domingo, 3 de agosto de 2003

Viva o conforto!

Podem falar o que quiser, mas uma coisa é inegável: o capitalismo trabalha sempre para o nosso conforto. Conforto que nós, cidadãos bem adestrados, aplaudimos de pé.
Lembra quando era necessário levar o vasilhame para comprar refrigerante? Baita trabalho ter que carregar garrafas vazias até o mercado, só pra então poder comprar mais bebida? Veja só que baita avanço foi a introdução da garrafa plástica não retornável: agora nós vamos ao mercado de mãos vazias e voltamos com quantos litros quisermos de guaraná ou coca-cola (também conhecida como água negra do capitalismo, sangue de iraquiano e outros apelidos carinhosos e condizentes afins). Tentaram fazer garrafas plásticas retornáveis, mas foi um tremendo fracasso. Por que? Porque não eram práticas, cômodas. Com as garrafas não retornáveis, ao invés de amontoar garrafas num canto da casa para trocar na próxima vez que formos às compras, botamos tudo num saco de lixo e daí direto para o lixão. Muito mais prático, muito mais cômodo!
Agora há a promessa de algo parecido com os filmes. É um porre você ter que sair da comodidade do lar e se dirigir até a locadora só para devolver um filme, e caso se esqueça - coisa não muito difícil de ocorrer na correria do mundo moderno - ainda tem que pagar multa. Pensando na comodidade dos seus clientes a Walt Disney está testando um dvd que se auto-destrói 48 horas após aberto. O preço sairia o equivalente a uma locação. Quanto conforto! Poder alugar um filme sem precisar devolvê-lo no dia seguinte. Ao invés de caminhar quadras, caminha-se alguns passos, põe o dvd no lixo e está devolvido, sem risco de multas, sem incomodação.
Uma pena que nós, cidadãos bem adestrados, não percebemos o que há por trás de toda essas inovações em nome do conforto. Primeiro o desejo de lucro sempre maior, por parte das empresas. Segundo que, como alertou a psicanalista Anna Veronica Mautner, todos esses equipamentos que aumentam nosso conforto e diminuem nossa perda de tempo em tarefas que não gostamos não são suficientes para que tenhamos tempo para fazer o que gostamos. Terceiro que o L de lucro vem sempre acompanhado do L de lixo. Em nome de um corfortinho mísero que a publicidade vende (e nós compramos) como se fosse algo sem a qual nossa vida perderia muito em qualidade, aumentamos, estimulamos a degradação do ambiente e a produção de lixo.
Antigamente para fazer um chá tínhamos um pezinho plantado em casa, ou então íamos a feira, comprávamos um maço de erva, colocávamos numa chaleira e estava pronto o chá. Lixo: a erva com a qual fizemos o chá. Hoje compramos um pacote de chá que tem um plástico em volta da caixa de papelão e um saquinho de papel envolvendo cada saquinho com o chá. Lixo: além dos plásticos e papéis, toda a energia gasta para produzi-los.
Hoje comprei um pedaço de frango que, em nome de uma aparência bonita e de pseudo-higiene, veio numa badeja de isopor, envolto por duas camadas de microfilme. Um plástico já não seria mais que suficiente? Pra que todo esse lixo extra?
Ah, que maravilha nosso mundo moderno, que em nome do lucro, do conforto e da boa aparência sacrifica nosso próprio mundo!

Campinas, 03 de agosto de 2003.

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