quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

A oportunidade perdida

O PT surgiu nos anos da ditadura militar, e apesar de combatê-la e defender
a democracia parece não muito interessado em efetivá-la. Não me refiro à
democracia internado partido, mas sim à democratização de um certo país
tropical chamado Brasil.
Impossível haver democracia em um país em que uma família controla
emissoras de tevê, rádios, revistas, jornais. Não falo apenas da família
Marinho, que controla a maior emissora de tevê do país, com índices
absurdos de audiência, mas de qualquer dono de imprensa do interior do
país, que não passa de um Marinho em versão estadual, regional, municipal.
Mas é nos grandes que vou me deter, afinal, eles detêm grande poder de
influência no país, na Globo em especial.
Lula assumiu o governo com a mídia de joelhos: altos custos, atoladas em
dívidas: a imprensa nacional pedia ajuda. Antes mesmo do início do seu
governo o PT se sensibilizou com a situação: ajudou na aprovação da lei que
permitia a entrada de capital estrangeiro na imprensa nacional. Coisa pra
se ficar indignado, mas que os otimistas de plantão (e éramos a maioria)
preferiram deixar passar, achando que se tratava de algo inevitável para
manter a governabilidade.
Veio então a tardia data em que Roberto Marinho morreu. Tudo bem, a família
Marinho é poderosa, não precisava fazer festa ou passar o documentário da
BBC Além do Cidadão Kane(Beyond Citizen Kane) em horário nobre na tevê,
ficar em silêncio estaria de bom tamanho. Mas não, o governo tinha que
abrir a boca e elogiar o imortal Roberto Marinho pela contribuição para com
a democracia do Brasil. Proconsult, Diretas já e Collor, só pra citar três
belos atos democráticos da rede Globo, não existiram.
Deu na Folha de domingo, na coluna do Josias de Souza a outra forma (além
do capital estrangeiro) pela qual o governo ajudou a imprensa nacional: a
propaganda dos 50 anos da Petrobrás. Foram gastos R$ 54 milhões em um ano
de publicidade! Mais do que foi liberado para muito ministério! Mais do que
a Petrobrás gastou nas suas iniciativas sociais (R$ 50 milhões, gastos em
iniciativas realmente úteis)! Acima da Petrobrás apenas a Schincariol, com
R$ 60 milhões e uma campanha publicitária com um objetivo específico e
alcançado: vender a Nova Schin. E a Petrobrás, no que resultou toda essa
dinheirama gasta? Resultou na divulgação do governo do PT (aliás,
publicidade é uma das únicas áreas em que o PT sabe fazer alguma coisa), e
num alívio para as empresas de mídia.
Somente a Rede Globo de televisão abocanhou R$ 28,2 milhões, dos R$ 30,8
milhões que os Marinhos receberam. Não é a redenção, mas é um grande alívio.
Lula, na questão da mídia, se mostrou mais uma vez um covarde, pusilânime.
Mostrou também que não sabe aprender com o dia-a-dia. Com a imprensa
passando o pires, nada melhor do que oferecer ajuda... sob certas
condições. Algo como o FMI faz conosco. Os Marinho precisam de dinheiro?
Vão ter o dinheiro, desde que se desfaçam das suas rádios, revistas e
jornais, desde que fatiem sua audiência.
Ao invés de se aproveitar da imprensa em crise para impor a democratização
da mídia, Lula preferiu se subordinar mais uma vez aos poderosos. Em troca
do que? De elogios no Jornal Nacional, que ajudarão na popularidade do
presidente. Elogios, diga-se de passagem, que podem cessar a qualquer
momento, se o governo não fizer o que a mídia quiser. O resultado já é
sabido: no futuro próximo, nenhuma mudança significativa à vista.

Pato Branco, 07 de janeiro de 2004

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