quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

Até quando?

Converso com o motorista do ônibus. Trabalha de segunda à sexta das 12h30 às 23h30, mais sábado pela manhã, recebe só uma parte das horas-extras que trabalha, mas não reclama: 'tem muita gente que gostaria de estar no meu lugar; o salário é razoável, o trabalho é sossegado, não tem trânsito, não tem risco de assalto'. Final de semana, se a empresa freta ônibus para algum lugar e escala ele, tem que ir; não gosta, preferiria ficar com a família, mas não reclama. Há pouco tempo cortaram o vale-refeição, mas também não reclama: 'fazer o que? Tem gente que gostaria de estar no meu lugar'.
No ônibus para Osasco escuto duas mulheres conversando. Uma, 19 anos, criança de colo, conta do marido, que tem três empregos: 'das 6h às 8h trabalha numa academia de musculação. Até as 14h como pedreiro, e das 15h às 23h como porteiro'. Imagino que não deva morar do lado dos empregos, se assim fosse, na melhor das hipóteses fica em casa oito horas por dia, em que deveria dormir, comer, tomar banho, fazer a barba, e outros cuidados consigo. Quanto tempo sobra para aproveitar a mulher e o filho? Desconfio que pouco, mas sempre que a mulher fala do marido e dos seus empregos, em nenhum momento surge qualquer indício de revolta ou indignação, como se trabalhar 16 horas por dia fosse algo natural em pleno século XXI. E o pior é que é.
Não conversei com as duas pessoas à respeito, mas desconfio que se eu falasse de revolução ou crise teriam medo: tão mal andam, mas ainda tem medo de perder o pouco que tem. E o sonho de que um dia poderá ser melhor? Devem ter, ou então não pensam nisso. Até quando vão resistir sem reagir?

Campinas, 02 de dezembro de 2004

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