terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

Será a vida tão vazia?

Fui, finalmente, conhecer a maravilhosa festa de recepção aos calouros, conhecida por chopada. O melhor da noite foi ver que não perdi nada por ter faltado às chopadas que eu poderia ter ido e não fui.

Não sei onde li, mas diz-se que a noite, por toda a sua atmosfera, suas sombras, ajuda as pessoas a se desinibirem. A chopada não me pareceu apenas desinibição, mas uma volta às origens biológicas do homem. Por falar em origens biológicas, ô arrependimento que tive de não ter aproveitado bem o ano de psicologia que fiz, em especial a leitura do livro "O Macho Demoníaco"; de qualquer forma, a aula que prestei atenção me ajudará nesta crônica.

A festa só tinha graça para a maioria porque tinha (muita) cerveja e pinga de graça, cola, maconha e, para alguns escolhidos, cocaína (detalhe, a festa foi paga com o meu, o seu, o nosso dinheiro). Salvo a cola, nada que me surpreendesse. No centro do bar que serviu à comemoração, uma mesa de bilhar, utilizada como palco, onde calouros e calouras se embebedavam e se insinuavam como não fariam caso estivessem sóbrios. As brincadeiras que ali ocorriam, minha mãe classificaria como "baixaria". Mas não foi isso que ouvi com algumas pessoas que conversei: estavam achando muito divertido, legal. Isso, até o palco ser, lentamente, tomado por homossexuais, três homens e três mulheres. Aí ouve alguns que classificaram aquilo como baixaria. Muitos ainda continuavam a achar aquilo o máximo. Até a hora que fiquei ainda não tinha rolado, a exemplo do ano anterior, cenas de sexo explícito, mas isso pouco importa, é mais a título de curiosidade. Ao meu lado, um grupo de quatro amigas, inspiradas no palco, brincavam de se beijar.

Descrevida a cena, passemos às análises. Na aula na psicologia, acerca do livro acima citado, o professor comentara (melhor seria dizer impusera a verdade de) que os machos de uma certa espécie de macacos (que não me lembro agora), gritavam e se excitavam muito, antes de guerrear com outro bando de macacos; a chopada ajuda a tirar qualquer dúvida de que somos descendentes dos macacos. O professor comentara também que em bandos cujas fêmeas eram as líderes, elas se utilizavam do sexo para manter os machos pacificados. Freud também tem em sua teoria o sexo como uma das fontes dissipadoras de energia acumulada (dissipação necessária para o bom funcionamento da pessoa); ponto pra chopada!

Mas não é minha intenção aqui mostrar que o homem lembra muito o macaco ou algo similar. Fiz estas observações apenas para tentar ilustrar um pouco o clima da festa.

Juntando os pontos. Festas como essa (festas em geral) teriam como utilidade liberar instintos e desejos reprimidos, além do uso de drogas. Isso seria muito bom, se no outro dia as pessoas estivessem mais calminhas, ou então, menos preocupadas em taxar fulano ou sicrano de gay, enfim, se a festa tivesse tido a utilidade de catarse; mas no outro dia, volta todo mundo igual: preconceito, violência, brigas.

Quanto ao uso de drogas, não lembro onde li, mas concordo com a idéia de que a humanidade sem as drogas não teria sobrevivido. Mas há usos e abusos. A desculpa para abusos como o de ontem é que deve-se aproveitar a vida, divertir-se. Mas que espécie de diversão é essa que a pessoa não lembra de metade dela no dia seguinte? Que aproveitar a vida é esse que brinca de roleta russa com o futuro?

O abuso de drogas me parece sintomático de uma sociedade doente. Uma sociedade consumista, que prega o prazer a qualquer custo,.que não tem utopias, não possui sonhos, apenas metas mesquinhas e egocêntricas. A dita chopada serve pra (tentar) esquecer que nossa vida não apenas se esvai dia a dia, mas que afunda na latrina em que a pusemos.

Tem gente que acha divertido ver os outros falando besteira, o que não é o meu caos. Sei que um dos meus defeitos é o de ser muito sério, mas será a vida tão vazia?


Campinas, 18 de fevereiro de 2003

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