quinta-feira, 26 de junho de 2003

Mau presságio

Ontem fui assistir ao lançamento da revista Margem Esquerda em Campinas. Na mesa do auditório do IFCH da Unicamp os sociólogos Ricardo Antunes, Francisco de Oliveira, Marcelo Ridenti e o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior. O tema foi governo Lula, um tema que tanto aflige a esquerda atualmente. Os sociólogos falaram todos muito bem, mas o grande momento ficou por conta do primeiro palestrante da tarde, o Plininho, como é chamado na Unicamp.
Duas análises dele que eu escrevo aqui. Primeiro diz respeito à crise do modelo neoliberal, não apenas no Brasil, mas no mundo. As soluções, segundo Plínio, são três: más de lo mismo, ou seja, arrocho fiscal, superávit primário e tudo o que governo Lula tem feito nestes seis primeiros meses de trabalho, o que levaria o Brasil à Argentinação; uma segunda leva de reformas liberais, representadas pela reforma da previdência, pela independência do Banco Central e pela Alca; ou por fim uma alternativa não neoliberal à crise do modelo neoliberal, o que necessitaria, antes de mais nada, romper com essa redoma do pensamento único que ainda domina os meios de comunicação, os quadros burocráticos do governo e o próprio presidente, para depois serem feitas reformas verdadeiramente alternativas. Infelizmente Lula já mostrou que seu governo é totalmente neoliberal, assim como o Estado brasileiro, muito bem amarrado ao neoliberalismo pelas reformas de FHC.
O segundo ponto que quero ressaltar foi o comentário do Plínio que FHC fez um governo ruim mas não calamitoso, como foi o caso do Fujimori, no Peru. Por que? Porque no Brasil havia uma oposição o PT forte e organizada, que não permitiu que FHC fizesse as reformas ao seu bel prazer, ou melhor, ao bel prazer dos mercados. E o governo Lula, que é oposição a ele? Os dois partidos da oposição, PFL e PSDB, são oposição por birra e não por programa de partido, o PDT, que trilha um caminho independente, é um partido fraco, os radicais do PT tampouco tem força o suficiente pra travar reformas ou propor mudanças significativas. Enfim, o PT não possui oposição às suas reformas, o que significa, segundo Plínio, que o potencial de destruição do atual governo é muito maior que o do anterior. Socorro!
Ricardo Antunes, na sua vez, comentou que no cenário político atual não há uma força de esquerda forte como era o PT, a maior força de esquerda hoje é o MST, que tem sofrido ataques de todos os lados: Veja, Folha, Estadão. Quando um partido de esquerda ter a força do PT não se sabe, é preciso ir construindo desde agora. E é bom rezar sempre, já que Lula disse que só Deus pára as reformas, quem sabe Ele não pode nos ajudar.

Campinas, 26 de junho de 2003

segunda-feira, 16 de junho de 2003

A esquerda delirante?

Estava eu lépido e faceiro indo comprar um cachorro quente com minha namorada quando resolvi dar uma parada numa banca de revistas comprar o Brasil de Fato e ver as capas daquilo que se habituou chamar de revistas semanais (Caras, Veja, Isto É, Contigo, Época, Gente, Chiques e Famosos). Não sei porque ainda perco tempo nisso, mas enfim, é curioso. Por exemplo: não sei se foi semana passada ou retrasada, coincidentemente Época, Isto É e Veja SP tinham como tema de capa a violência. Coincidentemente também Veja SP e Época tinham a Wanessa Camargo (sei lá como se escreve) na capa; coincidentemente. Nesta semana não houve coincidências. Isto É e Época tinham como reportagens de capa assuntos que poderiam figurar muito bem no programa da Ana Maria Braga ou nos programas de fofocas televisivos vespertinos; a Veja era a única que tinha uma capa séria(cof cof cof).
Na foto, José Rainha, ao lado o sugestivo título A esquerda delirante. Eu deveria ter parado aí, mas minha veia masoquista falou mais alto. Dizia o subtítulo: Para salvar os miseráveis dos desconfortos do capitalismo, o líder sem-terra José Rainha ameaça criar no interior de São Paulo um acampamento gigantesco como o de Canudos, instalado há um século por Antônio Conselheiro no sertão da Bahia.... Digamos que fiquei levemente emputecido em ler tal manchete, e não fui o único. Como notou minha namorada, curiosa a forma como para a Veja morrer de fome, diarréia e outros problemas afins, trata-se apenas de desconfortos do capitalismo. Pior ainda é pensar que em pleno século XXI, em São Paulo, o estado mais rico da nação, se pense em montar uma nova Canudos (aceitando a manchete da Veja sem levar em conta sua veracidade). Será que o Brasil não conseguiu evoluir um centímetro sequer? Se tomarmos como base a reportagem da Veja, não.
Nada parcial, a reportagem da Veja nem bem começa e dá-se logo a principal característica do beato Rainha(título da reportagem): 42 anos, um dos fundadores do MST e que parece em plena forma depois de passar quatro meses fugindo da polícia e outros dois na cadeia, acusado de formação de quadrilha.Como a reportagem deixará mais claro conforme se desenvolve trata-se do fundador de um movimento reacionário (é rir pra não chorar), contraventor penal em dobro (primeiro por formação de quadrilha, depois por fugir da polícia). Esse bandido (Veja não chamou-o explicitamente assim) estaria obcecado em reviver Canudos o mais aguerrido e sangrento movimento de resistência à proclamação da República, como se as milhares de pessoas que se reuniam em Canudos tinham em comum o desejo de derrubar a República, e não fugir da fome e da exploração senhorial, e como se violentos fossem os miseráveis e não as tropas do governo enviadas para exterminá-los. Diz ainda sobre Canudos que foi um movimento que à luz da melhor sociologia, mesmo a marxista, foi apenas utópico, monarquista e, há mais de um século, já era anacrônico com sua pregação da volta à vida pastoril, algo que é difícil de discordar da Veja, afinal num mundo de máquinas e revoluções é anacrônico um país em que há necessidade de um movimento que lute pelo direito mínimo (o de sobrevivência) dos mais pobres. E pelo jeito o anacronismo brasileiro apenas aumentou nesses 106 anos que separam Conselheiro do agitador profissional, que nunca trabalhou no campoe cujas mãos continuam sem calos e as unhas estão sempre limpas, ou seja, do baderneiro e hipócrita José Rainha.
Achei interessante a parte em que Veja comenta que hoje em dia, ninguém discute a necessidade de uma reforma agrária no Brasil, um belo argumento retórico de quem há bem pouco tempo dizia que reforma agrária não devia ser feita porque os EUA não fizeram (sic) e são o país mais desenvolvido do mundo, mas enfim, essa frase servia para introduzir uma outra, ainda mais divertida: Não se podem admitir, no entanto, as invasões e depredações da propriedade privada, como fazem muitas vezes os membros do MST, em flagrante desrespeito às leis. Como trabalham em prol de multidões de pobres, os líderes desses movimentos parecem acreditar que estão acima da lei. Qualquer solução duradoura para a questão agrária brasileira começa por manter as ações do MST dentro dos limites da legalidade. Flagrante desrespeito às leis. E as terras pegas do estado, os impostos não pagos, as guerrilhas de jagunços formadas pelos ruralistas, como o PCR? Isso é legal? Parecem acreditar que estão acima da lei. A UDR, por ter bancada no congresso não precisa acreditar... E quanto a manter as ações do MST dentro dos limites da legalidade, isso é piada de mau gosto: primeiro porque todas as ações do MST serão ilegais, visto que o movimento não tem foR$ça suficiente pra eleger uma bancada de uma dúzia de deputados; segundo que quem é mais forte, ou seja, os ruralistas é que deveriam dar o exemplo de respeito às leis, desarmando milícias, parando de usar máquinas de prefeitura para barrar o livre trânsito do MST e coisas afins.
Os repórteres Eduardo Salgado e Leandra Peres também sabem ser dogmáticos quando não possuem o mais fraco argumento, como quando afirmam que: experiências revolucionárias no campo no mundo moderno não produzem explosões como no tempo de Guevara e Fidel Castro. Produzem apenas mais atraso. Só esqueceram de explicar porque produzem atraso ou mostrar exemplos de atraso causados por revoluções no campo ocorridas na década de noventa. E bem no final da reportagem os repórteres mostram o quando não conhecem o MST, diz eles que míseros 3% [dos assentados] têm parcerias com agroindústrias. Chegou a hora de fazer uma reforma no MST. Talvez esses míseros 3%seja explicado pelo fato da ideologia do MST pregar a cooperação e não a competição e o lucro a qualquer custo.
O MST se reforma a todo instante, e é por isso que incomoda tanto as elites, que burras e cegas não percebem a importância de um movimento de tal envergadura. Quantos da multidão de deserdadosatraídos pela promessa do MST de um pedaço de chão pra plantar e um prato de comida pra comer não estariam servindo de soldados do tráfico de drogas, ou como simples assaltantes de esquina, quantos não estariam apenas enchendo a cara com cachaça de segunda pra esquecer a vida de fracassos e sem sonhos? E quanto tempo será que vai demorar pra elite perceber que se ela continuar atacando da forma que ataca movimentos sociais como o MST logo logo o tráfico de drogas pode descobri-los, armá-los e se isso acontecer, a Colômbia, com FARC e ALN será uma brincadeirinha pueril. Condições pra que o Brasil se torne um inferno existem, e é melhor parar de brincar de cabra cega.

Campinas, 16 de junho de 2003

domingo, 8 de junho de 2003

Arrependimento...

“O programa do Serra era melhor do que o do Lula. Mais bem estruturado, mais claro. Talvez por isso ele tenha perdido.” Essa frase parece ser dita por um tucano, aliado do Serra, desiludido como a maioria dos brasileiros que possuem outra fonte de informação que não o Jornal Nacional com a ortodoxia do governo Lula. Porém, trata-se da fala do Francisco de Oliveira, sociólogo da U$P, que participou da elaboração do programa de reforma política do candidato... Lula.

Quem costuma acompanhar a Folha de São Paulo provavelmente deve achar eufemismo dizer que o programa do Serra é melhor, porque o programa do Lula, o programa que seria uma alternativa ao neoliberalismo dos anos Fernandinos, não existe. Pelo menos foi o que disse um dos cabeças do PT em artigo na página A3 da Folha, dias atrás: o PT vai tentar construir uma alternativa ao modelo vigente na base da tentativa e erro, foi o que mais ou menos disse Tarso Genro. Claro que a construção dessa alternativa depende ainda da coragem do Lula, Palocci e cia de romper com o modelo vigente, algo que parece muito distante, visto que o governo “beijou a cruz” da ortodoxia, nas palavras do filósofo petista Paulo Arantes.

Enquanto não constrói a alternativa, Lula tem feito um governo à sombra do seu antecessor: viagens internacionais (segundo o Estado de São Paulo de hoje Lula percorreu maior quilometragem que FHC), muito blablablá, Refis, reformas da previdência e tributária reacionárias, ACM, PMDB, e a imposição do pensamentos único (o mesmo dos anos FHC).

Se José “Rota na Rua” Genoíno resolver fazer um expurgo de verdade nos quadros do PT daqueles que pensam diferente dos cabeças do partido – e não apenas escolher três para cristo –, não vai sobrar tanta gente assim.

Ah, se arrependimento matasse...


Campinas, 08 de junho de 2003