sábado, 27 de dezembro de 2003

Um ano ruim?

No seu balanço do primeiro ano Lula disse que 2003 não foi o ano dos seus sonhos, apesar dele conseguir dormir tranqüilo, como revelara em entrevista anterior. Salvo alguns poucos eleitos 2003 não foi o ano dos sonhos da maioria dos brasileiros: aumento do desemprego, queda da renda, aumento do trabalho infantil.
Convenhamos, o governo Lula é pior que o FHC, justamente por faltar a Lula o PT dos anos FHC. Na economia, FHC tinha como ministro um tecnocrata de visão estreita, mas que pelo menos sabia o que estava fazendo. Palocci é médico sanitarista, de visão tão limitada quanto à de Malan e que não sabe nem o que faz. Escuta o que diz um economista aqui, o que diz outro acolá, e acaba fazendo o que o FMI manda. Perdão, faz mais do que o FMI faz: os 4,25% de superávit primário foi o governo, como prova de bom aluno, quem estipulou, e já avisou que manterá até 2007. Por falar em médico sanitarista, que médico de quinta categoria é Palocci, liberou 2,9 milhões para saneamento básico em 2004. Segundo Vinícius Torres Freire, são necessários 178 milhões para a universalização do saneamento. Neste ritmo, se o governo não reter as verbas, em 2064 todos os brasileiros terão esgoto e água tratada na sua casa!
Na política, o PT é tão sujo quanto PSDB, PFL, ou qualquer outro partido, fazendo de cargos e verbas moeda de troca nas reformas.
Na agricultura, um ministro que poderia ganhar o troféu de liberal do ano. Nem Roberto Campos conseguiria ser liberal como ele. Dizer que transgênicos é problema unica e exclusivamente do mercado? Qualquer idiota sabe que transgênicos trás consigo um debate acerca de saúde pública e equilíbrio ecológico. Pode-se achar que não causa dano nenhum, mas negar esse aspecto da questão é inaceitável, ainda mais pra alguém que ocupa um cargo público.
A reforma agrária parou. Os empregos, foram criados um milhão, se vangloria o governo, mas entraram no mercado um milhão e meio de pessoas.
E pra terminar o ano em que Lula dormiu tranqüilo, as doações do Fome Zero, a menina dos olhos de Lula, foram diretamente para o prato de milhares de banqueiros. Isso mesmo, segundo a repórter Marta Solomon, a verba arrecadada pelo governo foi gasta com pagamento dos juros.
E pensar que eu votei no Lula...

Pato Branco, 27 de dezembro de 2003

segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

O nobel de economia

Tinha entrevista com o senhor ministro da economia Antônio Malan Palocci Filho na Folha de domingo. Eu li. Mais por masoquismo que por informação, afinal, é claro que dele não há muito o que tirar, visto não possuir idéias próprias, e se utilizarmos a definição de George Orwell, para quem ortodoxia é não pensar, podemos concluir que Palocci tem essa grave limitação características das amebas.
A entrevista, como era de se esperar, não é nada de mais, serve mais pra gente passar raiva. Diz ele que o momento mais difícil do ano foram os três primeiros meses. Óbvio: foi o período em que a parcela ilustrada da população ainda tinha esperanças no governo (porque o povo pode ser ludibriado com qualquer personagem de novela ou notícias inventada no Jornal Nacional).
Mas a melhor parte da entrevista, quando Palocci mostrou ao que veio, um momento para calar os opositores, os que dizem que ele não pensa, onde ele deixou claro que conhece a fundo os problemas brasileiros e tem uma fórmula para resolvê-los (fórmula muito bem embasada, por sinal), de uma clareza de pensamento e objetividade foi quando respondeu à seguinte pergunta: Avalia-se que o crescimento em 2004 pode vir sem gerar empregos. Outro risco é uma crise externa devido a uma possível valorização do dólar se houver alta dos juros americanos. Como conciliar crescimento, geração de emprego e a preparação para uma eventual turbulência? A resposta, curta, direta e precisa: Bater escanteio, correr até a área, cabecear e fazer o gol. Veja só, que discernimento! Quanta lucidez do seu papel, e dos problemas econômicos que o Brasil pode enfrentar! Palocci falou qual o problema, quais suas causas principais, como saná-lo, por quais meios, e aonde se vai chegar com toda esse plano econômico para o Brasil!
Além de não ter idéia própria, não pensar, Palocci não tem sequer originalidade nas suas metáforas. Poderia muito bem se demitir do cargo de ministro da economia e assumir o posto de papaio de navio pirata do Lula. Seria um ganho pro Brasil, sem dúvida.

Pato Branco, 22 de dezembro de 2003

segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Prioridades

Estava eu zapeando os canais pela tv quando me detive em um debate sobre os problemas da saúde pública. A discussão se deteve em dois eixos principais: a má formação de certos médicos, que precisam fazer cursos de aprimoramento mas não fazem, e a má distribuição dos médicos pelo país. Assim foi a discussão por vários minutos, até o âncora chamar uma nova notícia. Não houve em todo esse debate qualquer menção sobre verbas para a saúde, superávit primário, ou qualquer coisa do gênero.
Estranhou? Eu também. Claro que não se tratava de um debate sobre a saúde pública brasileira, e sim sobre a de Portugal um dos primos pobres da União Européia , mas mesmo assim, o fato de não se entrar em questão de se haverá verbas ou não, e onde serão gastas essas verbas caso sejam liberadas surpreende um brasileiro típico, acostumado com a tecnocracia fiscalista e liberal dos últimos dez anos. Não deixei de ficar surpreendido ao lembrar que a vida política de um país pode não se reduzir a fechar o caixa para pagar os juros no fim do ano ou agradar os mercados, podendo, inclusive, tratar do bem-estar da população. Tudo uma questão de prioridades. Em Portugal, o bem-estar da população; no Brasil, o bem-estar dos especuladores.
No dia seguinte, enquanto esperava minha namorada ser consultada, chegou um homem que precisava fazer alguns exames pelo INSS. A secretária, muito ocupada em lixar a unha, não se deu ao trabalho de olhar para o homem, para informá-lo que o INSS estava em greve e o médico não estava atendendo, que quando a greve terminasse ele deveria ir novamente ao INSS marcar uma nova data para os exames. Enquanto isso o governo Lula lamenta não ter podido cortar uma parcela da verba da saúde, tal como tentara, para agradar o maltrapido mercado. Prioridades.

Campinas, 15 de dezembro de 2003

quinta-feira, 20 de novembro de 2003

O esporte é o ópio do povo

Assistindo a um noticiário na globo, vejo a entrevista de um rapaz. Diz o repórter “em 93 fulano (não me lembro o nome do infeliz) podia andar de cabeça erguida, hoje...” e é o entrevistado quem completa “hoje está uma tristeza”. Falta apenas ele começar a chorar.

Mas o que houve para que esse rapaz tenha mudado tanto em nove anos? Será um desempregado, lembrando-se do tempo em que tinha um emprego? Será um empregado, lembrando-se do tempo em que tinha um salário que comprava mais que uma cesta básica? Nada disso, era um palmeirense que se envergonhava do time atual e recordava as glórias passadas.

Esta semana, ao caminhar pela faculdade, quatro de cada cinco conversas falavam do rebaixamento do time alviverde. Já quase não se lembravam de quem é o tal de Lula, e muito provavelmente não sabem das últimas (intermináveis) turbulências no Oriente Médio e na Venezuela.

Concordo com aqueles que dizem que não devemos nos restringir apenas a assuntos sérios, que precisamos de algumas distrações. Mas daí para o que vemos nos esportes – no caso brasileiro, mais especificamente, o futebol – a distância é grande.

Os esportes têm hoje cada vez menos a função de passatempo (se é que algumas vez tiveram), e são tomados como assunto sério. As discussões sobre futebol são para a “grande massa” da mesma importância e gravidade que as discussões acerca de política e economia são para a dita “elite”. Os estádios que (creio) poderiam ser uma forma de catarse para muitos, ao se reunirem a uma multidão para gritar e pular, não cumpre esse papel, pois o futebol não é uma simples diversão, que terminará quando acabar o jogo. O fato de haver jornais e revistas especializados mostra que o futebol é assunto sério, não apenas para os que deles vivem, como também para os torcedores. Nos grandes jornais do país, o espaço dado ao caderno esportes costuma ser, pelo menos, do mesmo tamanho que o dado às artes (uma outra forma de distração, muito mais construtiva que o esporte). Dificilmente vemos a foto principal da capa de um jornal dada a um escritor ou a um quadro, mas ao Palmeiras, ao Barrichello, à seleção, isso não é incomum.

O filósofo francês Robert Redeker, numa entrevista à revista Carta Capital (edição 153), disse que o esporte é pior do que a religião. Esta, bem ou mal, ao menos criou toda uma sociedade; e o primeiro, o que fez?

Não podemos ficar presos a assuntos sérios, mas também não podemos fugir deles. Transformar o que deveria ser diversão em assunto importante é como querer tratar política e economia como assuntos menores: é preciso haver uma certa distinção entre o que é sério e o que é divertimento, para não se fechar apenas em um assunto. Se o futebol é tratado como assunto sério, passa a servir tanto para bate-papo de botequim, como discussões sérias; e a política, que horas entra? E a discussão sobre os rumos do país? Sobre o valor da cesta básica ser igual a um salário mínimo?

Talvez Marx esteja errado: o esporte é o ópio do povo.

Campinas, 20 de novembro de 2002

quarta-feira, 19 de novembro de 2003

Um ano e meio

Fui hoje assistir a uma palestra sobre o governo Kirchner, com Atilio Borón, um dos principais sociólogos argentinos, professor da Universidad de Buenos Aires. Comentou vários fatos interessantes do presidente argentino, como a luta pelos direitos humanos, enfrentando para tal o exército e boa parte da elite argentina, e os caminhos neoliberais que o governo tem tomado apesar do acordo favorável, segundo a mídia, com o FMI (foi o maior superávit com o qual a Argentina já se comprometeu).
Mas uma coisa que me chamou a atenção foi a teoria que ele tem, baseado em Maquiavel, principalmente, de que um governante eleito sem o apoio da elite tem entre um ano e um ano e meio pra propor mudanças e tem que propô-las com convicção. Esse um ano e meio é quanto dura o mandato de um governante. Depois disso, resta-lhe administrar o Estado, sem qualquer chance de novas
mudanças. Como exemplo, ele citou Bill Clinton, que era a promessa de um Roosevelt do fim do século. Depois de eleito tentou reformar o sistema de saúde dos EUA, mas não se mostrou muito convicto, e depois de brigar um ano, se conformou com sua derrota e se tornou apenas mais um presidente estadunidense, sem nenhum brilho especial.
Moral da história: O governo Lula foi, até agora, um mero administrador da crise, sem sinalizar a menor mudança no modelo neoliberal, pelo contrário, tem aprofundado-o com uma nova leva de reformas neoliberais. Se Borón estiver certo na sua teoria de que um presidente tem de fato o primeiro ano e meio de mandato pra fazer as mudanças mais radicais que ditarão os rumos do governo, estamos perdidos.

Campinas, 19 de novembro de 2003

sexta-feira, 14 de novembro de 2003

Uma visão distorcida

Durante o governo FHC era comum abrir o jornal e deparar com o então ministro da educação, Paulo Renato de Souza, defendendo o financiamento do ensino superior por aluno e não por instituição. Era grande meu medo de que num eventual governo Serra, tal proposta fosse, finalmente posta em prática. Mas eis recebo a Folha e hoje e o que diz a primeira página? Que o ministro Palocci pretende cortar gastos com o ensino público. Votei no Lula, com a esperança de mudar, mas seu governo vem com o mesma idéia do
governo FHC, importada do Banco Mundial, e que dizia combater. Defender esse tipo de financiamento é típico de quem não conhece as especificidades da universidade pública brasileira, assentada no tripé ensino-pesquisa-extensão (e não somente ensino), e mais do que isso, ignora que o fato da universidade pública ser ocupada por alunos mais abastados é conseqüência da debilidade do ensino fundamental e médio ministrados pelo Estado.
O ensino superior de qualidade é pré-requisito básico para qualquer país que deseja ser uma grande nação, e a melhor forma de corrigir as distorções sociais do sistema brasileiro é um investimento maciço em educação fundamental e média, de forma a permitir ao aluno do ensino público, além de um formação cidadã, competir em pé de igualdade com o do ensino privado pela vaga na universidade pública.
Felizmente Cristóvão Buarque conhece nosso país e se opõe ao projeto da fazenda.

Campinas, 14 de novembro de 2003

terça-feira, 11 de novembro de 2003

O caleidoscópio da vida

Não sei se esse desencontro com o mundo que muitos reclamam é privilégio apenas daqueles que tentam seguir um caminho alternativo. Muita gente que soube se adequar ao Sistema também reclama estar sem rumo.

Esperamos que o mundo seja um quadro de Monet, mas ele é um caleidoscópio: os elementos são sempre os mesmos, mas o arranjo muda a cada momento. E tentamos fazer o caleidoscópio parar de girar, mas é inútil: a vida é movimento. Não conseguindo freá-lo, tentamos acompanhar o ritmo do girar, mas tampouco conseguimos: poucos são os que foram treinados o suficiente para compreender os meandros que o fazem girar.

Parece restar-nos duas alternativas: ou se entregar passivamente aos giros do caleidoscópio, ou fugir dele. Entregar-se é besteira: tentar aceitar que o mundo é assim mesmo e que nem da nossa vida temos controle poderá, no máximo, transferir nosso desalento com o mundo, com a vida, para outro ponto, mas não saná-lo.

Besteira também é virar as costas para o mundo: não conseguimos, vivemos nele, impossível fugir. Por isso essa alternativa nada alivia (além de que a única forma efetiva de conseguir o completo distanciamento do mundo e da vida é o suicídio, algo que não recomendo, mas tampouco recrimino).

O que eu sugiro, então, é aproveitar a beleza do caleidoscópio, sem querer pará-lo; não tentar integrar-se totalmente a ele, nem afastar-se demais. Enfim, tentar construir a própria vida, o próprio caminho, num meio termo entre o que se quer, e o que o mundo permite (o que já dá um trabalho danado, difícil de se alcançar, dependendo do que se quer – que o diga Policarpo Quaresma); comemorar cada vitória (presente e passada) ao invés de lamentar os fracassos. E estar sempre preparado e bem disposto para o futuro, mesmo quando este parece sombrio: até mesmo o amargo da vida é doce.


Campinas, 11 de novembro de 2002

sexta-feira, 7 de novembro de 2003

De quatro Brasil!

Na era do tucanato, o Simão costumava vir com a seguinte piada, depois do Brasil apelar ao FMI: diz que o Malan tinha ido aos EUA, acertar o acordo com o FMI, mas no dia da reunião chovia, e para não chegar com a calça suja, o ex-ministro levantou a barra. No elevador, o ascensorista notou que o ministro esquecera a barra levantada e falou: 'senhor Malan, o senhor não
vai baixar as calças?', a resposta do Malan foi 'calma, deixa eu tentar conversar antes'.
Na era do PT, essa piada não funciona, afinal, um governo que aumenta por livre e espontânea vontade o superávit primário pra 4,25% do PIB, os juros para 26% mostra que não está disposto a dialogar: já chega pro FMI de calça abaixada. Então, nada de surpreendente o novo acordo com o FMI, mesmo sem que o Brasil necessitasse. O governo Lula mostrou que não vai pro FMI só de caixa abaixada, mas também já na posição adequada (e quem toma o ferro somos nós).
O que indigna é o PT mostrar que tudo o que ele disse quando oposição era bravata. Na eleição de 98 o partido atacou FHC por não dizer na sua campanha que costurava um acordo com o fundo. Em 2002 o PT também não disse nada à respeito de um novo acordo. Mas o caso do PT é pior, afinal o PT sempre atacou as idas ao FMI, e quem votou nele na última eleição imaginava que assim seria no governo. Afinal, o PT até bem pouco tempo atrás era a favor de uma auditoria e da renegociação da dívida externa. A Folha de São Paulo trouxe quatro frases de petistas sobre o FMI, um bom
exemplo de como o PT é um partido tão ético quanto o PFL ou o PMDB: "Todo país que vai ao Fundo é um país que se mete em enrascada". A frase é do ministro do planejamento, Guido Mantega, e pode não parecer, mas foi dita quando ele já era ministro. Se ele está correto, o Brasil acaba de se enfiar numa bela encrenca, e o pior, sem necessidade.
"O PT não pode se acomodar e achar que é possível o país se desenvolver e crescer dentro dos parâmetros da política econômica que existe hoje. A Argentina está mostrando o desastre para o qual as orientações equivocadas do FMI podem levar". Frase do ministro da casa civil, José Dirceu, em dezembro de 2001. Assim sendo, o espetáculo do crescimento fica, na melhor das hipóteses para 2005. E bem lembrou o ministro do caso da Argentina: De La Rúa caiu porque seguiu as políticas desastradas do governo anterior. "O FMI não existe para ajudar o país ou ajudar o povo. Existe para ajudar os credores". Algum comentário sobre pra quem Lula governa?
E por fim: "O Malan não sabe o que é o desemprego. O presidente FHC e o Armínio Fraga também não sabem. Se soubessem, certamente o Brasil não estaria subordinado à especulação financeira e ao FMI". Pelo jeito o presidente esqueceu o que é desemprego (se é que alguma vez ele realmente soube). Ou então crê que esse é um problema secundário: o importante, antes de mais nada é agradar os mercados, afinal são os mercados que investirão em saneamento básico no Brasil, não é presidente? Pode-se argumentar que o acordo, como o Brasil não estava desesperado, não foi tão ruim, afinal, diminui o superávit, permite investis 2,9 bilhões de reais em saneamento básico e discute-se deixar de contar parte dos investimentos das estatais como gastos.
Algumas observações: 1) enquanto aqui nós apertamos o cinto pra ter um superávit de 4,10%, na União Européia os governos não podem ter um DÉFICIT maior que 2,5% do PIB, e olha que na Europa as necessidades são bem menores que no Brasil; 2) os 2,9 bilhões de reais correspondem a 1,63% do necessário para universalizar o abastecimento de água e esgoto no país; e 3) um governo que se dispõe por conta própria a aumentar o superávit, e pra isso corta gastos sociais, em segurança pública (o governo liberou 4,98% das verbas previstas para o Fundo Nacional de Segurança Pública), na saúde, você acha que vai gastar 2,9 bilhões abrindo buracos sem nenhuma visibilidade eleitoral?
Nessas horas que eu digo: Kirchner para presidente!

Campinas, 07 de novembro de 2003

quinta-feira, 6 de novembro de 2003

O autoritarismo não acabou

Estava eu hoje com minha namorada na cantina do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp, conversávamos, ela sentada em meus joelhos, mas nada que fosse ofensivo ou considerado atentado ao pudor. Mas eis que passa um senhor e, como se estivéssemos em pleno coito, agressivamente se dirige a nós, pergunta de onde somos, e exige com que ela saia do meu colo,
pois "isto é uma instituição de pesquisa séria", argumento - se é que pode ser chamado de argumento - totalmente furado, afinal aquilo era um espaço público e não fazíamos nada de mais. Mas ele, claro, não se contentou com esse "argumento", e logo usou um que pode ser chamado de argumento de autoridade: "sou diretor deste núcleo". Uma clara demonstração de autoridade, em um assunto que não lhe cabia respeito. Não pudemos fazer nada além de aceitar a ordem, pois minha namorada trabalha lá, mas ficou na boca uma boa porção de revolta. Exemplos parecidos têm às pencas nas escolas e universidades - eu mesmo já tive alguns problemas ao questionar essa "autoridade" - e, creio eu, em qualquer emprego. Enfim, qualquer lugar em que haja uma hierarquia,
subordinados.
Parênteses: não que eu ache ruim autoridade, mas há uma grande diferença entre autoridade e autoritarismo: o primeiro se conquista, o segundo se impõe.
Mas enfim, estou reclamando de barriga cheia. Picuinha de pequeno-burguês, coisa pra revoltinha de uma crônica e fim. Entretanto, se é assim numa universidade pública, onde está boa parte da elite nacional, imagine como não é com os menos favorecidos.
Uma música do grupo O Rappa dá uma boa mostra disso: "A viatura foi chegando devagar, e de repente, de repente, resolveu me parar. Um dos guardas saiu de lá de dentro já dizendo 'aí cumpadi, 'ce se perdeu, se eu tiver que procurar 'ce tá fudido, acho melhor 'ce ir deixando este flagrante comigo'. No início eram três, depois vieram mais quatro, agora eram sete os samurais da extorsão, vasculhando meu carro, metendo a mão no meu bolso, cheirando a minha mão. De geração em geração todos no bairro já
conhecem essa lição. E eu ainda tentando argumentar mas tapa na cara pra me desmoralizar, tapa na cara pra mostrar quem é que manda".
Por que estou falando tudo isso? Já ocorreram em São Paulo, segundo li, quase 30 ações contra policiais. Sem dúvida, obra do crime organizado com o intuito de amedrontar o Estado. As classes abastadas se apavoram com isso, acham uma calamidade, mas muito provavelmente o pessoal de Capão Redondo, Diadema, devem estar se sentindo, de certa forma, justiçadas. Estão errados? De jeito nenhum. Quantos não comemorariam caso o general Médici fosse assassinado?
Autoritarismo só gera ódio e revolta, e a culpa (não tenho receio em apontar um culpado) é de quem é autoritário.

Campinas, 06 de novembro de 2003

domingo, 2 de novembro de 2003

Falta espelho

Falei ontem do provérbio chinês que dizia que devemos dar três voltas ao redor de nossa casa antes de sairmos para consertar o mundo. Queria falar do Lula, mas acabei saindo do caminho. Não tem problema, falo hoje. Não sei se o Lula conhecesse esse provérbio, creio que não. Se conhecesse talvez não falasse tanta besteira como é de seu costume. Poderíamos mudar o provérbio, no caso de Lula, para "Lula, dê três voltas ao redor de sua casa antes de falar qualquer coisa."
O bate boca entre Lula e FHC é um espetáculo deplorável, que só mostra o tamanho do ego de cada um, e o quanto falta um mínimo de auto-crítica para os dois.
FHC, que afundou o país no seu populismo cambial, na sua privataria (como diz Elio Gaspari), tinha mais é que ficar calado no seu canto, ainda mais se fosse para criticar o atual governo, que não faz absolutamente nada diferente do que ele fez.
Agora foi a vez de Lula chamar seu antecessores de covardes. Pode até ser que ele tenha razão, não entremos nessa questão, mas o fato é que Lula e sua tropa de choque não têm envergadura moral alguma para falar isso. Afinal, quem tem mostrado covardia além da conta é ele e seu governo. Covardia perante os mercados, perante o FMI, aumentando de livre e espontânea vontade o sofrimento do povo brasileiro para satisfazê-los, ignorando o povo que votou por mudança, por empregos.
Covardia perante a Monsanto e os ruralistas, contemplando um ato ilegal (o plantio de soja transgênica na safra passada), e afrontando novamente a constituição para esta safra.
Covardia perante o lobby das cervejarias, das empresas de publicidade e das emissoras de tv, permitindo que o dinheiro falasse mais alto que a saúde pública, ao não desautorizar a propaganda de uma droga.
Mas o governo Lula não é só covardia, ele também é, segundo ele próprio, coragem, mas poderíamos dizer que é prevalecido.
Com os aposentados, de quem o governo não teve medo, e cortou as aposentadorias.
Com os sem-terra, para quem a reforma agrária está praticamente parada. Com a população carente, com a diminuição da já minguada verba para a saúde.
Enfim, enquanto com os poderosos Lula mostrou-se serviente, com todos aqueles que não têm força suficiente para peitar o governo, Lula mostrou coragem, coragem que FHC também demonstrou. Mas covarde não deixa de ser uma bela definição dos presidentes do Brasil, Lula inclusive.

Campinas, 02 de novembro de 2003

sábado, 1 de novembro de 2003

Ajamos!

Há um provérbio chinês que diz que antes de sairmos para consertar o mundo devemos dar três voltas em torno da nossa casa. Não concordo inteiramente com esse dizer, acho que dá possibilidade a uma interpretação um tanto quanto comodista, algo como que só se deve agir depois de resolvidos os problemas mais próximos. Acho que devemos nos preocupar com os grandes problemas, todavia sem deixar de estarmos sempre atentos para nossos próprios erros. Se só agíssemos quando já estivéssemos perfeitos, quando todos nossos defeitos tivessem sido corrigidos, nunca agiríamos; afinal, não somos deuses para alcançar a perfeição. Inclusive é agindo para consertar o mundo que perceberemos muitos de nossos defeitos, desde, é claro, estejamos abertos a nos permitir uma constante auto-avaliação. Conversando com um amigo meu esta semana, ele criticava um terceiro amigo que estava usando uma camiseta do Greenpeace. Dizia ele que era hipocrisia usar uma camiseta dessas, bradando contra a caça às baleias e à destruição das florestas tropicais, quando os mananciais de Barão Geraldo (distrito de Campinas onde nós três moramos) estavam ameaçados pelo novo zoneamento do distrito. Concordo em parte com ele, acho realmente que deveríamos equilibrar nossa ação entre temas mais globais, locais e pessoais (será que esses meus dois amigos reciclam o lixo que usam?). Me parece hipocrisia, sim, agir em temas globais ou locais sem fazer do dia-a-dia uma permanente ação de defesa da ecologia (para ficar no caso citado). Mas enfim, agir em qualquer uma dessas esferas já é um grande passo, visto como são as pessoas
de hoje. Só para citar um exemplo, quinze dias atrás eu e minha namorada discutimos com uma guria na fila do bandejão, após esta expressar seu desejo de soltar um bomba no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), apontado por ela como responsável pela greve contra a reforma da previdência, ocorrida em agosto, que fez com que ela perdesse parte das suas férias. Fosse ela uma exceção, tudo bem, mas não é.
E eu aqui discutindo se devemos agir local, global ou pessoalmente, quando a maioria das pessoas têm a visão de futuro equivalente à de um avestruz (a moça com que discutimos é incapaz de perceber que se o conceito da Unicamp cair, o diploma dela, conseqüentemente, irremediavelmente, passará a valer menos por conter o logo da universidade) - quem dirá que uma pessoa dessas vai ter visão de comunidade. Não deixa de ser um pouco desanimador. Mas é preciso agir. Na esfera pessoal, primeiro, expandindo para a esfera local e global depois.
E você, já separou o lixo, boicotou a Coca-Cola e cumprimentou com um sorriso a atendente do mercado hoje?

Campinas, 01 de novembro de 2003

sábado, 18 de outubro de 2003

Dois pesos duas medidas

No auge da crise da Venezuela, ano passado, os Estados Unidos e a imprensa brasileira não cansou de chamar de Hugo Chavez de autoritário, ainda mais quando ele ameaçou emissoras de tv que divulgavam notícias falsas contrárias ao governo.
Nova crise na América do Sul, desta vez na Bolívia, a população nas ruas protestando, o governo manda o exército conter as manifestações. Desta vez não foram uma ou duas mortes causadas não se sabe se por partidários ou opositores do governo, mas mais de 70 causadas pelo governo. Qual a reação que vemos nos jornais? Uma cobertura exemplar na sua "imparcialidade", onde
os mortos são números e nada mais que isso, onde governo de Sánchez de Lozada nem parece ser aquele contra o qual clamava a multidão. Um primor jornalístico enfim.
Mas uma notícia me chamou ainda mais a atenção, foi uma nota não muito aprofundada na Folha de São Paulo: "Uma das únicas redes de tv da Bolívia a destacar a cobertura dos conflitos civis no país foi tirada do ar na noite de ontem. Em comunicado, a porta voz da RDP afirmou que a rede fora tirada do ar pelo governo do presidente Goinzalo Sánchez de Lozada". Reação dos Estados Unidos a esse atentado contra a liberdade de imprensa? Nenhuma. Algum editorial condenando o ataque à democracia por parte da Folha de São Paulo? Nem perto.
Nada como a imparcialidade: se se trata de um presidente de esquerda, é autoritário por ameaçar uma emissora de tv. Se é de direita, pode fechar emissoras de tv, perseguir radialistas, que se trata da justa luta para manter a ordem.
E tem gente que ainda acredita cegamente nas mentiras que os jornais todos os dias inventam...

Campinas, 18 de outubro de 2003

quarta-feira, 8 de outubro de 2003

Questão ambiental é assunto de segunda categoria

O governo Lula tem sabido usar a máquina para aumentar sua base no congresso. Tem feito isso muito bem, inchou partidos aliados, reduziu o PFL e o PSDB a pouco mais de 120 deputados e tem, portanto, caminho livre para conduzir a reforma que quiser, do jeito que quiser.
Não é apenas no congresso que o PT tem mostrado seu poder de atrair as massas. Vem aí um programa de filiação que pretende aumentar dos atuais 500 mil para um milhão o número de filiados ao partido. Mas será que esse aumento quantitativo será feito de forma a manter a qualidade dos quadros do partido?
Não é o que parece. O PT ameaça perder, e muito, em qualidade. Ainda consegue manter seus filiados "de qualidade" porque estes têm um que sentimental com o partido (muito deles ajudaram a fundá-lo). São os diversos intelectuais e os chamados radicais que tem criticado abertamente e ferozmente a forma como Lula e companhia tem governado o país. Os radicais ainda ganham espaço na mídia, alguns intelectuais também, apesar do seu barulho estar mais restrito ao seu meio. E existem aqueles que, sem tanto sentimento pelo PT, simplesmente deixam o partido, sem fazer muito alarde. É o caso do deputado Fernando Gabeira.
Ao invés de sair falando mal do governo e depois ter que agüentar a reprimenda da direção do partido, e quem sabe ser expulso (como seria bem provável), Gabeira preferiu sair do partido ao mesmo tempo que abria a boca. Ruim para o PT, que perde importante figura do movimente ambientalista nacional, e cujo presidente do partido tenta reverter a situação. Os argumentos de Gabeira? Condizentes como as críticas que costumam sair do próprio PT: critica ele o governo por assumir posições contrárias ou que não haviam sido explicitadas no seu plano de governo (que Gabeira, por sinal, ajudou a elaborar), como a liberação dos transgênicos, a retomada do projeto nuclear, a demora na demarcação de terras indígenas, a suspensão da proibição de propaganda de cigarros no GP do Brasil de Fórmula 1, entre outras questões.
Exagero quando digo que o PT tem perdido em qualidade? Gabeira dá um bom exemplo que aquilo que fica no PT não é tão bom assim: na invasão do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná - considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, uma das poucas áreas com mata atlântica preservada -, pela reabertura da Estrada do Colono, não houve voz no governo que condenasse o
apoio de deputados e prefeitos petistas à invasão.
Ou seja, não criticando a política do Palocci, pode defender o que quiser.

Campinas, 08 de outubro de 2003

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

Unicamp S.A.

Saiu no Jornal da Unicamp: os alunos passarão a usar um cartão magnético no lugar do tradicional cartão de RA (registro acadêmico). O jornal colocou, inclusive uma foto do "Cartão Universitário Inteligente": logomarca da Unicamp, foto do aluno, nome do aluno, logomarca do Banespa e da Visa. É a privatização da universidade pública saindo das bordas e chegando no recheio.
Alguns professores já haviam comentado com os alunos as novas diretrizes da Unicamp, quanto ao relacionamento dos professores com os clientes. CLIENTES! Agora estudante da Unicamp é cliente. Será que os professores também vão ter de ficar sempre com sorriso de atendente de McDonald's? Já não bastavam os cursos de extensão pagos (como de línguas e de esportes) e o projeto "Unicamp pernas abertas", como os alunos carinhosamente chamavam ao grande feirão que a Unicamp tem se transformado, com quiosque itinerante do banco Real, que caminha pela universidade vendendo conta bancária, e com revenda de carros no pátio da universidade.
Mas voltemos ao cartão. O "objetivo da troca [dos tradicionais cartões pelos magnéticos] é a facilitar o cotidiano de estudantes e funcionários". Afinal, o cartão, além de identificação servirá como cartão de débito e futuramente pode servir como cartão de crédito. Quem sabe não se possa pagar as mensalidades com ele? Além disso o cartão ajudará no controle dos alunos e funcionários (clientes?), ressalta o jornal. Ótimo. Primeiro repassam os dados dos clientes para um banco privado (tem gente que ainda acredita que o Banespa seja estadual), depois controlam (a palavra controle foi usada cinco vezes num texto de uma página) toda sua vida dentro do campus (se comeu no Bandejão, que livros tirou na biblioteca, quais xerox tirou) e fora dele (o que comprou no mercado, quanto gastou em passagens, etc). Coisa pra fazer inveja a 1984.
O custo, de R$ 2 milhões foi pago pelo Santander-Banespa, e não será repassado para a Unicamp ou para os alunos num prazo de cinco anos (depois disso, sabe-se lá o que diz o acordo firmado, algo que o jornal não traz à tona; pode ser que passe a cobrar taxa de manutenção ou qualquer coisa do gênero).
O jornal comenta que o cartão já foi implantado na Unesp e na Unisinos. Mas esquece que na Unesp de Araraquara (pelo menos é o que corre na boca dos alunos), os alunos tomaram o Bandejão por uma semana, auto-gerindo-o, em protesto contra o implantação do dito cartão.
Vamos ver se os alunos da Unicamp vão preferir continuar sendo alunos ou vão preferir ser clientes.

Campinas, 03 de outubro de 2003

quinta-feira, 25 de setembro de 2003

Sobre o uso de cobaias

Animais há muito tempo são utilizados nas pesquisas científicas. Muitas das inovações da medicina se deram graças ao uso de animais não-humanos como cobaias: podemos citar, entre outras, a descoberta da insulina e a compreensão do funcionamento do nosso sistema imunológico. Poderia a ciência evoluir sem o uso de animais não-humanos? O que justifica o seu uso pelos humanos? Vale a pena o sofrimento causado? Essas são algumas das perguntas que o filósofo Peter Singer se põe no texto "Ferramentas de pesquisa", do livro Animal Liberation, de 1975, reproduzido no livro Vida Ética (editora Ediouro).
O que Singer propõe não é que se pare com todo e qualquer experimento com animais - ele reconhece a importância deles para muitos experimentos - mas sim que se leve em conta também o sofrimento que o animal pode sofrer para os resultados que o teste irá apresentar.
Quando estudante de psicologia na U$P Ribeirão, tive uma matéria chamada psicologia geral experimental em que cada aluno usava um rato para aprender na prática o que era ensinado na teoria. Primeiro ensinávamos o rato a pressionar a barra para beber água, depois desensinávamos o que havíamos ensinado, e ao fim do curso os 40 ratos eram sacrificados. O que aprendíamos com essas "aulas práticas"? A adulterar e forjar resultados, no máximo. De útil mesmo, nada. Não se trata de um exemplo tão cruel quanto os descritos no artigo, mas serve para ilustrar o descaso com a vida que desde o primeiro ano ensinam na universidade.
Descaso com a vida? Talvez eu esteja exagerando, dirão alguns. Provavelmente os nazistas diriam o mesmo àqueles que criticavam as câmaras de gás. Para Singer o especifismo - considerar a vida humana mais valiosa que a dos animais não-humanos - é um preconceito não muito diferente de qualquer outro. Os animais não-humanos utilizados nas pesquisas sentem dor, assim como os humanos; se não verbalizam, demonstram por outros modos. Talvez o fato dos animais não terem a capacidade de pensar e planejar o futuro justifique o seu uso. Mas Singer provoca: que tal um bebê humano, órfão (para não ter qualquer complicações com os sentimentos dos pais), com menos de seis meses? Ele também não consegue fazer planos para o futuro, nem tem quem faça por ele, qual a desculpa para não utilizá-lo? Somente o fato dele ser de uma espécie superior, a espécie humana? E se julgássemos - como já foram julgados - que os negros são uma raça inferior, poderíamos, nós brancos, fazer o que bem entendêssemos com eles?
Para o autor há certos experimentos em que o uso de animais se torna inevitável, e cujos resultados compensam as vidas e o sofrimento empregado. Nesses casos sugere: "uma experiência não pode ser justificável senão quando for tão importante que justifique o uso de um ser humano com lesão cerebral".
E a grande melhoria na qualidade de vida que o uso de animais trouxe? Segundo J.B. McKinlay, S.; M. McKinlay e R. Beaglehole, em obra citada no artigo de Singer, as intervenções médicas foram responsáveis por 3,5% da queda na mortalidade por doenças infecciosas (exceção feita à poliomelite), os outros 96,5% são conseqüência da melhoria da alimentação e das condições sanitárias. Se 3,5% é a contribuição total da medicina, imagine como não será irrisória a contribuição dos experimentos com animais.
Além do mais, nada prova que o que foi descoberto com o uso de animais não poderia ser descoberto sem eles. Talvez levasse mais tempo para certas descobertas, menos para outras, talvez se deixaria de haver certos avanços para ter outros, quem sabe o enfoque da medicina seria outro, mais preocupado em desenvolver fatores para uma vida saudável do que na cura de doenças. Quanto esforço, quanto recurso foram dispensados em experimentos com animais que não trouxeram, ao fim de trinta anos de experimento - como é o caso da depressão induzida citada pelo autor - qualquer proveito que justificasse tamanho sofrimento.
E "aqueles a quem genuinamente preocupa a melhoria do atendimento de saúde fariam, provavelmente, uma contribuição mais eficaz para a saúde humana se deixassem seus laboratórios e providenciassem para que nossos atuais recursos de conhecimento médicos alcançassem os que deles mais necessitam". Respeito a vida é uma questão ética das mais importantes, não importa a
espécie.

Campinas, 25 de setembro de 2003

sábado, 13 de setembro de 2003

Coerência

Parte do movimento estudantil na Unicamp, incluído aí o DCE, tem como uma de suas bandeiras a luta contra o imperialismo estadunidense. O DCE Unicamp tem, inclusive, uma bela camiseta contra a guerra em que aparece a estátua da liberdade empunhando uma metralhadora no lugar da tradicional tocha.
Fora essa há sempre faixas, camisetas e menções de repúdio à ALCA, à tomada da Base de Alcântara entre outros temas. Acho interessante que o movimento estudantil se interesse por temas que vão além da universidade, mas me parece que é dada uma ênfase muito grande a esses temas, deixando de lado temas mais ligados à defesa da universidade pública e a projetos realizados em Campinas. Pelo menos é essa a impressão que o DCE da Unicamp passa a alguém não muito por dentro do movimento estudantil.
E estava eu lépido e faceiro, ou melhor, mal humorado e carrancudo com meu irmão esperando pelo meu pf num restaurante de Barão Geraldo (25 minutos de espera para avisarem que o arroz tinha acabado), quando de repente sentaram-se numa mesa frente a nossa 14 seres humanos da espécie movimentus estudantilis (credo, foi pra isso que eu fiz latim?). Não tenho certeza se faziam parte do DCE ou de algum centro acadêmico, mas pelo menos três deles eu já tinha visto coordenando a assembléia dos estudantes durante a greve. Digamos que não foi uma bela surpresa tê-los em minha frente.
Nada contra eles, muito pelo contrário, admiro muito esse pessoal que participa do movimento estudantil ativamente, tentando fazer sua parte na construção de um país melhor (por mais que muitos achem que eles não saem do lugar, pelo menos eles tentam). Tudo corria bem na mesa em frente, que fazia seus pedidos de pf, para desespero do garçom que não conseguia anotar muito bem os 14 pedidos.
Enquanto isso eu tentava ler a camiseta de um dos cidadãos (um dos que eu havia visto coordenando a mesa da assembléia). Uma camiseta do DCE contra a ALCA. "Pátria livre, venceremos" e "'Fazer é amelhor maneira de dizer' José Marti" eram as frases que havia nas costas dessa camiseta. Fiz questão de anotá-las quando a mesa pediu as bebidas: duas Pepsi e uma Fanta.
Questão de gosto, dirão muitos. Se eles preferem Fanta e Pepsi, deixe que bebam. E foi o que eu fiz, afinal, que poderia eu fazer? Mas não deixa de ser contraditória a cena com a camiseta usada por um deles (e com a qual a maioria, se não todos, devem concordar). Camiseta contra os anseios imperialistas estadunidenses na América Latina e Coca-Cola Company em cima da mesa? Parece que eles nunca atentaram para a camiseta: "Fazer é a melhor forma de dizer". Esperar que grandes atos contra a ALCA e os EUA, marcados por palavras de ordem, façam com que eles se sensibilizem e pensem melhor o que querem fazer com o mundo não me parece muito frutífero se não for acompanhado do hábito de contestar todos os dias, nos pequenos gestos, a arrogância dos EUA. Aos que não acreditam que isso tenha algum efeito prático, circulou na internet há algum tempo um e-1/2 do Instituto de Defesa do Consumir (Idec) com exemplos concretos de boicotes que tiveram resultados. Boicotar os produtos estadunidenses é pouco, sem dúvida, bem menos que derrubar o World Trade Center, mas se todo mundo fazer esse pouco pode estar contribuindo pra que o mundo seja um pouco mais justo (fim de crônica manjado este, mas é verdade).

Campinas, 13 de setembro de 2003

quinta-feira, 11 de setembro de 2003

Nota do Autorock

Semana passada fui a um festival de bandas alternativas/independentes aqui em Campinas, o Autorock. Gosto de música alternativa - que insisto em chamar de pop/rock alternativo, o que causa sérias desavenças conceituais com minha namorada - mas antes me limitava as bandas internacionais, cujas músicas eu baixava pela Internet. Mogwai, Stephen Malkmus, Black Rebel
Motorcycle Club, e outras bandas afins que minha mãe denomina-as com o simpático rótulo de "bandas que não existem", apesar delas existirem.
Foi nesse festival que minha namorada me introduziu ao submundo da música alternativa nacional, ao "underground", aos "subterrâneos do pop" nacional. Não tenho cacife musical, apesar dos meus (poucos) anos de piano e dos meus (poucos) meses de programador da Rádio Muda (a rádio-livre dos alunos da Unicamp: www.radiomuda.hpg.com.br), por isso não vou fazer aqui qualquer comentário quanto a qualidade musical ou algo parecido.
Assisti a dois dos quatro dias, e gostei muito. Som bom para quem gosta desse tipo de som. Inclusive me arrependo amargamente de não ter comprado cds das bandas Thee Butcher's Orchestra e Del-o-Max. Entretanto, apesar do bom som, dos shows empolgantes, uma coisa me chamou a atenção: banda alternativa nacional quase não canta em português. Pelo nome das bandas já dá para perceber isso: Thee Butcher's Orchestra, Suite Number Five, Grease, Space Invaders, Forgotten Boys, Shame, Garage Fuzz e aí vai. Nome de banda em português, apenas seis das 25.
(Para deixar esta crônica ainda mais incompleta e superficial (bem que minha namorada dizia que ela acabaria assim), não assisti ao show de nenhuma dessas cinco).
Das nove bandas que assisti (algumas das mais famosas do circuito alternativo), apenas duas colocavam a língua de Camões entre as músicas em inglês, Grease e Carbona (esta uma das mais pop do circuito alternativo e com várias músicas em português).
Não sei qual é a dessas bandas, se é algum dia fazer sucesso, ou permanecer restrito às pessoas que usam All-Star. Seja qual for o caso é uma pena que o rock nacional tenha tantas bandas boas cantando em inglês. Parece uma certa falta de auto-estima nacional, vergonha de cantar em português, já que o Brasil nunca foi celeiro de grandes bandas como Foo Fighters, Queens of the Stone Age, Sonic Youth, Pixies e outras que fazem a cabeça do pessoal alternativo. Nunca foi, e dificilmente será, enquanto esse pessoal continuar tentando fazer poesia com uma língua que não a sua, e continuar ignorando toda a musicalidade da língua "brasileira".

Campinas, 11 de setembro de 2003

sexta-feira, 29 de agosto de 2003

Ludibriado!!!

Fui ludibriado! Em toda minha vida, nunca gostei de ser rotulado de esquerda. De quem é essa frase? Roberto Campos? Roberto Marinho? Miriam Leitão? FHC? Serra? Não, é do excelentíssimo senhor Luis Inácio Lula da Silva.
Companheiro Lula, se o senhor nunca foi de esquerda, nunca gostou do rótulo, quer dizer que toda sua campanha eleitoral, que recebeu mais de 60 milhões de votos, foi mentira? Mentira deslavada que o senhor assume assim, de cara limpa, sem o menor pingo de vergonha? O senhor devia renunciar! Pregou o maior golpe na população brasileira e não sente o mínimo de remorso? Por que não nos avisou durante a campanha que a esquerda não era a sua praia? Será que é porque iria perder as eleições caso tivesse dito? Mas eu disse de certa forma, na carta ao povo brasileiro, você pode responder. E é verdade, a sua carta ao povo brasileiro, não foi mais que o comprometimento com o status quo atual, ou seja, uma carta bem de direita. Mas o senhor poderia ter sido mais explícito, no debate da rede Globo, por exemplo. O senhor poderia ter dito Olha Serra, admiro muito você, que foi de esquerda durante os anos de ditadura, fugindo do país por causa disso, inclusive; e mesmo como ministro do FHC você sempre teve uma postura crítica à política, como nós. Mas eu gostaria de deixar claro a diferença entre eu, Lula e você: eu nunca fui de esquerda, e se faço barulho por causa do governo FHC é por pura pirraça, é porque ele tem o bolo, e quem quer o bolo sou eu, pra dividir com meus companheiros.O senhor deveria ter sido sincero, Lula.
Fui ludibriado 2! A reforma [da previdência] é justa economicamente, justa moralmente, justa eticamente. Era preciso alguém com coragem para fazê-la e eu tive coragem.Calma lá, companheiro Lula! A sua reforma é a mesma do Collor segundo as palavras do relator da reforma collorida , é a mesma do FHC, que graças ao PT não foi aprovada. O que você teve não foi coragem, foi medo, covardia, aprovou aquilo que antes dizia ser contra, diz ser eticamente justo o que o senhor disse explicitamente que era imoral num passado nada remoto. Não teve coragem, nem criatividade de propor nada diferente, algo realmente justo e viável.
Lula, sem dúvida bajulando a Rede Globo e a Veja do jeito que o senhor está o senhor conseguirá se manter por muito tempo no poder, que é, pelo que o senhor dá claros sinais, seu maior objetivo. Agora achar que vai isso vai passar batido da parcela mais ilustrada da população e da história, pode ter certeza que não.
Eu quero meu voto de volta!!!

Campinas, 29 de agosto de 2003

segunda-feira, 25 de agosto de 2003

"Nenhuma guerra dura seis dias"

"Nenhuma guerra dura seis dias", a frase é de Carlos Heitor Cony, título de uma crônica por ele escrita há alguns dias. Reproduzo-a aqui por ser esta a melhor frase que já li sobre a crise atual no Oriente Médio.
É abrir os jornais, ligar o rádio, que certamente encontraremos notícias de mortes de palestino e israelenses. Ataques terroristas de um lado, retaliações do outro, as notícias desse confronto nos soam tão naturais que creio que estranharíamos o dia em que não ocorressem mais. E nada mais assustador que a naturalidade da guerra, tal como a vemos atualmente - Oriente Médio, Bósnia, Iraque, África, Afeganistão. A guerra não nos causa mais nenhum sentimento de compaixão, indignação ou vergonha.
No caso do Oriente Médio, onde a guerra parece não ter fim, já sequer esperamos por ela. Alguns ainda estão esperançosos de um novo acordo de paz, como o feito sob a tutela do Bill Clinton; mas segundo o sociólogo Emir Sader tal acordo só foi possível porque os palestinos encontravam-se muito enfraquecidos na situação. Ainda assim houve acordo de paz. Mas houve também os radicais que conseguiram não só invalidar o acordo, como manter o ódio ao "inimigo" falando mais alto que a razão. Conseguiram com que
vizinhos se tratassem como inimigos.
Na atual crise as retaliações, partindo das opiniões da imprensa, são sempre por parte dos israelenses. É difícil acreditar nisso, já que me parece quase impossível saber quem foi o primeiro a atacar. A guerra dos seis dias ainda não acabou.
É difícil também, nessas situações extremas, evitar posições extremas. Os israelenses foram os primeiros a demonstrá-las, ao eleger para presidente alguém acusado de crimes contra a humanidade. Não creio que a culpa seja só de um lado, mas convém atribuir a uma certa miopia de Israel o atual estado das coisas. Por se tratar do lado mais forte, deve começar com o exemplo,
acatando o cessar fogo e tomando as demais medidas reivindicadas pelos palestinos. As "retaliações" de Israel são tudo o que os extremistas palestinos desejam, para continuar mandando seus mártires à morte certa por uma causa - tal qual os radicais querem - impossível.
Nada mais triste que abrir os jornais, ler as notícias da guerra e depois fazer as contas para ver que lado está ganhando, fingindo que numa guerra há vencedores, ignorando que tudo isso, de alguma forma, nos atinge.

Campinas, 25 de agosto de 2003

sexta-feira, 22 de agosto de 2003

A greve da Unicamp

A greve na Unicamp, pelo que parece, caminha para o seu fim. A greve, parcial, foi contra a "reforma" da previdência, e segundo o filósofo Marcos Nobre, tinha a intenção de, além de tentar barrar a "reforma", mostrar para a sociedade que a tal "reforma" é a destruição da universidade pública brasileira, que concentra quase toda a produção científica do país.
Nada surpreendente o fato da mídia e do governo não terem dado a menor atenção para a greve - na qual muitos intelectuais petistas participaram - mas sim o grau de "tapadice" que reina na universidade (professores e alunos), pessoas que não tem capacidade de olhar sequer o próprio umbigo - que dirá o dos outros. A medicina, com seus dois professores por aluno, não
tinha qualquer motivo pra parar - na ótica do próprio umbigo. Várias engenharias, química e outros cursos também não pararam. A paralisação total ficou por conta de letras, lingüística, ciências sociais e Instituto de Artes.
O que me surpreendeu - e desanimou bastante - foi a filosofia não ter parado. Apesar de professores e alunos terem entrado em greve, bastava o professor decidir dar aula que teria turma cheia. Até seria compreensível se a filosofia tivesse proporcionalmente o mesmo número de professores da medicina, mas não é esse o caso. O curso corre, assim como o de lingüística, o risco de ser extinto. As desculpas para furar a greve foram as mais batidas: por parte do professor, não concordava com certos aspectos
da greve; por parte dos alunos, não queriam "tomar bomba" na matéria, ou porque aspiravam uma bolsa de iniciação científica, ou porque crêem ser inteiramente subordinados ao professor, ou simplesmente porque "estou mais preocupado com a minha nota", como me disse um colega.
E no que a reforma prejudica a universidade pública e como pode contribuir para a extinção dos cursos de lingüística e filosofia da Unicamp? Prejudica a universidade pública a longo prazo porque não vai haver mais o estímulo da aposentadoria integral, que diferenciava ela da iniciativa privada.
Prejudica a curtíssimo prazo porque os professores que podem se aposentar já estão pedindo aposentadoria e o caso da Unicamp, muito semelhante ao da USP, é que cerca de 25% dos professores da universidade entraram com o pedido. É por causa das aposentadorias que a filosofia e lingüística podem ser extintos.
Desanimador também tentar argumentar com os fura-greves a aderirem a ela. A cabeça muito bem moldada pelo Jornal Nacional (leia-se a grande mídia), todos se dizendo contra os "privilégios" dos funcionários públicos, como se isso fosse o suficiente para a inclusão dos trabalhadores (quase metade da pea) que não possuem carteira assinada no sistema de previdência (algo que não é tratado na dita reforma).
Nessas horas bate um desespero...

Campinas, 22 de agosto de 2003

sexta-feira, 8 de agosto de 2003

Um governo forte

O Brasil pode, finalmente, dormir em paz: foi aprovada a tão desejada reforma da previdência. Tão desejada pelos mercados, é bom deixar claro. Reforma da previdência que rompe um certo contrato feito pelo então candidato Luis Inácio Lula da Silva, o de que o atual governo seria o governo da mudança. Que mudança? Segundo Plínio de Arruda Sampaio Júnior, em fala proferida na assembléia dos estudantes da Unicamp, o petebista Roberto Jefferson disse que iria votar as reformas com a consciência tranqüila, pois conhecia-as como a palma da sua mão: a coluna vertebral da reforma é a mesma que ele fez para o governo Collor, introdutor do engodo neoliberal no Brasil. E se Jefferson confia assim na reforma do Lula, qualquer comparação com o Collor é desnecessária.
E, ao contrário do que a imprensa gosta de alardear, a aprovação da reforma não foi uma demonstração de força, mas de fraqueza, como bem alertou Leonel Brizola na Folha de São Paulo desta quinta, 08 de agosto: "O governo considera ter feito uma demonstração de força. Na verdade, porém, estampou diante de todos a sua fraqueza. Os grupos econômicos vão a exigir mais e mais concessões de um Governo que, sabem eles, cederá e tolerará tudo em nome da "estabilidade" de um modelo econômico inviável, que está arruinando nosso país."
Mas talvez eu tenha entendido errado as mudanças do candidato Lula, afinal, no dia dia já é possível sentir as mudanças: prefeituras paradas, desemprego crescente, crise no campo, crise na cidade. Ainda bem que a Unicamp está em greve, assim eu posso passar mais tempo contemplando todas as mudanças que este grande estadista nos tem trazido.

Campinas, 08 de agosto de 2003.

domingo, 3 de agosto de 2003

Viva o conforto!

Podem falar o que quiser, mas uma coisa é inegável: o capitalismo trabalha sempre para o nosso conforto. Conforto que nós, cidadãos bem adestrados, aplaudimos de pé.
Lembra quando era necessário levar o vasilhame para comprar refrigerante? Baita trabalho ter que carregar garrafas vazias até o mercado, só pra então poder comprar mais bebida? Veja só que baita avanço foi a introdução da garrafa plástica não retornável: agora nós vamos ao mercado de mãos vazias e voltamos com quantos litros quisermos de guaraná ou coca-cola (também conhecida como água negra do capitalismo, sangue de iraquiano e outros apelidos carinhosos e condizentes afins). Tentaram fazer garrafas plásticas retornáveis, mas foi um tremendo fracasso. Por que? Porque não eram práticas, cômodas. Com as garrafas não retornáveis, ao invés de amontoar garrafas num canto da casa para trocar na próxima vez que formos às compras, botamos tudo num saco de lixo e daí direto para o lixão. Muito mais prático, muito mais cômodo!
Agora há a promessa de algo parecido com os filmes. É um porre você ter que sair da comodidade do lar e se dirigir até a locadora só para devolver um filme, e caso se esqueça - coisa não muito difícil de ocorrer na correria do mundo moderno - ainda tem que pagar multa. Pensando na comodidade dos seus clientes a Walt Disney está testando um dvd que se auto-destrói 48 horas após aberto. O preço sairia o equivalente a uma locação. Quanto conforto! Poder alugar um filme sem precisar devolvê-lo no dia seguinte. Ao invés de caminhar quadras, caminha-se alguns passos, põe o dvd no lixo e está devolvido, sem risco de multas, sem incomodação.
Uma pena que nós, cidadãos bem adestrados, não percebemos o que há por trás de toda essas inovações em nome do conforto. Primeiro o desejo de lucro sempre maior, por parte das empresas. Segundo que, como alertou a psicanalista Anna Veronica Mautner, todos esses equipamentos que aumentam nosso conforto e diminuem nossa perda de tempo em tarefas que não gostamos não são suficientes para que tenhamos tempo para fazer o que gostamos. Terceiro que o L de lucro vem sempre acompanhado do L de lixo. Em nome de um corfortinho mísero que a publicidade vende (e nós compramos) como se fosse algo sem a qual nossa vida perderia muito em qualidade, aumentamos, estimulamos a degradação do ambiente e a produção de lixo.
Antigamente para fazer um chá tínhamos um pezinho plantado em casa, ou então íamos a feira, comprávamos um maço de erva, colocávamos numa chaleira e estava pronto o chá. Lixo: a erva com a qual fizemos o chá. Hoje compramos um pacote de chá que tem um plástico em volta da caixa de papelão e um saquinho de papel envolvendo cada saquinho com o chá. Lixo: além dos plásticos e papéis, toda a energia gasta para produzi-los.
Hoje comprei um pedaço de frango que, em nome de uma aparência bonita e de pseudo-higiene, veio numa badeja de isopor, envolto por duas camadas de microfilme. Um plástico já não seria mais que suficiente? Pra que todo esse lixo extra?
Ah, que maravilha nosso mundo moderno, que em nome do lucro, do conforto e da boa aparência sacrifica nosso próprio mundo!

Campinas, 03 de agosto de 2003.

terça-feira, 15 de julho de 2003

Um diálogo

Espero que você me compreenda, mas não compartilho da mesma crença que você. Na verdade, não compartilho de crença alguma. Sou de uma geração que não teve Deus. Uma geração que viveu depois de Deus. Uma geração que cresceu sem uma moral e sem uma ética, onde os detentores da moral passada não acreditavam naquilo que pregavam. Sou talvez mais niilista que minha própria geração, já que não creio nem na Ciência, esse grande Deus surgido no século XIX. Não, não creo nela tampouco.
Mas não pense que eu não acredito em nada. Ainda creio na natureza. Nas flores que nascem na primavera, nos pássaros que cantam todas as manhãs. Creio que o ser humano sem crença alguma não é capaz de suportar sua existência. A existência, me parece, é grande demais para que possamos viver em contanto direto com ela. Necesitamos de um intermediario, algo ou alguém que faça essa ponte entre nós e o mundo. Isso me faz acreditar também no amor. Às vezes penso que não sei o que é o amor. Mas paro e reflito por um instante: talvez eu esteja buscando o amor muito longe, talvez esteja esperando chegar a mim um amor infinito, e por isso sublime, que eu sei que nunca vou encontrar. Então me ponho a aproveitar o amor que tenho, o amor que é pequeño num primeiro instante, mas que cresce a medida que você sabe aproveita-lo. Amor que encontro nas pessoas que me cercam.
Nessas horas, não sei de onde sai essa força, não sei de onde vem esse credo, mas por um instante eu acredito no homem, naquilo que ele tem de mais humano. Não sei, não me pergunte como nem porque. Eu acredito, apenas acredito. E é nessas horas que eu digo com a maior convicção que a vida vale a pena. Mesmo sem Deus. A vida apenas, pois não creio na morte.

Pato Branco, 15 de julho de 2003

quarta-feira, 9 de julho de 2003

O medo do ministro

Então o sr. ministro da fazenda Antonio "Malan" Palocci está preocupado com a CPI na Câmara dos Deputados para investigar os contratos firmados entre as telefônicas e a Anatel. O medo do representante dos mercados no governo é de que tal investigação soe como quebra de contrato e afugente os investimentos externos.
Gostaria de saber porque uma CPI nas telefônicas é desnecessária. Se a privatização já tem muita coisa escondida, o que dizer dos contratos em que são permitidos aumentos muito acima da inflação. Estaria certo o governo anterior e não passaria de pirraça infantil todo o barulho que um certo partido da oposição fazia?
O aumento da telefonia foi combatido com muito barulho pelo ministro das comunicações Miro "Marinho" Teixeira e defendido pelo ministro "Malan" Palocci e José Dirceu, membros do núcleo do petismo neoliberal. Resta a dúvida se o presidente da Câmara, João Paulo Cunha, vai aceitar o pedido de CPI ou recusar, alegando falta de fato definido de investigação.
Controle de inflação, já nos ensina o ministro Palocci, se faz unicamente à base de juros altos, salários desindexados, corte de investimentos (tucanado como superávit primário), e não há contribuição dos preços controlados como telefone, pedágio, luz... Por falar em luz, assim como o Bush fez com que sentíssemos saudades do Bill, Lula parece estar disposto a fazer com que sintamos saudades de FCH. A contribuição impositiva para garantir o lucro das companhias de energia (tucanado como seguro-apagão) deixou de ser, para o PT, algo imoral e ilegal para se tornar necessária, tão necessária que o PT pretende torná-la permanente.
É isso a concretização das promessas de campanha que falavam em social e mudança de paradigmas?

Pato Branco, 09 de julho de 2003

quinta-feira, 26 de junho de 2003

Mau presságio

Ontem fui assistir ao lançamento da revista Margem Esquerda em Campinas. Na mesa do auditório do IFCH da Unicamp os sociólogos Ricardo Antunes, Francisco de Oliveira, Marcelo Ridenti e o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior. O tema foi governo Lula, um tema que tanto aflige a esquerda atualmente. Os sociólogos falaram todos muito bem, mas o grande momento ficou por conta do primeiro palestrante da tarde, o Plininho, como é chamado na Unicamp.
Duas análises dele que eu escrevo aqui. Primeiro diz respeito à crise do modelo neoliberal, não apenas no Brasil, mas no mundo. As soluções, segundo Plínio, são três: más de lo mismo, ou seja, arrocho fiscal, superávit primário e tudo o que governo Lula tem feito nestes seis primeiros meses de trabalho, o que levaria o Brasil à Argentinação; uma segunda leva de reformas liberais, representadas pela reforma da previdência, pela independência do Banco Central e pela Alca; ou por fim uma alternativa não neoliberal à crise do modelo neoliberal, o que necessitaria, antes de mais nada, romper com essa redoma do pensamento único que ainda domina os meios de comunicação, os quadros burocráticos do governo e o próprio presidente, para depois serem feitas reformas verdadeiramente alternativas. Infelizmente Lula já mostrou que seu governo é totalmente neoliberal, assim como o Estado brasileiro, muito bem amarrado ao neoliberalismo pelas reformas de FHC.
O segundo ponto que quero ressaltar foi o comentário do Plínio que FHC fez um governo ruim mas não calamitoso, como foi o caso do Fujimori, no Peru. Por que? Porque no Brasil havia uma oposição o PT forte e organizada, que não permitiu que FHC fizesse as reformas ao seu bel prazer, ou melhor, ao bel prazer dos mercados. E o governo Lula, que é oposição a ele? Os dois partidos da oposição, PFL e PSDB, são oposição por birra e não por programa de partido, o PDT, que trilha um caminho independente, é um partido fraco, os radicais do PT tampouco tem força o suficiente pra travar reformas ou propor mudanças significativas. Enfim, o PT não possui oposição às suas reformas, o que significa, segundo Plínio, que o potencial de destruição do atual governo é muito maior que o do anterior. Socorro!
Ricardo Antunes, na sua vez, comentou que no cenário político atual não há uma força de esquerda forte como era o PT, a maior força de esquerda hoje é o MST, que tem sofrido ataques de todos os lados: Veja, Folha, Estadão. Quando um partido de esquerda ter a força do PT não se sabe, é preciso ir construindo desde agora. E é bom rezar sempre, já que Lula disse que só Deus pára as reformas, quem sabe Ele não pode nos ajudar.

Campinas, 26 de junho de 2003

segunda-feira, 16 de junho de 2003

A esquerda delirante?

Estava eu lépido e faceiro indo comprar um cachorro quente com minha namorada quando resolvi dar uma parada numa banca de revistas comprar o Brasil de Fato e ver as capas daquilo que se habituou chamar de revistas semanais (Caras, Veja, Isto É, Contigo, Época, Gente, Chiques e Famosos). Não sei porque ainda perco tempo nisso, mas enfim, é curioso. Por exemplo: não sei se foi semana passada ou retrasada, coincidentemente Época, Isto É e Veja SP tinham como tema de capa a violência. Coincidentemente também Veja SP e Época tinham a Wanessa Camargo (sei lá como se escreve) na capa; coincidentemente. Nesta semana não houve coincidências. Isto É e Época tinham como reportagens de capa assuntos que poderiam figurar muito bem no programa da Ana Maria Braga ou nos programas de fofocas televisivos vespertinos; a Veja era a única que tinha uma capa séria(cof cof cof).
Na foto, José Rainha, ao lado o sugestivo título A esquerda delirante. Eu deveria ter parado aí, mas minha veia masoquista falou mais alto. Dizia o subtítulo: Para salvar os miseráveis dos desconfortos do capitalismo, o líder sem-terra José Rainha ameaça criar no interior de São Paulo um acampamento gigantesco como o de Canudos, instalado há um século por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia.... Digamos que fiquei levemente emputecido em ler tal manchete, e não fui o único. Como notou minha namorada, curiosa a forma como para a Veja morrer de fome, diarréia e outros problemas afins, trata-se apenas de desconfortos do capitalismo. Pior ainda é pensar que em pleno século XXI, em São Paulo, o estado mais rico da nação, se pense em montar uma nova Canudos (aceitando a manchete da Veja sem levar em conta sua veracidade). Será que o Brasil não conseguiu evoluir um centímetro sequer? Se tomarmos como base a reportagem da Veja, não.
Nada parcial, a reportagem da Veja nem bem começa e dá-se logo a principal característica do beato Rainha(título da reportagem): 42 anos, um dos fundadores do MST e que parece em plena forma depois de passar quatro meses fugindo da polícia e outros dois na cadeia, acusado de formação de quadrilha.Como a reportagem deixará mais claro conforme se desenvolve trata-se do fundador de um movimento reacionário (é rir pra não chorar), contraventor penal em dobro (primeiro por formação de quadrilha, depois por fugir da polícia). Esse bandido (Veja não chamou-o explicitamente assim) estaria obcecado em reviver Canudos o mais aguerrido e sangrento movimento de resistência à proclamação da República, como se as milhares de pessoas que se reuniam em Canudos tinham em comum o desejo de derrubar a República, e não fugir da fome e da exploração senhorial, e como se violentos fossem os miseráveis e não as tropas do governo enviadas para exterminá-los. Diz ainda sobre Canudos que foi um movimento que à luz da melhor sociologia, mesmo a marxista, foi apenas utópico, monarquista e, há mais de um século, já era anacrônico com sua pregação da volta à vida pastoril, algo que é difícil de discordar da Veja, afinal num mundo de máquinas e revoluções é anacrônico um país em que há necessidade de um movimento que lute pelo direito mínimo (o de sobrevivência) dos mais pobres. E pelo jeito o anacronismo brasileiro apenas aumentou nesses 106 anos que separam Conselheiro do agitador profissional, que nunca trabalhou no campoe cujas mãos continuam sem calos e as unhas estão sempre limpas, ou seja, do baderneiro e hipócrita José Rainha.
Achei interessante a parte em que Veja comenta que hoje em dia, ninguém discute a necessidade de uma reforma agrária no Brasil, um belo argumento retórico de quem há bem pouco tempo dizia que reforma agrária não devia ser feita porque os EUA não fizeram (sic) e são o país mais desenvolvido do mundo, mas enfim, essa frase servia para introduzir uma outra, ainda mais divertida: Não se podem admitir, no entanto, as invasões e depredações da propriedade privada, como fazem muitas vezes os membros do MST, em flagrante desrespeito às leis. Como trabalham em prol de multidões de pobres, os líderes desses movimentos parecem acreditar que estão acima da lei. Qualquer solução duradoura para a questão agrária brasileira começa por manter as ações do MST dentro dos limites da legalidade. Flagrante desrespeito às leis. E as terras pegas do estado, os impostos não pagos, as guerrilhas de jagunços formadas pelos ruralistas, como o PCR? Isso é legal? Parecem acreditar que estão acima da lei. A UDR, por ter bancada no congresso não precisa acreditar... E quanto a manter as ações do MST dentro dos limites da legalidade, isso é piada de mau gosto: primeiro porque todas as ações do MST serão ilegais, visto que o movimento não tem foR$ça suficiente pra eleger uma bancada de uma dúzia de deputados; segundo que quem é mais forte, ou seja, os ruralistas é que deveriam dar o exemplo de respeito às leis, desarmando milícias, parando de usar máquinas de prefeitura para barrar o livre trânsito do MST e coisas afins.
Os repórteres Eduardo Salgado e Leandra Peres também sabem ser dogmáticos quando não possuem o mais fraco argumento, como quando afirmam que: experiências revolucionárias no campo no mundo moderno não produzem explosões como no tempo de Guevara e Fidel Castro. Produzem apenas mais atraso. Só esqueceram de explicar porque produzem atraso ou mostrar exemplos de atraso causados por revoluções no campo ocorridas na década de noventa. E bem no final da reportagem os repórteres mostram o quando não conhecem o MST, diz eles que míseros 3% [dos assentados] têm parcerias com agroindústrias. Chegou a hora de fazer uma reforma no MST. Talvez esses míseros 3%seja explicado pelo fato da ideologia do MST pregar a cooperação e não a competição e o lucro a qualquer custo.
O MST se reforma a todo instante, e é por isso que incomoda tanto as elites, que burras e cegas não percebem a importância de um movimento de tal envergadura. Quantos da multidão de deserdadosatraídos pela promessa do MST de um pedaço de chão pra plantar e um prato de comida pra comer não estariam servindo de soldados do tráfico de drogas, ou como simples assaltantes de esquina, quantos não estariam apenas enchendo a cara com cachaça de segunda pra esquecer a vida de fracassos e sem sonhos? E quanto tempo será que vai demorar pra elite perceber que se ela continuar atacando da forma que ataca movimentos sociais como o MST logo logo o tráfico de drogas pode descobri-los, armá-los e se isso acontecer, a Colômbia, com FARC e ALN será uma brincadeirinha pueril. Condições pra que o Brasil se torne um inferno existem, e é melhor parar de brincar de cabra cega.

Campinas, 16 de junho de 2003

domingo, 8 de junho de 2003

Arrependimento...

“O programa do Serra era melhor do que o do Lula. Mais bem estruturado, mais claro. Talvez por isso ele tenha perdido.” Essa frase parece ser dita por um tucano, aliado do Serra, desiludido como a maioria dos brasileiros que possuem outra fonte de informação que não o Jornal Nacional com a ortodoxia do governo Lula. Porém, trata-se da fala do Francisco de Oliveira, sociólogo da U$P, que participou da elaboração do programa de reforma política do candidato... Lula.

Quem costuma acompanhar a Folha de São Paulo provavelmente deve achar eufemismo dizer que o programa do Serra é melhor, porque o programa do Lula, o programa que seria uma alternativa ao neoliberalismo dos anos Fernandinos, não existe. Pelo menos foi o que disse um dos cabeças do PT em artigo na página A3 da Folha, dias atrás: o PT vai tentar construir uma alternativa ao modelo vigente na base da tentativa e erro, foi o que mais ou menos disse Tarso Genro. Claro que a construção dessa alternativa depende ainda da coragem do Lula, Palocci e cia de romper com o modelo vigente, algo que parece muito distante, visto que o governo “beijou a cruz” da ortodoxia, nas palavras do filósofo petista Paulo Arantes.

Enquanto não constrói a alternativa, Lula tem feito um governo à sombra do seu antecessor: viagens internacionais (segundo o Estado de São Paulo de hoje Lula percorreu maior quilometragem que FHC), muito blablablá, Refis, reformas da previdência e tributária reacionárias, ACM, PMDB, e a imposição do pensamentos único (o mesmo dos anos FHC).

Se José “Rota na Rua” Genoíno resolver fazer um expurgo de verdade nos quadros do PT daqueles que pensam diferente dos cabeças do partido – e não apenas escolher três para cristo –, não vai sobrar tanta gente assim.

Ah, se arrependimento matasse...


Campinas, 08 de junho de 2003

quarta-feira, 28 de maio de 2003

Sobre certezas e sua eternidade

O mundo é mudança. Quantas vezes já não disse isso, quantas vezes não tornarei a repeti-lo, na esperança de me convencer do que eu já estou convencido. É preciso recordar-se sempre que o mundo muda a cada instante: por mais que tenhamos isso fresco na memória, não raro nos vemos acreditando na eterna imutabilidade do mundo. Crença que sabemos ser equivocada, mas mesmo assim nos agarramos com todas as nossas forças.

Às vezes caímos no extremo oposto: duvidamos de cada verdade: como o mundo é feito de mudanças, não há possibilidade de verdades, não há possibilidade de certezas. Outra vez entramos pelo caminho errado.

Verdades existem, sim. Certezas existem, sim. O que precisamos nos convencer é de que as verdades e as certezas não são eternas; elas podem ser verdadeiras hoje, mas falsas amanhã, isso, porém, não invalida a veracidade do hoje.

Ora, mas por que acreditar em certezas instáveis, que serão falsas amanhã, perguntarão alguns. Não tenho a resposta para tal pergunta, mas imagino que precisamos acreditar nessas certezas para conseguir viver. Acreditar nelas, torcer para que sejam certezas até o fim dos nossos dias, verdades nas quais nos apoiaremos, porém não podemos estar desarmados de que um dia tais certezas podem ruir.

E se nos abandonarmos a essas certezas e elas ruírem? Vai doer muito, sem dúvida. Por mais que estejamos “preparados”, vai doer. Por isso é bom sempre lembrar todo dia de que a vida é dinâmica, que as verdades não são eternas, mas fazer isso sem se entregar ao niilismo desesperado que essa ausência de verdades fixas pode nos levar; niilismo que prega preservar o peito para não sofrer, preservar o peito e não viver a vida na sua plenitude.

A dor, até certo ponto, faz parte da vida; faz bem para a vida. Uma vida só de alegrias não é vida, é ilusão.


Campinas, 28 de maio de 2003

terça-feira, 27 de maio de 2003

Alienação é eufemismo...

Com o tempo as coisas mudam, isso é muito bem sabido, e não há nada a fazer. Mas a impressão de que as coisas mudam pra pior, isso é pra se preocupar. Se nos anos 70 tínhamos ditadura, tortura, terror de Estado, guerra fria, em 2000 temos um oligopólio dos meio de comunicação, tortura (apenas com a diferença que ela não chega mais até a classe média), “privatização” da violência que nos anos 70 era de responsabilidade do Estado, e um império único que dita as regras do mundo como bem quiser.

Na arte – na música em especial – nada muito diferente. Nos anos 60, 70, Chico Buarque, o pessoal da Tropicália, Secos e Molhados, Mutantes; hoje, Chico, Caetano, Gil, Tom Zé, Ney Matogrosso, Rita Lee. Ótimo, excelente que eles continuem na ativa, mas e de novo? Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto? Bons, mas não estão no mesmo nível que Chico e cia. Na década de 80 tínhamos ao mesmo tempo Lobão, Raul Seixas, Renato Russo e Cazuza, cujas músicas oscilavam de política, revoltada, a amorosa, alienada. Já hoje....

Com o fim do bloco socialista, a hegemonia estadunidense e o proclamado fim da história, junto a crise da utopia parece que houve uma crise na capacidade de criticar. E isso não é um fato isolado ao Brasil, mas ao que tudo indica, ao mundo todo.

Na década de 80 coexistiam com muita força o movimento punk e o “heavy-metal”. Ambos tinham como característica comum as letras críticas aos sistema, ao mundo. Bandas como Metallica e Sepultura abocanharam fãs e mais fãs mundo afora com letras que tratavam de guerra, da justiça feita a base de dinheiro. The Clash, Ramones, Sex Pistols, Inocentes, chocavam o Sistema com sua postura, suas roupas rasgadas, suas letras esculachadas. E hoje, 20 anos depois o que temos? No punk, bandas como Green Day, Offspring, Holy Tree, e bandas afins que imaginam que tocar tresloucadamente bateria e pintar o cabelo seja algo contestador ao sistema (e fonte de dinheiro). No metal, a coisa parece ser até pior, banda que fez música como One, inspirada no filme Johnny foi à guerra, hoje canta refrões como “gimme fuel, gimme fire, gimme what I desire” (dê-me combustível, dê-me fogo, dê-me o que eu desejo). E as novas bandas de metal, o chamado nu-metal, essas estão entre deprimentes e desesperadoras. Musicalmente, uma porcaria, um lixo, um desastre (acho que estou tão catastrófico porque há pouco passei uma tarde inteira, durante uma competição de Kung Fu em São Carlos, escutando a mesma música – e somente ela – de uma dessas bandas, a Linkin Park), as letras então, BLEEEEEEERG, como se diria nas histórias em quadrinho. Vale apenas conferir o que disse o vocalista do Linkin Park à Folha de S. Paulo, quando questionado o porquê da banda, mesmo com a destruição do WTC, em 11 de setembro, e a guerra dos EUA pelo petróleo do Iraque, não ter dado um acorde sequer à política ou aos problemas socioeconômicos: “A minha vida não mudou [depois dos atentados de 11 de setembro de 2001]. Ou melhor, mudou pouco. Basicamente, nós não somos políticos, somos músicos, então acho que não é nossa responsabilidade. Não tenho conhecimento suficiente para discutir política profundamente. Faço a minha parte nas eleições. Não vejo como fazer muito mais além disso”.

A banda não precisava ser ativista como Zack de la Rocha e o Rage Against de Machine, que num show protesto obrigaram a bolsa de Nova Iorque fechar mais cedo, mas essa alienação toda é exagero!

Agora com licença que depois de ler tão brilhante depoimento eu vou chamar o hugo...


Campinas, 27 de maio de 2003

terça-feira, 20 de maio de 2003

Radicais e radicais

Os últimos capítulos da deprimente novela petista “Os Radicais” tem mostrado que radicais no partido não são apenas Babá, Luciana Genro e Heloísa Helena. Sem dúvida eles são radicais no sentido primeiro dado pelo dicionário Aurélio, ou seja, são radicais no sentido relativo à raiz, são radicais na medida em que defendem propostas muito semelhantes às defendidas pelo PT vinte anos atrás, propostas que estão na origem, na raiz do partido dos trabalhadores.

O episódio da semana passada mostrou que José Genoíno e a cúpula do PT são também radicais de marca maior, mas radicais no sentido de intransigentes. Imagino o que eles não diriam se, mesmo com 40% dos votos, José Serra assumisse a presidência, porque FHC iria renunciar se não fosse assim. Pois foi algo paralelo o que ocorreu semana passada: Tião Viana e José Genoíno ameaçaram renunciar – o primeiro a liderança do partido no senado, o segundo a presidência do partido – caso o abaixo-assinado apresentado por deputados e senadores do partido pedindo o diálogo e não a expulsão dos três radicais não fosse desconsiderado. Tivessem assinado tal abaixo-assinado apenas os três radicais, vá lá ele ser desconsiderado; mas foram 35 dos 90 deputados e oito dos 14 senadores, portanto 57% dos senadores do partido. A ceninha dos líderes do partido mostra o quão maduro está o PT, e o quão democrático eles são: “ou a coisa anda como eu quero ou eu não brinco mais”.

Caro Genoíno, quer dizer, então, que se a maioria da bancada do senado é contra senhor, eles é que devem mudar, não vossa majestade? Vai ver que isso explica o “novo” governo: a maioria da população votou por mudança, mas o PT resolveu continuar a velha fórmula econômica; a maioria da população votou pelo crescimento do emprego, da renda, o que significa estímulo à indústria, mas o PT optou por manter estímulo à especulação, o que significa juros altos, diminuição da produção industrial, aumento do desemprego, queda na renda...

Mudaram os termos: de neobobos para radicais; mas é muito bom saber que temos, a exemplo do governo anterior, um governo aberto ao diálogo e à discussão, cumpridor de promessas eleitorais e maduro o suficiente para discutir divergências.

Arrependimento mata?


Campinas, 20 de maio de 2003

segunda-feira, 12 de maio de 2003

Conta outra, Genoíno

Me assusta como o PT no poder tem conseguido fazer com que eu mude de opiniões. Trata-se de algo diretamente proporcional: quanto mais o PT muda de opinião sobre o modo de fazer política, mais eu mudo minha opinião sobre a política.
Não cheguei a esse extremo, mas começo a flertar com ele, e vejo que falta pouco para eu fazer coro com boa parte da população brasileira que (alienada) diz “político é tudo igual”. A começar que partido de direita e de esquerda são, no Brasil, pelo menos, a mesma coisa. Essa é a impressão que se dá ao ver o PT no governo.
A eleição do Lula para presidente – a exemplo da eleição da Marta em São Paulo – criou um enorme vazio na política nacional: falta-nos um partido opositor de princípios e coerente. PFL, PSDB e PP (ex-PPB) não possuem qualquer princípio e, conseqüentemente, qualquer coerência; são uma oposição muito porcariazinha. Já o PT mostrou que como governo em nada se difere do PFL, do PSDB ou de quem mais for. Ou melhor, se difere no que tange a um passado glorioso, de princípios e coerente.
Se os atos do novo governo já davam a impressão de que a diferença entre PT e PSDB, quando ocupantes do executivo, é nenhuma, a entrevista do presidente do PT, José Genoíno, famoso por seu malufismo desabrochado na última eleição (“Rota na rua”), compete palmo a palmo com as retóricas vazias e mentirosas de FHC.
Não me alongarei muito na análise da entrevista, me deterei em apenas dois trechos. Primeiro trecho: diz o famigerado presidente do partido, já no fim da entrevista: “Eu entrei no partido como um esquerdista. Mudei, mas sem mudar de lado. Eu estou preparado para ser vaiado, sou um homem de crenças”. Claro, claro. Ano passado, em uma reunião do Cemarx (Centro de Estudos Marxistas), da Unicamp, um professor, que realmente não havia mudado de lado e continuava fiel ao marxismo, comentou essa mudança do Genoíno: não entendo muito do assunto (pediria àqueles que compreendem-no melhor que explicassem), por isso não me alongo, mas o Genoíno deixou de seguir o velho Marx para seguir o jovem Marx; um paralelo da diferença do jovem para o velho Marx é a que existe entre o novo e o velho testamento, ou seja, nenhuma.
Segundo trecho: pergunta: “Mas o partido foi contra quando o ex-presidente FHC quis tributar os inativos”, Genoíno: “Nós até aceitávamos negociar a cobrança (...). O presidente Lula fez um acordo com os governadores (...). Para a gente ter moral de cobrar o apoio dos governadores, a bancada do PT tem que votar o que o Lula assinou”. Nesse ponto, Genoíno se esmera: ele deve imaginar que a entrevista é pro Bom Dia Brasil, e não para a Folha de São Paulo, que dias atrás mostrou um documento assinado pelo futuro presidente Lula em que ele dizia ser contra a taxação dos inativos, e que tal proposta era imoral. E já que o Genoíno preza tanto a moral, porque não cumprir a palavra do Lula, que durante a campanha falou que o Brasil precisava de mais política e menos contabilidade? Superávit primário, problema de caixa, pagar juros, isso é política? E contabilidade é o que?
É companheiro Genoíno, bem diz o povo: político é tudo igual. Que pena, até ano passado eu acreditava que não era bem assim... Que pena...

Daniel Dalmoro
Campinas, 12 de maio de 2003