terça-feira, 3 de agosto de 2004

O perigo do crescimento

Crescer é perigoso. A ata do Copom divulgada na quinta-feira, dia 29 de julho, é uma bela peça do teatro do absurdo em que o Brasil interpreta-se a si mesmo no papel principal. Enquanto a China toma medidas para diminuir o ritmo de seu crescimento (na faixa dos 10% ao ano), a Coréia do Sul vê sinal de crise porque a estimativa do seu crescimento em 2004 caiu de 5,5% para 5,2%, o Brasil não tem sequer tempo de comemorar seu “espetáculo do crescimento” de 3,5%. Aumento das vagas de trabalho, diminuição do desemprego, aumento do consumo e conseqüente arrecadação de imposto, o que seres humanos brasileiros normais vêem como coisas benéficas (apesar de serem ainda insuficientes), parte do governo vê como um dos maiores feitos da política econômica do globo nos últimos anos, e outra parte vê como um grande problema, um perigo para o... crescimento do país.
Os dez, doze anos de crescimento sustentado e sem inflação que o primeiro-ministro do Brasil, digo, o ministro da economia, Antônio Palocci, falou que estavam se iniciando começa a morrer nos primeiros meses. Se o Brasil crescer então haverá inflação, é o dilema posto pela vulgarmente chamada “equipe econômica”. Claro que esses senhores sempre se esquecem de dizer que essa temível inflação sempre pronta pra atacar novamente não é a inflação de 10% ao mês, mas de 10% ao ano, bem acima da irreal meta de inflação para o ano que vem (4,5%).
A equipe econômica do senhor Lula vê perigo no crescimento porque, segundo levantamentos, a taxa de ocupação da capacidade produtiva da indústria brasileira é a maior dos últimos anos, e o crescimento do consumo não está sendo seguido por um crescimento equivalente dessa capacidade. Nada mais natural. É sabido que não há uma distinção clara entre capital produtivo e capital financeiro, como pregam certas pessoas e jornais, o capital – pelo menos o grande – é capital, e vai procurar maximizar seus lucros. Se lucrar mais produzindo, vai produzir, se lucrar mais especulando em papéis do governo, vai comprar papéis do governo. O capital produtivo que não segue esta lógica é o capital produtivo do pequeno agricultor, do dono da lanchonete da esquina, do carrinho de cachorro-quente.
O capital que especula paga menos imposto e tem rendimento maior, alguma dúvida pra onde irá o dinheiro dos endinheirados? A bufunfa que o empresariado brasileiro torra em papéis do governo, que rendem 16% ao ano (isso que é a taxa mais baixa dos últimos anos!), não seria posta em baixo do colchão, mas aplicado na ampliação da capacidade produtiva da sua empresa. Disso entramos num círculo vicioso o qual com a atual política econômica não sairemos nunca: primeiro, a taxa de juros é alta, o país cresce pouco, e o investimento na ampliação da capacidade produtiva é mínimo; depois a taxa de juros baixa (mais ainda é alta), o país cresce um pouco mais (mas ainda pouco), e o empresário começa a fazer as contas se vale a pena aumentar a capacidade produtiva, se o crescimento observado não é só uma “bolha”; como corre o risco de aumentar a inflação (que ainda é baixa), o BC aumenta os juros, estimula a especulação com papel do governo, diminui o consumo e desestimula o investimento em capacidade produtiva que iria acontecer; a seguir, inflação controlado, juros baixados, retomada do crescimento, capacidade produtiva defasada, risco de inflação, aumento de juros, e por aí segue ad eternum, se depender dos atuais donos do poder.
Claro que um governo lulista-petista, com anos de história de militância em movimentos sociais e defesa dos oprimidos, não vai deixar que estes fiquem desamparados. Para diminuir as mazelas da globalização e do neoliberalismo praticado por ele, diz que focará sua assistência nos menos favorecidos, para corrigir “distorções” do Estado brasileiro, ou em linguagem mais popular, diz que vai dar esmola aos menos favorecidos, aos coitados e aos incompetentes que não conseguem aproveitar todas as oportunidades dadas pelo capitalismo para saírem do seu estado de miséria – com a contrapartida, é claro, de retirar direitos das classes trabalhadora e média, afinal, alguém sempre acaba perdendo. Um discurso horrível, que não ataca as causas e só disfarça as conseqüências, e que ainda por cima não é posto em prática: a verba para 44 projetos prioritários (repare no prioritários!) ficou abaixo de 1% no primeiro semestre. Vivêssemos esta situação na Suécia e isto seria um absurdo. Mas vivemos no Brasil, e o Brasil, ora, o Brasil é assim mesmo, dirão nossos formadores de opinião.
PS: Não entendo nada além do mais mais elementar de economia, mas desconfio que a declaração de possível aumento nos juros, feita pelo presidente do BC, deve fazer com que os efeitos de tal aumento sejam sentidos em breve, antes mesmo do aumento ocorrer, tal como parece que ocorreu com o aumento dos juros estadunidenses, conforme as “Expectativas Racionais”. Alguém que entende isto poderia explicar?
PS2: A partir desta, minhas crônicas serão publicadas também na página do Centro de Mídia Independente – Brasil (http://www.midiaindependente.org/)

Campinas, 03 de agosto de 2004.

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