Mas não é apenas nas eleições que se percebe as conseqüências da babá electrônica. A passividade dos jovens de hoje não destoa muito da de quem está escarrapachado no sofá, assistindo tv, que num ápice de atividade e vontade própria, estende o braço, pega o controle remoto, e troca de canal. A internet, por sua vez, traz um pouco mais de atividade, dado que sem decidir aonde se quer ir, não se vai a página alguma. Em compensação, a internet consegue ser ainda mais solitária e egoísta que a tv, mesmo havendo os bate-papos e afins. Resta saber se os programas "interativos" da tv, como big-brothers da vida e perguntas do futebol, são uma forma de tentar coagir internautas à tv ou a alegação de que a tv, em breve, quedará em segundo plano.

A "dupla dinâmica" tem mudado também nosso olhar. Perdemos o interesse e a capacidade de ver detalhes, minúcias: estamos habituados à rápida seqüência de imagens, que não nos dão tempo para observar nada além do necessário para a trama. Ao mesmo tempo que perdemos a visão para os detalhes, nos acostumamos à poluição visual. Simples e poluído, esse parece ser o padrão visual, estético atual; observável em capas de revista, logomarcas (ainda mais se comparadas às antigas), e mesmo na decoração de ambientes.

Apesar de ter sido evidenciados os aspectos negativos, claro que a tv tem aspectos positivos, tal como exigir da pessoa capacidade para concatenar imagens rápidas e distintas, compreendendo o todo (bem evidente nas estórias "contadas" nos vídeo-clipes), entre outros. Porém, o lado negativo parece prevalecer.

Contardo Calligaris, em seu artigo na Folha de São Paulo de 05 de julho de 2001, "Gorila entre nós", comenta que pessoas deprimidas tendem a enxergar detalhes que à maioria passam despercebidos. Talvez a depressão, mal deste início de século, seja porque a pessoa, acostumada à fantasia da tv, ao se deparar com algum detalhe incômodo do mundo, se veja sem ação e sem saída. Disso, passaria a enxergar outros pontos indesejáveis, que o deprimem mais, e assim num círculo vicioso, que cessaria quando este passasse a agir, quem sabe num trabalho voluntário, quem sabe matando colegas e professores, ou (mais comum), deixasse de enxergar o que o incomoda, com ajuda de um profissional, ou usando drogas.

De qualquer modo, influencie ou não, seja co-responsável ou não pela depressão, a tv revive o Mito da Caverna, de Platão: preferimos ver o pôr-do-sol pela telinha, a olhar para fora e contemplá-lo em toda sua amplidão.



Campinas, 02 de agosto de 2002


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