“Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Desde criança eu canto esses versos do Raul, havia muito que entendia o que diziam, mas não compreendia o que havia por trás das suas palavras. Foi preciso uma provação dantesca, em 2002, em que passei tanto pelo inferno quanto pelo paraíso para que eu pudesse compreendê-los.
Fico feliz, ao rever como eu era em 2001 e como eu sou em 2003, e ver o quanto eu progredi, o quanto eu soube crescer, seja nas fases boas, seja nas ruins. Aparentemente fácil, são muitos os exemplos que conheço de pessoa que não conseguem aproveitar a vida em sua totalidade para aprender com ela. Quando estão bem, tratam de aproveitar a maré, sem parar um instante para pensar o que foi feito para estarem daquele modo e o que podem fazer para mantê-lo por mais tempo. Quando estão mal, lamentam os infortúnios da vida, fogem dos problemas, ou encaram-nos de forma enviesada. Pode ser que agir dessa forma também ajude a crescer, por que não?, quem sou eu para saber qual a melhor forma de agir?, apesar de que percebo, conversando com amigos, que aqueles que enfrentaram mais diretamente seus problemas souberam crescer mais com eles.
Uma das mudanças entre 2001 e 2003 que percebi foi a forma como encarei as opiniões contrárias. Sabia escutá-las já em 2001, mas fazia-o sempre com a guarda armada; talvez por não estar convencido das minhas próprias opiniões, talvez por encarar os outros sempre como potenciais inimigos. Em 2003 passei a escutar as posições divergentes de outra forma: nada de chegar com opinião formada sobre o assunto, o negócio é começar uma discussão disposto a ser convencido.
Em discussões com outras pessoas ainda tenho uma certa dificuldade em agir assim, ainda mais por ser uma discussão; todavia nas minhas leituras isso significou uma mudança radical: leio autores cuja teoria tenho um conhecimento básico – e da qual discordo completamente – sem levar em conta o que já sei ou o que penso sobre o assunto. Leio um livro para ser convencido, e guardo minhas críticas apenas para o final. Pode ser que assim minhas velhas idéias sobre o mundo mudem radicalmente, mas não vejo problema: já percebi que tenho algumas posições bem sólidas e que não será qualquer livro, qualquer discussão, qualquer revés da vida que irão derrubá-las. As demais opiniões são penduricalhos esperando a vez de serem passadas para trás. Como dizia Raul: Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Campinas, 28 de abril de 2003