quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Antes tarde do que nunca

Tem chous que são realmente difíceis de esquecer. Alguns ganham uma ajuda extra, como a multa por estar trafegando a 80 km;h às 4h da manhã em uma avenida deserta de Campinas. A multa aconteceu na volta do festival Claro que é rock, que aconteceu faz tempo. Mas deixemos o final para o final: comecemos do começo.
O almoço, frango assado e macarrão de forno, corria bem, a conversa ia animada, mas já se fazia hora de partirmos para São Paulo, para assistir ao festival Claro que é rock. A idéia era chegar para o chou dos gaúchos do Cachorro Grande. Eu bem que insisti para sairmos antes, mas os entendidos no trajeto disseram que uma hora e meia era tempo suficiente para chegar até o local do chou. Não tendo muito argumento além do "eu acho que pode ter congestionamento" ou "olha que podemos demorar pra achar o dito lugar", não me restou outra coisa que aceitar o tempo dos entendidos. Um atrasado no horário que eu já achava tarde ajudou a me contagiar com certo mau-humor que já rondava o carro. E como bom crítico de arte, consegui potencializar esse mau-humor (afinal, o meio é para os medíocres). A viagem correu tranqüilo e não demoramos muito para chegar ao local do festival. Ainda estávamos parados no trânsito, para entrar no estacionamento, quando escutamos um som mal definido, mas que conseguimos definir como sendo do Cachorro Grande. Estava começando aquela hora, ou seja, na hora marcada, pontualmente, como eu imaginava. Maravilha, maravilha, estacionamos o carro e fomos relativamente correndo para a entrada. Conseguimos chegar a tempo de escutar o 'falou, galera' claramente. Sequer deu pra ver os infelizes no palco (o que não é desagradável, dado a boa figura dos integrantes da banda). Claro que isso não me deixou mais mal-humorado.
Enquanto tocavam bandinhas desconhecidas com sons inspirados em Charlie Brown Jr. fomos dar uma volta pelo local. Seis reais o pedaço de pizza, três o copo d'água, e nisso percebemos que era permitido entrar com comida, de onde a fabulosa idéia: poderíamos ter trazido alguns dos doze sanduíches que deixamos no carro! Mas era tarde para tal idéia, já estávamos dentro da parada, e o negócio foi se aguentar - já que os pão-duros que acompanhavam o pão-duro que agora escreve não quiseram comprar nada para depois eu pussungar.
Ficamos andando por aquele mar de 'indies' que para ser diferentes ficam todos iguais, com um ar irritantemente de imbecil que se acha o alternativo. Na última das bandinhas desconhecidas fomos para o gramado, já que ela era até legal (pena que não lembro o nome agora).
Depois dessa bandinha legal - que não ganhou - começaram os chous grandes. A primeira banda foi Good Charlote. A banda é feita por uns irmão que trabalham também de VJs na MTV dos EUA, e serviu para atrair uma pirralhada federal e vender celular para pré-adolescentes - só dava menina nos seus 13, 14, 15 anos. Mas fora o visual milimetricamente pensado para parecer um pouco jogado, aquele bando de criança gritando e os passinhos ensaiados no melhor estilo das "boys band", como Five (ou outra que o valha e eu felizmente não me lembro e nem faço questão de puxar pela memória), o som dos caras era uma bosta! Um Blink 182 - que já é uma grande bosta - piorado.
O segundo chou foi da Nação Zumbi. Chou excelente, que terminou com os clássicos de quando tocavam com Chico Science (sei lá como se escreve), e fez a galera pular. Em seguida foi a vez do Fantômas, que substituíram o Suicidal Tendencies, que desistiu por causa de uma hérnia de disco do vocalista. Chou estranho, esquisito, e impliquei com o guitarrista com cabelo de Valderrama. Se eu fosse dar nota em estrelinhas, como todo comentador de arte que se preze gosta de fazer, daria *** em 5. Ou seja, médio. A seguir, Flaming Lips. Chou que eu estava com muitas expectativas e que não me decepcionou. Chou alegre, muito pra cima, super divertido. Com direito a bolha espacial em que Wayne Coyne entra e passeia por cima do público (passou por cima de mim!), videokê, bichinhos de pelúcia pulando e dançando no palco, serpentina, câmera junto ao microfone, música com brinquedo de criança, boneco de freira cantando, bis dos refrões das músicas (já que era a parte que o pessoal sabia ou conseguia cantar) e dois covers excelentes: começou com Bohemian Rapsody, do Queens, e terminou com War Pigs, do Black Sabbath. Maravilhoso! Depois do Flaming Lips seria difícil um chou melhor. E realmente não houve. Iggy Pop, que entrou no palco na seqüência fez um chou porra-loca. Com seus 138 anos, chamou o público para o palco, pulou no meio da galera, correu ensandecido para lá e para cá. Cansou só de assistir. Ponto fraco do chou foi o ter tocado duas vezes I wanna be your dog e o fato de eu ter ficado longe do palco, para ter tempo de correr pro outro palco (esqueci de dizer, eram dois palcos, um que cada extremidade do campo de futebol) e assistir Sonic Youth também de perto (o outro foi Flaming Lips). Foi o chou mais criticado (dos que merecem crítica, ou seja, exclui-se aqui Good Charlote). Entraram, deram uma banana pro público e ficaram se masturbando nas guitarras. Salvo a bateria que estava um pouco baixa, o chou foi excelente! Tocaram principalmente músicas do novo disco, que é excelente, e alguns clássicos mais pop de antigamente, como do disco Dirty (não tocaram 100%, infelizmente, mas esas eles já tinham aqui tocado em 2000). Aqueles que acharam o chou fraco certamente se divertiriam bastante com Jota Quest ou Lulu Santos. A seguir, Nine Inch Nails, que voltou com disco novo depois de uma longa pausa. O chou também estava muito bom, com a iluminação do palco muito bem feita. Mas eu estava muito cansado, já tinha me arrebentado o bastante no Flaming Lips e Sonic Youth. Saímos antes do fim do chou, fomos ultrapassados, na estrada, por um carro que ia a mais de 200 km/h, e quase chegando em casa tomamos, sem saber, aquela multa do radar citada no início deste relato.
Pontos positivos: a idéia dos dois palcos em cada canto do campo, poder entrar com comida, os chous do Nação, Flaming, Iggy, Sonic e Nine.
Pontos negativos: os preços: o ingresso, apesar de relativamente barato (R$ 60,00 a meia entrada), ainda assim estava caro, a comida era um assalto!; a falta de mais bandas nacionais de peso, como CSS, Autoramas, Mombojó, Relespública; as bandas desconhecidas selecionadas, aquele bando de 'indie' fazendo pose.
Ponto feito pela tal da Isa K.: Good Charlote.

Pato Branco, 21 de dezembro de 2005

sábado, 12 de novembro de 2005

O 68 dos pobres

Creio eu que a escola (na verdade, não só a escola, mas não fujamos do nosso tema) ao tentar sistematizar o conteúdo a ser ensinado, acaba por ter de ignorar o caráter dinâmico do conhecimento e, pior, simplificar as contradições existentes no mundo, no conhecimento, ou na tentativa deste de explicar aquele. Resultado: corre-se permanentemente o risco de ensinar algo errado. Uma das coisas que me ensinaram, eu me lembro bem, é de que quem nasce no Brasil é brasileiro, assim como quem nasce na China é chinês e quem nasce na França é francês. Não cheguei a ler toda a tinta impressa para relatar e comentar o 68 dos pobres que acontece na França há mais de duas semanas. Também não me proponho aqui a fazer maiores comentários sobre a revolta popular em curso: devido à falta de conhecimento, o máximo que eu poderia escrever seria repeteco do que li e concordei. Apenas levanto o curioso ponto de que os alvos prioritários dos "vândalos" (segundo o chamado da imprensa) serem carros e não sedes de grandes corporações multinacionais ou prédios públicos, nem mesmo pessoas (o que, por este ponto, assemelha-se aos protestos não-violentos de Gênova e Seattle).

Como acabei de dizer, não farei um repeteco do que li, mas comentarei algo que me chamou a atenção e que talvez ajude a compreender um pouco a situação. De tudo o que li, falava-se quase sempre em imigrantes e filhos de imigrantes, e não em "franceses de ascendência africana-islâmica", "franceses moradores da periferia" ou algo de teor similar. De onde surgiu minha pergunta: os filhos de imigrantes de ascendência africana-árabe, moradores das periferias, nascidos na França - como fica bem entendido - não são franceses? São, mas... É aqui que entra minha crítica à forma que se ensina na escola: todos os que nascem na França são franceses, mas existem os franceses de primeira classe: loiros, cristãos, olhos azuis, possuidores de bons carros, descendentes dos galeses; e os franceses de segunda classe: morenos, islâmicos, cabelos escuros, moradores da periferia. Há uma dicotomia implícita entre civilização e barbárie, quando se fala do medo dos franceses quanto aos protestos dos filhos de imigrantes. Há um resto do sentimento de colonialismo etnocêntrico, que julgava ter como seu último suspiro a ida de Le Pen ao segundo turno das eleições de 2002; mas Sarkozy mostrou que esse sentimento ainda está muito vivo. Há uma demonstração implícita de que 1789 está longe de alcançar seus objetivos.

Não é raro, em especial na grande imprensa, um certo ar de perplexidade: esses jovens, filhos de imigrantes, foram acolhidos pela França, vivem melhor do que se vivessem em “seus países”, do que podem estar reclamando? Esquecem-se, todavia, de que limpar fossa por toda a vida, por mais que resulte em um padrão de vida melhor do que na África, não é exatamente o sonho de todos os jovens. Esquecem-se de que ter um padrão de vida melhor do que o africano não significa necessariamente ter um padrão de vida bom, nem mesmo aceitável. E esquecem-se de que esses "filhos de imigrantes" são franceses, e sendo a França uma república são todos iguais perante a lei, sejam filhos de imigrantes ou descendentes de Pepino, O Breve. Ou deveriam sê-lo.

Mas o mais interessantes neste 68 da periferia é o fato de não haver uma liderança que encabece os protestos, que verbalize as reivindicações. E essa ausência não faz falta alguma: não houve analista sério - seja de esquerda, seja de direita - que não soubesse bem contra o que protestam os "filhos de imigrantes", o que reivindica a "escória". É evidente que a situação entre riqueza e pobreza está insustentável, que os ideais da revolução francesa estão cada vez mais longe, em todas as partes do globo. Os norte-africanos da França, os turcos da Alemanha, os indígenas da América, os negros dos EUA, os favelados do Brasil, a escória está em todo lugar, pronta a explodir - ou pelo menos a emergir -, falta apenas riscar o fósforo.


Campinas, 12 de novembro de 2005

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Neocon.br

Algumas reflexões sobre o referendo da proibição de venda de armas:
O Brasil finalmente aponta no caminho de se tornar uma república democrática e não um simulacro bananeiro de. Claro que para chegar a tal ponto a distância pode ser contada em anos-luz. É preciso uma série de reformas (política, dos meios de comunicação, da educação), é preciso um aprendizado por parte dos eleitores, de que eleição presidencial é diferente da de prefeito, que é diferente de plebiscito; é preciso que a política recupere seu discurso, seqüestrado pela publicidade.
A vitória maior foi do individualismo. A defesa do "não" era a defesa do direito do indivíduo, não da sociedade.
Creio que não se faz necessário maiores explicações porque o "sim" teve seus melhores resultados em cidades que tem ou tiveram altos índices de violência.
Na esteira do individualismo, se a democracia e a república estão anos-luz de distância, o brasileiro mostra que a civilidade está ainda mais longe. Civilidade, cidadão - do latim civis, civitas, civilis - vai bem além de estar presente fisicamente em um determinado espaço citatido: é pensá-lo, participar da sua organização, da sua gestão; cidadão é aquele que tem bondade. O recado do "não" era bem claro (na verdade de ambos os lados, mas o "não" se centrou mais): salve-se, azar dos outros. O desemprego alto, salário baixo, a publicidade agressiva estimulam a criminalidade, ao mesmo tempo que a polícia não funciona? Compre uma arma e defenda-se. As instituições estão podres, melhor do que consertá-las é ignorá-las. Foi assim com a saúde pública, foi assim com a educação pública, é agora com a segurança pública.
Demorou, mas o Brasil finalmente deu mostras de estar adentrando na onde neoconservadora que já há um tempo tomou o mundo (e inclusive dá sinais de cansaço em alguns lugares). É certo que o conservadorismo sempre foi marca forte do Brasil, mas se tratava mais de um conservadorismo econômico, anti-revolução, anti-reformas, anti-povo. O neoconservadorismo vai além, é um conservadorismo de costumes. Começamos pelo discurso: a dicotomia simplista e burra "cidadãos de bem x bandidos" é repugnante. É exatamente o mesmo princípio usado por Bush na sua guerra contra o mal. Tem, inclusive, as mesmas falhas. Uma delas é a incapacidade de se analisar o contexto em que surgem os "bandidos". A outra é como definir "cidadãos de bem". Certamente o deputado Fleury, que dentre outras façanhas no seu currículo tem aqueles 111 assassinatos no Carandiru, é um cidadão de bem. Maluf também deve ser, afinal, o deputado fascista Bolsonaro não defenderia atirar no Maluf, agora em preto pobre...
O presidente da frente parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa, Alberto Fraga (PFL), criticou a "covardia" do congresso de ter posto um assunto técnico para ser decidido pelo povo. A revista Veja fazia crítica semelhante. O curioso é que sendo "técnico" apelaram o tempo todo para a "emoção" e não para a "razão". Também é curioso como se esquecem rápido de que quem puxou o referendo foi justamente a "bancada da bala", depois da derrota no congresso. Também se esquecem de que escolher um presidente também é uma questão "técnica", afinal o maior mandatário do país precisa ser bem preparado, ser capaz, ter liderança. Vai deixar para o povo escolher? É uma questão até mais complexa do que um referendo sobre armas! Bem, vendo a procedência da bancada da bala, talvez não esqueçam não que escolher presidente é questão "técnica"...
Mas apesar das críticas ao referendo, os neocon.br já vão pondo suas asas para fora. O próprio Fraga já fala em referendo pelo fim da maioridade penal, pela proibição total do aborto e pela prisão perpétua. Creio não ser surpresa para ninguém, afinal, essa foi a linha - bastante clara - do discurso do "não": todos sabiam que esse era o seu desdobramento natural. E se depender da classe média tais propostas ganham. Talvez não consigam os mesmos 64%, mas ganham. Por enquanto acho que ainda não ganha ensinar criacionismo ao invés de evolucionismo nas escolas. Por enquanto.
Por fim, uma notícia que saiu na Folha desta segunda, no mesmo caderno que falava do desarmamento e que serve de alívio para quem votou "não": "Ex-diretor do Carandiru é assassinado em SP - Responsável pela Casa de Detenção na época do massacre de 111 presos, em 92, José Ismael Pedrosa foi morto com 6 tiros". A partir do momento que deixamos a solução coletiva para segundo plano não temos mais qualquer medida para dizer o que é justo o que não é. Por que temos que ser nós, classe média, branca, escolarizada, os cidadãos de bem? O somos porque o declaramos. Se o líder do tráfico assim se declarar, como contrapor nossa visão? Que a justiça está do nosso lado, porque não roubamos e a lei... Mas, que justiça que estamos evocando? Aquela podre e decrépita que não nos demos ao trabalho de discutir a sério e reformar?
"Ex-diretor do Carandiru é assassinado em SP". Eis a "justiça" que 64% dos brasileiros apóiam.

Campinas, 26 de outubro de 2005

sábado, 8 de outubro de 2005

Sacrifícios pela arte!

Vida de crítico não é fácil (e olha que eu ainda nem me tornei incompreendido nas críticas profundas e muito bem embasadas que sempre faço). Mesmo gripado fui assistir à mostra noturna de bandas do feia 6, o sexto festival do Instituto de Artes. "Mostra noturna de bandas" é o eufemismo usado para festa desde que estas foram proibidas dentro da Unicamp. Mas já deixo avisado que fui por causa das bandas e não por causa da festa, atividade a qual não me apetece.
Seis bandas se apresentariam, assisti a metade delas. Sobre a primeira comentou um amigo: "esses caras não desistem nunca!". Como não desistem nunca, creio que terei outras oportunidades para falar (mal) dessa banda, que hoje não merece sequer ter seu nome mencionado aqui neste espaço.
A segunda foi Brás Cubas, um trio que toca surf-music, e faz cover de Los Hermanos e Radiohead. Segundo minha amiga entendida em surf-music, as músicas por eles tocadas devem ser composições próprias. E são boas. Mais calminhas que as do The Violentures, por exemplo, mas muito boas. Sobre as músicas cantadas o que sempre digo: o japonês baixista-vocalista tem vergonha de cantar, apesar de não cantar (muito) mal. Logo, imagina-se que a voz fique um pouco apagada, o que é recomendado em certas passagens. Ao fim do Brás Cubas o japonês baixista foi para a bateria e subiu ao palco um maluco à Wally, da série "onde está Wally?", que assumiu o baixo e os vocais. Dizem que essa banda é uma de nome estranho que eu lera o cartaz no estúdio da Rádio Muda. Tocaram duas músicas e mandaram bem: uma versão de Peito Vazio, de Cartola, e House of Jealous Lovers, do The Rapture, com direito a voz estridente e tudo. O único porém é que o Wally deveria cantar Rapture longe do microfone. Depois dessa banda pós-Brás Cubas subiu ao palco a banda que eu queria ver: Del-O-Max. Sim, a mesma que eu fui assistir há menos de uma semana. Banda com pegada, sonoridade já bastante característica e estilosa sem ser mala ou "poser". Bateria, guitarra e dois baixos. Desta vez começaram já tocando e cantando, o que foi uma pena: no Bar do Zé a banda começou meio que sem querer, pareciam estar afinando os instrumentos, começava uma batidinha mais ritmada na bateria, o baixo e a guitarra iam fazendo uma base, e estavam já tocando, à espera do outro baixista e vocalista. Terem começado como começaram agora não é ponto negativo, apenas não é ponto positivo extra. A apresentação correu bem, composições próprias e o único cover ficou por conta de Paint in Black, dos Rolling Stones (no Bar do Zé haviam tocado também uma do Velvet Underground).
Mas nem tudo são flores, há sempre algumas rãs para se engolir (mesmo sem a participação da tal da Isa K.). Vamos a elas. A festa só aconteceu no gramado do IA porque o Centro Acadêmico do IA (CAIA) consegue ser mais incompetente do que pelego. Dependesse do CAIA e ali haveria uma agência do banco Itaú. Ops, esqueci que se trata de uma crítica de arte, e que neste campo é coisa totalmente "out" falar de política (eu preferiria dizer "demodé", mas "out" é mais "in"). Prosseguindo, não falarei da festa, porque não gosto de festas. Mas a discotecagem estava uma bosta! Apresentações de bandas alternativas, legal! Custava por rock alternativo enquanto se passava o som? Ficava tocando reggae e um pouco de forró, o que desagradava a praticamente todos os que estavam ali por causa da música. Mas isso não é tudo. A primeira banda (aquela que não desiste nunca), escalada para tocar às 23h, começou a tocar à 0h15. O que é um avanço, claro: o IA já está começando a ser mais pontual. A quarta banda, por exemplo, começou a tocar lá pelas 3h30, horário previsto para a sexta! Mas isso não é o pior. As caixas não tinham potência, mas ainda assim se insistia para ver se o pessoal do fundo conseguia escutar algo. Não conseguia, mas para o pessoal da frente o som ficava muito ruim. Mas o pior de tudo foi a passagem de som. Guitarras e baixos que sumiam conforme o guitarrista e o baixista se viravam, bateria que só tinha o som de uma caixa captado, e ainda assim captado muito mal; microfones baixos: o "backing vocal" da Del-O-Max, por exemplo, quase não se escutava; e o trompete, que foi uma grande sacada da banda, ficou fingindo que tocava, porque não se escutava absolutamente nada! O microfone do vocalista, então, além de que caía sempre, ficando baixo (no outro sentido), fazendo com que o vocalista ficasse em posições um pouco desconfortáveis, já deixava a voz rouca e ruim de antemão. Em todos esses problemas, nada de novo. Mas custava fazer algo que prestasse? Onde estão os músicos do instituto? Se fosse para fazer algo porco, melhor não fazer nada. Fim.

Campinas, 08 de outubro de 2005

quarta-feira, 5 de outubro de 2005

Sorte de principiante?

Comecei com sorte minha carreira de crítico de arte. Não me lembrava que justo esta semana acontece o FEIA 6 - Festival do Instituto de Artes -, com mostras de música, dança, teatro e vídeos produzidos pelos alunos. Por uma feliz coincidência, próximo ao meio-dia eu passava próximo ao local em que se apresentava o Buarque'n'Roll, banda que toca Chico Buarque em ritmo rock. Minha intenção, inclusive, era escrever sobre eles - até para eu não parecer mal-amado (afinal, como disse no texto anterior, me dispenso de certos apretrechos considerados imprescindíveis para um bom crítico de arte). Mas eis que, já à noite, ia eu pegar o ônibus para voltar pra casa, não digo lépido e faceiro, mas quebrado e febril (no sentido literal), quando encontro o Flávio, meu simpático professor de grego, esperando para entrar no auditório do IA. O Flávio é uma figura fantástica, uma pessoa simpaticíssima, carismática, divertida. Eu poderia aqui escrever uma crônica só falando bem dele, o que seria bem mais interessante do que escreverei, ainda mais que ele deverá ser meu professor ano que vem, mas não foi com este propósito que liguei meu Pentium 200, às 22h, ainda febril (no sentido literal). Pois bem, cumprimentei-o e depois, tomado de grande curiosidade, abri o caderno de programação para ver o que o Flávio iria assistir.
Se o primeiro texto eu critiquei um festival que não fui, neste eu falarei de uma peça que não assisti. Não assisti agora, mas assisti semestre passado. Trata-se de uma montagem feita por uma tal de Isa K. (parece personagem de conto do Kafka!) para uma matéria do terceiro ano de artes cênicas da Unicamp da peça As Rãs, do autor grego Aristófanes. Aristófanes foi contemporâneo de Sócrates e seu teatro é divertidíssimo (mais até do que o Flávio), uma espécie de Monty Pithon (sei lá como se escreve) da Grécia clássica.
Não assisti à peça desta feita, que provavelmente sofreu algumas modificações frente àquela que assisti em julho. Mas como sei que eles não jogaram tudo o que foi feito no lixo, posso afirmar categoricamente que a peça continua sendo um lixo execrável. Logo que assisti à peça pensei: não é possível, essa tal de Isa K. deve ser uma aluna, por isso que não entendeu bulhufas de Aristófanes, por isso fez uma montagem desse nível (nem rés-do-chão, o negócio é subsolo 5). Os alunos também, estão em uma universidade, de primeira linha, inclusive, e têm ciência de que esta peça não deve figurar no currículo deles, sob o risco de não conseguirem vaga sequer como ator (ou atriz) de filme pornochanchada. Pois bem, não só descobri que a tal Isa K. não é aluna, mas professora do IA, como a descobri que os alunos iriam reapresentar a peça em cidades da região (e vejo agora que reapresentaram-na na Unicamp).
Em grossíssimo modo, engrossando o relato grosso modo que uma amiga minha me fez da peça, ela é uma sátira pesada ao ideal de pólis grego, tanto é que o herói, Dionísio, vai até o Hades, em busca de autores de tragédia - Ésquilo e Eurípides - para salvar a pólis, e a disputa entre os dois para definir qual o mais apto para salvá-la se dá em discussões inúteis, retóricas e supérfluas, como métrica. Acompanhe meu raciocínio, por favor, pra ver se ele é complicado. Se é sátira é humor, se é humor não é tragédia. Se fosse uma tragédia seria uma tragédia e não uma sátira ou uma peça humorística. Pois bem, aqui está o primeiro pequeno lapso da tal Isa K.. Como bem alertou o professor Flávio (aquele simpaticíssimo, do grego): tem muita gente que, ao ler uma peça de teatro grega, por ver que é da Grécia clássica, acha logo que é tragédia. Até parece que ele havia assistido à montagem da tal Isa K.. Leu a peça, viu que era de Aristófanes, um autor contemporâneo de Sócrates, e já concluiu: é uma tragédia. Com isso já se pode desconfiar que a peça perde muito, mas muito - e bota muito - da sua graça original. Soma-se a isso uma representação um pouco aquém do ator que representou o personagem principal, Dionísio, coisa que eu não havia reparado, mas foi-me dito em uníssono por colegas e calouros do ator, assim como por atores amadores que são meus alunos no cursinho, e por uma amiga minha que nunca fez teatro. Não consegui reparar o Dionísio fraco porque achei que ele não destoou do resto da montagem, que começou, digamos, pífia. Se pífia tivesse continuado, quem sabe eu não estaria agora escrevendo. Mas a tal da Isa K. é uma mulher ousada. Gosta de romper paradigmas, gosta de inovar, gosta de chocar! Pena que ela vive no século XXI e não no século XV. Quem sabe a montagem dela tivesse chocado Gil Vicente. A mim, o maior choque foi pensar que o Gugu, o João Kléber talvez ficassem constrangidos com uma montagem dessa. Complementando a montagem em clima de tragédia de uma comédia, a tal da Isa K. carregou as falas de piadas de duplo sentido, preconceituosas e batidas e enfiou um monte de bunda, perna e peito, mas esqueceu dos órgãos genitais. Quem sabe mostrando-os - ou uma cópula, quem sabe - ela não conseguisse atingir seu objetivo de chocar, de ser vanguarda? Além de constrangido pelos atores (que eu imaginava estarem ali representando porque eram obrigados para ganhar nota), eu já achava que não dava para piorar. Mas não satisfeita com peitos, pernas e bundas, piadas batidas, preconceituosas, de duplo sentido e a montagem de uma comédia em clima de tragédia, a tal da Isa K., já lá pelos fins dos Hades, resolveu enfiar um monte de palavrão. Não satisfeita, botou em cena um pinto de madeira de meio metro de altura que as atrizes passavam de cabeça em cabeça, como chapéu de baiana. Quando eu vi aquilo eu não falei "não dá pra piorar". Ora, se a tal da Isa K. conseguiu chegar tão baixo, ela consegue descer mais. E conseguiu, é óbvio, afinal, trata-se de uma mulher ousada! Conseguiu reduzir a disputa entre Ésquilo e Eurípides a uma briga de gênero: homem contra mulher, mulher contra homem. Na Grécia antiga!!!
Mas não pense, ó leitor e leitora apressada, que só porque a montagem era lamentável, execrável, deprimente, que não seja possível tirar algo de proveitoso. Veja só, vamos ao nosso momento "moral da história". Afinal, história sem moral (moral boa, não ache que é qualquer moral) não é uma boa história, como deixou subentendido a tal da Isa K., ao não aceitar que a comédia do Aristófanes não tinha moral.
Pois bem, a peça As Rãs me trouxe algumas reflexões. Desde que entrei na Unicamp me indigno com a situação precária dos prédios do terceiro mundo da Unicamp - IA, IEL, IFCH. O barracão do IA, o local em que são ministrados os cursos de artes cênicas e dança, então... Como o próprio nome diz, é um barracão, coberto com telhas de zinco, sem isolamento acústico, sem qualquer estrutura para um curso do que quer que seja. Um negócio muito mais precário do que o muito precário prédio da música e das artes plásticas, prédio sem isolamento acústico, sem salas de aula adequadas, sem a estrutura mínima necessária para os cursos ali ministrados. E eu sempre me indignava com tal situação, principalmente da do barracão do IA. Mas depois de ver As Rãs devo confessar: aquele barracão me pareceu um luxo desnecessário, muito além do trabalho que algumas vezes é realizado ali (e olha que, avisado de antemão, eu não fui assistir a Catléia, representada no ano anterior, que tinha como tema algo como 'órgãos genitais', assim digamos, para mantermos um certo nível). Depois daquela peça passei a me perguntar: por que um barracão? eles poderiam ensaiar, ter suas aulas, no estacionamento da Biblioteca Central, desde que não atrapalhasse os carros, é claro. É um espaço à altura da peça As Rãs.
Mas claro, nem tudo são rãs, digo, nem tudo é lixo no departamento de artes cênicas do IA. Já vi muitas peças de bom nível, bom gosto - algumas muito boas, como O Doente Imaginário -, alguns grupos teatrais de alunos ali formados são muito bons e respeitados, como é o caso da Boa Companhia, que por sinal, apresentará este fim de semana a peça Esperando Godot, de Samuel Beckett. Será uma ótima oportunidade para eu falar bem de alguém!
Mas resumindo minha crítica a As Rãs: se algum dia você tiver oportunidade de assisti-la, nessa montagem da tal da Isa K., com a Caos Cia. de Teatro, fique em casa, assistindo Zorra Total, ou alugue o filme do Alexandre Frota. Sem dúvida não serão de mais baixo calão que a peça. Aristófanes não merecia (nem eu, nem o Flávio, aquele simpaticíssimo, do grego)! Fim.

Campinas, 5 de outubro de 2005

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Um novo crítico de arte surgindo?

Há uma máxima muito conhecida que diz: quem sabe faz arte, quem não sabe vira crítico de arte. Pois bem, tendo em vista que não sei tocar nada, não sei dançar, não sei interpretar e não consigo escrever contos, romance ou poemas, tentarei uma última cartada no mundo das artes, ou do que se parece com as artes, ou do que se pretende ser arte. Se minha ignorância artística e meu já conhecido pedantismo como escriba me abrem boas perspectivas, minha relutância em achar que as coisas "in" são "cool", assim como meu visual nada descolado - aqui incluídos os óculos de aro grosso - fecham perspectivas ainda melhores. Mas tentemos. Afinal, não custa nada tentar. Na pior das hipóteses o que pode acontecer é eu passar da categoria chato-pedante para a de mala-insuportável, o que, no fundo, deve ser o intuito de todos aqueles que um dia pretendem ser críticos de arte, ou de coisas que se pareçam com, ou que se pretendem sê-lo.

Creio que o ideal para uma estréia no campo da crítica de arte seja traçar algumas breves linhas sobre minha concepção de arte, usando o argumento da autoridade para defender "minhas" idéias ao jogar duas ou três citações de filósofos e pensadores e escritores - em francês, de preferência. Eu, de minha parte, que é a que importa agora, não sei o que arte, nem nunca fui atrás de saber. Não que eu não tenha interesse: tenho, e muito. Mas tenho interesse em muitas outras coisas também e a estética acabou ficando para um segundo plano, mas de maneira alguma abandonada! Algum dia ainda hei de ter tempo para me dedicar detalhadamente ao assunto. Em suma, assumo que estou aqui para ficar xingando o que eu não gosto e elogiando o que eu acho legal, que é o que todo crítico de arte faz, mas fingindo que está fazendo uma análise crítica de algo que ele não sabe fazer - pois se soubesse estaria fazendo arte e não crítica. Para justificar meu posicionamento (ou será que é para questioná-lo), faço uma citação que não possui qualquer autoridade, ou seja, não tem utilidade nenhuma, mas eu gosto dela, por isso a faço. É uma citação de um aforisma escrito por mim mesmo: "Aqueles que dizem que 'gosto é como cu', o fazem por só conhecer a merda", no caso, a merda empurrada a nós diariamente pela indústria cultural. Esse aforisma é interessante, eu gosto dele, mas ele é curtinho, e não quero pô-lo inteiro aqui. Acreditem em mim que ele é bom (argumento da autoridade).

Começarei minha vida como crítico criticando o Curitiba Rock Festival (repare que o nome é gringo, se fosse em português seria Festival de Rock de Curitiba, portanto, lê-se Curitaiba Róck Féstival). Na verdade, minha crítica só passa por cima do CRF. Fico a perguntar qual o critério usado pela organização do festival para chamar as bandas nacionais. Se é um festival de rock alternativo devia chamar, creio eu, bandas que fazem um rock alternativo. Este fim de semana fui assistir à "Rádio de Outôno" (no cartaz outono vinha com esse acento no ô mesmo), banda de Recife. Na verdade fui assistir à Del-O-Max, mas como tinha essa banda antes e o ingresso era o mesmo, aproveitei. O local da apresentação foi o "Bar do Zé", em Barão Geraldo, um local tosco que merece uma crítica à parte, que ficará para uma próxima.

As perspectivas para a banda eram boas. Rádio de Outôno lembra Violeta de Outono, grande banda psicodélica-progressiva dos subterrâneos paulistanos das décadas de 80 e 90. Recife também é bom sinal: uma das melhores aparições não só do rock, como da música nacional nos últimos anos é de lá e atende pelo nome de Mombojó. Mas Rádio de Outôno não parecia nem Violeta de Outono nem Mombojó. Bateria, baixo, tecladinho e vocal femino. Estava mais para Ludov, banda muito chata que tocou no Curitiba (lê-se Curitaiba) Rock Festival ano passado, quando ainda se chamava Curitiba (lê-se Curitaiba) Pop Festival, e ganhou premios na MTV.

Tenho grande simpatia por bandas com vocal feminino: Pato Fu, Cranberries, Garbage... mas, ao mesmo tempo, tenho grande implicância com vocal feminino. É que vocal feminino tem que ser bom, ou então é chato. É difícil o mais ou menos neste caso. É estridente, é irritante, se tiver gritinhos (que não era o caso da vocalista da Rádio de Outôno), então, fica insuportável. Vocal masculino ao menos dá pra fingir uma voz rouca, fica um negócio tosco, mas que ao menos não irrita (boa parte das bandas alternativas são assim, com louvável exceção à Mombojó). Enfim, a voz da vocalista não era legal não, mas tampouco era chata, creio que ela conseguia ficar no seletíssimo grupo dos mais ou menos. O problema é que ela era muito cheio de pose e de ficar fazendo caras e bocas. Isso me irritou. Afora isso, as letras eram em português (o que mostra que a banda tem coragem), mas eram bem fraquinhas. O pessoal tocava bem. Baixo e bateria estavam muito bem ajustados, tocavam direitinho, no tempo, quadradinho. Justamente por isso ficaram devendo. Para uma banda alternativa faltou um algo além.

O ponto alto da apresentação ficou por conta deles dizerem que iam tocar uma música da "fase psicodélica" do Ronnie Von (nem sei como escreve). Deixou no ar a pergunta: fase psicodélica do Ronnie Von? Talvez achar isso seja indícios de psicodelia da banda.

Em suma: por duas músicas a banda até agrada, mas depois cansa por ser repetitiva. Como disse um amigo que me acompanhava: "não me surpreenderia se eles tocarem Anna Júlia". Não tocaram, mas a música é bem a cara deles. O que serve de estímulo: se Los Hermanos começaram tocando Anna Júlia e hoje fazem música boa, por que eles não podem seguir caminho semelhante? Bem eles tocam, estão no início da carreira, ainda há muito por vir.

E aqui encerro minha primeira crítica artística. Na verdade não é a primeira, primeira, mas a primeira que faço com todo o pedantismo e soberba necessário para tal. Fim.


Campinas, 03 de outubro de 2005

terça-feira, 20 de setembro de 2005

Os defensores do capitalismo

Em uma atividade extra do cursinho comunitário em que trabalho assistimos ao filme "Suplus: Terrorized into being consumers", documentário sueco que critica a sociedade capitalista-consumista, numa linha semelhante à dos manifestantes de Seattle e Gênova. Ao meu ver, o grande mérito do filme - além de ser muito bem feito - é não impôr idéias, mas questionar padrões de comportamentos aceitos como normais. Não fala, por exemplo, "não compre", mas questiona o porquê de se ter um carro caro. Um momento que me chamou bastante a atenção desta vez é seqüência que mostra lojas cubanas, praticamente vazias, pouquíssimos produtos nas prateleiras, para logo depois entrevistar uma cubana, que explica como funciona o sistema de cupons, que supre, segundo ela, todas as necessidades básicas de uma pessoa. A imagem da "perla" - a pasta de dente cubana -, sem rótulo, sem cor, sem nada escrito, choca, assim como chocam as imagens das prateleiras vazias nas lojas. Mas depois resta a pergunta: de que vale prateleiras cheias se grande parte da população passa fome, passa frio? Qual a utilidade de se ter pasta de dentes com embalagem colorida e bonita, com pessoas de rostos europeus e sorrisos esculpidos, enquanto há pessoas que não têm necessidade de escovar os dentes depois das refeições: parte porque já perdeu os dentes, parte porque não sabe o que é uma refeição?
Depois do filme fomos discuti-lo em sala de aula, eu e cerca de 40 alunos. Nada de novo na discussão, mas não é porque algo é corriqueiro que não me choca. O primeiro ponto levantado por um aluno foi o do Fidel Castro ter dito que Cuba é um país democrático. Entramos em Cuba e lá ficamos, talvez por ser um modelo em algo diferente do nosso. Criticá-lo é uma forma de defender nossa forma de vida, esteja ela correta ou não. Questionaram o direito de ir e vir na ilha, ao que eu respondi com uma pergunta: quem ali já havia ido para a Europa. Resposta: ninguém. E para Buenos Aires, Montevidéu? Ninguém. E para o nordeste brasileiro? Três em mais de quarenta alunos. A discussão caminhava na base de ponderações sobre o sistema social cubano e o nosso, até que certa hora uma moça criticou a "perla": não tinha rótulo, era feia, não dizia do que era feito! Aqui o tom da discussão mudou um pouco. Perguntei à moça qual a importância para alguém que não é químico saber a composição da pasta de dentes. Também pus a questão de que se não possui no rótulo os elementos não quer dizer que eles sejam confidenciais, e perguntei se ela, toda vez que comprasse a mesma pasta de dentes, lia o rótulo para ver a fórmula. Aqui a ideologia dominante cerrou fileiras e partiu para o ataque, justamente em um dos pontos que o filme mais critica: e a minha liberdade de escolha?, perguntou outro aluno. Apesar da vontade de responder, tentei ficar quieto, para deixar que a discussão corresse entre os alunos. A resposta veio de uma aluna que disse concordava com o capitalismo, só achava que ele era injusto, e que se fossem pagos salários mais justos seria tudo melhor. Conforme a discussão caminhou para esse ponto me senti na necessidade de intervir, não mais maeuticamente, mas já mais professoral: falei um pouco da publicidade, que hoje não tem a função de anunciar um produto, mas de criar artificialmente a necessidade dele; tentei mostrar com um exemplo banal a produção absurda e desnecessária de lixo que há hoje; e dei meu testemunho próprio de tentativa de consumo consciente e boicote ao consumismo supérfluo, ao que recebi como resposta: se os donos das empresas não mudam, por que deve partir de nós a mudança?
Como eu disse, nada de novo, mas nem por isso deixa de me chocar. Trata-se de um cursinho popular, os alunos são de baixa renda, oprimidos, portanto. E muitos deles vêem na universidade mais que oportunidade de não serem mais oprimidos, mas a oportunidade de em breve se tornarem opressores. Soma-se a isso o medo do novo, do desconhecido e o receio de perder o que podem vir a ter. O resultado acaba por ser: e o meu direito de escolher? Como se a escolha entre dois produtos iguais, mas de cores diferentes, fosse realmente uma escolha. Como se "no Brasil, se se quer viajar para algum lugar ninguém te impede" fosse simples como a frase aparenta ser.
Pois é... as luzes de neon continuam atraindo mais que as cores do pôr-do-sol.

Campinas, 20 de setembro de 2005

domingo, 14 de agosto de 2005

Pinóquio ou Alice?

"Devas são espíritos intimamente ligados e integrados à natureza, trabalhando nela sem questionar. Não são bons nem maus, mas podem ser manipulados pelos humanos para finalidades boas ou ruins. Em um certo ponto de evolução, eles se individualizam, e podem ser confundidos com anjos, ou fadas. Em um certo estado de consciência, algumas pessoas podem vê-los. Podem se apresentar como gnomos, duendes, fadas, sereias, sílfides e outros".
Busquei essas informações no Wipedia (www.wikipedia.org) na esperança de ter um idéia do mundo onde vive Lula. Sei que falto com o respeito devido à instituição da presidência da república e seu ocupante, mas convenhamos, a instituição, salvo algumas raras excessões, nunca foi digna do menor apreço e respeito por parte do povo; já seu atual ocupante, que há muito falta com o respeito pelos seus eleitores, mostra agora faltar com o respeito pelo país e por si mesmo.
A pusilanimidade de Lula não é apenas revoltante, é constrangedora. Sempre que ouço ou leio seus discursos, seja em uma cerimônia seja em um comício fora de época, me pergunto como alguém tem coragem de falar tanta besteira. Não basta ser cara-de-pau, é preciso não ter amor próprio. É patético ver Lula se auto-vangloriando, fazendo questão de ser o mais: começou com o mais ético e agora se proclama o mais indignado.
Mas depois do discurso do dia 12, de duas uma: ou Lula mente com tremenda desfaçatez ou devemos, numa seção espírita, evocar Lewis Caroll, talvez, e pedir um mapa que nos leve até o mundo encantado em que Lula atualmente reside. Talvez tenhamos uma terceira opção: uma maldição pelos 400 anos de Dom Quixote: de tanto ler romances de cavalaria Lula perdeu a razão.
Vamos dar uma olhada no seu último discurso, na esperança de descobrirmos o que se passa com o primeiro mandatário do país:
"Voltamos a crescer, mas desta vez de maneira sustentável". Um crescimento de 3,5% (e olhe lá) não sustenta nem a taxa de desemprego. Esta, aliás, uma das poucas coisas que consegue ficar acima da taxa de juros do BC: 20% e com viés de alta. Além de que a políticia econômica de Lula é idêntica à do FHC: se o crescimento é mesmo sustentável, mérito do PSDB. E fica a pergunta: como se sustentar com R$ 300,00 (R$ 260,00)? Em frente.
"O povo sente a diferença, o país está mudando par melhor". Creio que perdi a sensibilidade...
"Criamos um ambiente favorável para a volta dos investimentos". Com juros de 19% só se for investimento em papéis do governo, conhecido nas bocas como especulação.
"O Brasil tem instituições democráticas sólidas". Ah é? Eu nem sabia que o Brasil tinha instituições realmente democráticas, quanto mais sólidas. Vai ver que são tão sólidas que não permitem a entrada do povo. Só espero que Lula não esteja se referindo ao apertamento de botões de quatro em quatro anos em máquinas suspeitas (e todos os atos de ética e respeito pela coisa pública que antecedem e sucedem o dia do apertamento).
"O Brasil precisa corrigir distorções do seu sistema partidário eleitoral, fazendo urgentemente a tão sonhada reforma política". Duas coisas: primeiro, se as instituições democráticas são sólidas, por que reformá-las? Segundo, se essa reforma é tão sonhada e urgente, por que não foi dada prioridade a ela, ao invés da reforma da previdência, por exemplo, que não foi digna de tamanha veneração?
"Mesmo sem prejulgá-los, afastei imediamente os que foram mencionados em possível desvio de conduta". Percebemos que Lula tem certa dificuldade com advérbios de tempo. O caso Waldomiro Diniz estourou no in´cio de 2004, Dirceu só foi afastado em meados de 2005 (e olha que foi afastado pelo Roberto Jefferson, não pelo Lula). Romero Jucá, mesmo com possíveis desvios de conduta, não só demorou para ser afastado (o que é diferente de imediatamente), como, antes disso, foi nomeado ministro. Bem, talvez a nomeação de Jucá tenha sido de propósito, para o Lula treinar sua velocidade em "afastamentos imediatos". Como, portanto, o imediato no mundo do Lula é um pouco mais lendo do que aqui na Terra, vamos manter a expectativa do afastamento a qualquer momento de Henriquei Meirelles, do BC, acusado de sonegação de impostos, remessa ilegal de divisas, entre otras cositas más; e de Antônio Palocci, da fazenda, envolvido com o advogado Buratti em esquemas de fraudes da G-Tech e Leão e Leão, além do IRB.
Desconfio que muitos dos leitores e leitoras prefeririam agora estar lendo gibi do tio Patinhas, não só por serem divertidos, como por terem a possibilidade de explicar ao menos algo do que acontece no Brasil hoje. Mas eu insisto no discurso do Lula.
Em um momento de narcisismo declara Lula: "Em 1980, no início da redemocratiação DECIDI criar um partido novo em que viesse par mudar as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país". Mais afrente ele diz: "Eu não tenho nenhuma vergo de deizer ao povo brasileiro que NÓS temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas". Realmente, Lula não tem vergonha, o que ele tem é medo, covardia. Na hora de criar o PT ele usa a primeira pessoa do singular. Na hora de pedir desculpa por aquilo que o governo que ele comanda fez, por aquilo que o partido do qual ele é o expoente máximo e comandado pelo seu grupo há dez anos, ele usa primeira pessoa do plural. Mas votando um pouco à primeira frase: "...para mudar as práticas políticas", com o apoio e/ou acordos com Maluf, Quércia, Sarney, Joaquim Roriz, entre outros de conhecida laia? Sim, sei que é um ato cristão acreditar que o homem pode se redimir, mas teria sido melhor que o partido criado por Lula primeiro depurasse as instituições, para depois tentar converter os homens. "Tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país". Fantástico Lula falar isso depois de ter admitido claramente que o PT faz uso de caixa dois, em entrevista ao Fantástico, sob o argumento de que todo mundo faz. Mas creio que Lula falou isso numa lusão à sua campanha (não só a sua, é certo) de 2002, em que foi vendido como sabonete pelo publicitário Duda Mendonça.
"Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído". Bem vindo ao clube, presidente! Agora são 52.000.001! "Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento". Prmeiro achei que o "nunca" se referia ao seu governo, mas é um nunca com valor absoluto. Só assim para justificar seu cheque em branco para Roberto Jefferson, seu atestado de probidade a Quércia, seu acordo com coronéis, corruptos e salafrários de todos os calibres.
Diante disto resta-nos apenas uma dúvdia: no próximo carnaval na Granja do Torto Lula deve ir vestido de Pinóquio ou de Alice?
A oposição começa a falar em impedimento, com a mesma desfaçatez que Lula fala que não sabia de nada. Quem vai votar o impedimento de Lula por corrupção são parlamentares tão ou mais corruptos. Isso seria, no mínimo, imoral. Sei que em Brasília não aportam somente ladrões, mas eles tendem a se concentrar no congresso e senado. De quase 600 parlamentares não acredito que chegue a duas centenas (bem longe disso) os honestos. Se nos focarmos em partidos a situação piora: PL, PP, PTB, PFL, são antes identificadas como quadrilhas do que como partidos. Do PT não é preciso dizer nada, por estar no centro do palco. O PSDB tem seu presidente, Eduardo Azeredo, acusado de crimes eleitorais iguais aos do PT, com direito a Marcos Valério, inclusive. Seu grande expoente, o ex-presidente FHC, tem provas materiais inquestionáveis de participação direta em corrupção e compra de votos, e só não foi alvo de CPI porque, apesar de falar tanta besteira e ser tão covarde quanto Lula, tinha a simpatia da imprensa (não que Lula não tenha, mas não se compara) e sabia se "relacionar" bem com o congresso. O grande gerente Alckmin também já foi pego com a mão na botija, em caso de compra de votos (não sistemática, é certo, como o mensalão) - caso ofuscado pelo brilho da estrela do PT. Sem contar que foi graças ao FHC que a remessa ilegal de dinheiro ao exterior, forma como o PT pagou Duda Mendonça, segundo este, foi facilitada de sobremaneira (ver a coluna de Luis Nassif na Folha de São Paulo de 14 de agosto).
Mas o mais interessante foi o "golpe-democrático" defendido pelo Bresser Pereira, na Folha de 9 de agosto. Segundo ele a sociedade civil deve se arrolar o direito de atropelar a vontade da maioria, expressa pelo voto, caso seja do seu interesse. Por sociedade civil Bresser Pereira entende aqueles que tem "conhecimento", "dinheiro" e "capacidade de comunicação e organização", como aqueles figurões que se indignaram com a autuação da dona da Daslu por sonegação de imposto. O bacana é que quem fala que Lula não tem condições morais de seguir no governo não só participou do governo que institucionalizou isso que hoje vem à tona, como foi tesoureiro a campanha de FHC em 98, que contou com um caixa dois conhecido de 10 milhões de reais.
E enquanto o PSDB defende essa sociedade civil, enquanto PT defende (atualmente é defendido) os sindicatos pelegos, ao povo resta buscar seus representantes no gramado.
Alguém viu a tirinha do Níquel Náusea ontem?

Campinas, 14 de agosto de 2005

sexta-feira, 29 de julho de 2005

A alfândega falha, a polícia não

Meu irmão acha que estou muito animado com teorias conspiratórias, mas continuo com a mesma opinião desde quando fiquei sabendo do assassinato do brasileiro pela política britânica - inclusive os fatos que vão sendo revelados aos poucos corroboram minha tese: a polícia britânica não se equivocou, sabia quem era e qual a situação de Jean, e sua tarefa foi cumprida com louvor. Aos fatos.
A inteligência da polícia britânica, ao contrário da brasileira, não é burra. Cometer tal equívoco seria uma gigantesca desmoralização, digna de críticas e não de elogios por parte dos governantes. Ainda mais depois de "não conseguir prever" os atentados de 7 de julho, mesmo quando todos sabiam que a Inglaterra era alvo preferencial de terroristas.
Segundo escreveu o filósofo francês Guy Debord, em Comentários sobre a sociedade do espetáculo (encontrado em copyleft na internet), em 1988, no início do século XX a máfia (e o crime organizado em geral) estava fada a se extinguir, devido à racionalização crescente do estado de direito. Entretanto, devido à necessidade de extirpar certos problemas sociais os governos notaram a utilidade do crime organizado para a realização das tarefas "sujas". Se viermos para o fim do mesmo século XX não é preciso sequer mencionar quem armou, treinou e financiou os dois maiores sanguinários da atualidade, segundo a imprensa chapa branca internacional.
Acontece que os terroristas (o terrorismo não deixa de ser uma corrente do crime ornganizado) fugiram do controle, aparentemente. Falo aparentemente porque, se repararmos bem, os EUA foram enormemente favorecidos pelo 11 de setembro de 2001. Tiveram um pretexto ótimo - muito melhor do que a guerra contra as drogas - para fincarem suas botas onde tinham interesses. A Inglaterra, ou melhor, os donos do poder inglês, com os ataques em seu território, também ganharam: o IRA, Exército Republicano Irlandês, acusado de terrorismo (apesar de não merecer a mesma denominação que a Al Qaeda, conforme já discorri em crônica de 1 de março de 2004), vendo que poderia ser utilizado como bode expiatório nos recente ataques, anunciou a deposição das armas. O outro ganho é a justificativa par o "atirar na cabeça", ou seja, atirar para matar. Debord, no texto citado, também fal dessa grande vantagem do terrorismo: ele autoriza os governos a tudo (menos a conversar com os terroristas, como a polêmica suscitada na Espanha no início de 2004). Aqui entra o assassinato do brasileiro: a guerra ao terror justifica equívocos como esse. E sob tal argumento põe-se todos os imigrantes ilegais em um estado de estresse contínuo. Se a alfândega não está funcionando direito, a polícia está. Os imigrantes ilegais, diga-se de passagem e não sem propósito, são freqüentemente alçados pela direita européia à condição de causadores do desemprego, do aumento da violência, da piora da qualidade de vida. Imagine o medo permanente das milhares de pessoas que vivem na Inglaterra ilegalmente: se a polícia "confunde" um latino-americano cristão com um terrorista árabe muçulmano e ainda assim é elogiada, o que não fará com africanos e árabes de qualquer religião ou muçulmanos de qualquer região? O recado foi dado: quem correr da polícia (expediente comum entre imigrantes ilegais) morre, quem ficar é extraditado.
Bush, Blair podem muito bem utilizar como filosofia de vida o título do filme do Kubrick: como parei de temer a bomba e passe a adorá-la.

Campinas, 29 de julho de 2005

quarta-feira, 20 de julho de 2005

Beleza, pode pôr sem título esta bagaça.

...e lá estava o recado no meu Orkut. “A Paula pede para avisar que ela está organizando mais um Zine2 e conta com vossa modesta colaboração.” Minha colaboração?! Tarefa árdua... Um zine é algo duradouro, não comporta uma crônica política ou algo do gênero, falando da corrupção ou da elevação da DRU - que retira recursos da saúde, educação e segurança para pagamento da dívida e dos juros -, que estaria superada em uma semana. Um texto aqui deve almejar a eternidade! Sem dúvida, uma enorme responsabilidade. Mas é difícil recusar um pedido desses, feito da forma que foi feito (via Vannucci). Aceito, portanto, o convite para participar do famigerado Zine2! Sed quid scribus ad Paulae zineam?

Fui dar uma olhada nas edições anteriores que eu tinha comigo, tentando sentir o “clima” do zine quando... ‘Pera lá! Por que Zine2? Eis a dúvida que se me abateu. E ninguém para me explicar. 2, por que 2 e não 1, 3, 21? Dizem que o segundo é o primeiro dos últimos. Será por isso? Ora, se é assim, é melhor ficar mais pra trás, que a cobrança é menor.

2. 2 não tem nenhum significado especial. Claro, melhor Zine2 do que Zine13, Zine 25, Zine45, Zine56... Mas ainda assim, 2? 2 é um número sem quê nem porquê. Que falta de tato numerológico! Por que não escolheram um número com mais presença? ‘Tá, é certo que 1 é uma baita pretensão. Quem se proclama o número 1 geralmente é um fracassado que um dia acreditaram que tinha chances de realmente ser o primeiro. Mas 2 é admitir o fracasso. Que tal 3 ou 7? São números bacanas: tem um quê cabalístico, que sempre cai bem nas publicações que pretendem ir além do comum, do vulgar.

Começa que 3 e 7 são primos. E eles estão presentes na nossa vida de maneira assustadora, desde a antigüidade. Deus é três. Nas olimpíadas, as medalhas são para os três primeiros. Os dias da semana são sete. Sete são os pecados. Os princípios do movimento para Aristóteles são três. Se somarmos esses princípios ao número de causas (quatro), temos sete. As listas dos melhores são sempre os 10+ (3+7). Os mandamentos também são dez.

E o dois? A primeira vez a gente nunca esquece, já a segunda... alguém se lembra? Poderia ser usado para defender o 2 do Zine2, o argumento de que os textos aqui publicados são obra de profunda reflexão e não uma mera primeira versão, ainda tosca. Pero no creo. Digamos que isto não parece ter muito respaldo na realidade. Também não creio que a maioria que contribui com esta ou qualquer outra edição (tirando a segunda) o faça pela segunda vez. Eu, por exemplo, é a primeira vez (pelo jeito, é também a última que me chamam pra contribuir). Se eu contar participações em revistas da faculdade, cartas em jornais, esta deve ser a sétima vez que publico algo. 7, vê só? É um número cabalístico, sempre presente!

Alguns, como a dona-idealizadora-diretora-redatora-diagramadora-contribuidora do zine, por exemplo, mais afinada com a leitura de mão do que com a numerologia, podem não gostar de um nome em que está evidente o intuito cabalístico. Conheço bem as armadilhas da língua, inclusive conheço um japonês assim chamado, e ressalto de antemão que o uso que farei desta palavra encontra-se no sentido tradicional do português, ou seja, de sugestão. Pois bem, sugiro que o nome poderia ser Zine37 ou Zine73, evitando assim uma disputa por qual dos dois números (epa, um dois!) cabalísticos escolher, agradando a gregos e troianos, botafoguenses e comercialinos, sendo que 37 e 73 são, inclusive, primos.

Antes que achem que todo este meu blábláblá é inútil e despropositado, deixo claro que o que fiz aqui foi uma pequena e singela crítica dialética, ao melhor modo da dialética hegeliana, transformando o dado (no caso, o Zine2) em um produzido, utilizando também dos imprescindíveis recursos da cabala, da numerologia e da astrologia; tentando, destarte, adequar as nobres pretensões que sei servirem de norte a este zine - histórico já desde seu primeiro número -, a um nome condizente com uma publicação digna do panteão de Apolo e da Brazilian Letters Academy.

Entretanto, feito a crítica ao zine, falta a crítica à crítica, momento crucial para notarmos as falhas da crítica, e mais ainda, para achar um nome pro texto. Haja vista a frase em latim, a citação em espanhol, a menção a Hegel, Aristóteles, Deus, pecado, Botafogo e Comercial, Orkut, Paula e Vannucci, Apolo, cabala, a vontade que dá é de chamá-lo de “Crítica Romana ao Zine2”. Entretanto devo reconhecer que, não tendo citado Maquiavel, Voltaire, Diderot, Roussseau, Espinosa, Descartes, Malebranche, Montaigne, Leibniz, Vico, Montesquieu, d’Alembert, Pascal, Marx, Weber, nem outra meia dúzia de filósofos, este texto não é digno do digníssimo filósofo Beto Romano, que em um texto de igual tamanho comportaria ao menos 21 filósofos, citações em francês, italiano e latim. Mas ainda sou estudante, estou aprendendo. Sei que se muito me esforçar aos 59 estarei quase tão pomposo quanto o supracitado, ganhando aplausos pela minha verborragia incompreensível.

Pois bem, finda a crítica à crítica, como manda os bons princípios da filosofia crítica, resta-nos agora fazer a crítica da crítica à crítica. Repare que, se não fizermos esta crítica da crítica à crítica estaremos incorrendo no tradicional erro de achar que chegamos ao princípio (ou seria ao fim?), quando na verdade estamos no meio do caminho. Por isso, faz-se imprescindível perceber que, se comentamos da obra de Hegel, Aristóteles e Romano, precisamos fazer uso dos autores clássicos da modernidade, como Kant, por exemplo. Já que falamos em princípio e fim, este ponto é assaz pertinente para começarmos uma crítica crítica da crítica à crítica...


Pato Branco, 20 de julho de 2005 - texto pro Zine2

quarta-feira, 25 de maio de 2005

Corrupção tem solução?

Já há um certo tempo, e em especial desde a semana passada, os jornais foram invadidos por notícias de corrupção em doses espantosas. Jucá, Merielles, Correios, deputados de Rondônia, prefeitos de Alagoas, concursos públicos (sem contar o já velho Waldomiro). Será que o Brasil está perdendo o rumo? Ou será que o rumo já está perdido faz tempo, mas só agora estamos nos dando conta? Há quanto tempo a corrupção está impregnada nos hábitos da nação? 40 anos? 50? 120? 500? Mas parece que não era tanta um certo tempo atrás? Será? Será que a famosa cervejinha pro guarda, pra fugir da multa, foi instituída na década de 90? Aqueles que ainda se surpreendem com toda essa corrupção que agora surge nos noticiários devem se preocupar: estão levando suas vidas como autômatos, enxergando e pensando somente aquilo a que estão pré-programados.

Infelizmente parece ser uma máxima universal: onde há poder, há corrupção. Se houver dinheiro, há mais corrupção. Não importa quanto poder ou quanto dinheiro esteja em jogo. E, pelo menos no Brasil, certamente não é com a minha geração que isso irá mudar. Lembro da minha experiência no centro acadêmico da faculdade. Um orçamento minúsculo, um poder beirando a completa insignificância. Um nada, enfim. Meus colegas - futuros filósofos, políticos -, no auge do idealismo dos seus vinte anos, corrompendo e sendo corrompidos, achando tudo isso normal. "É assim que as coisas são", sem questionar porque elas são como são, simplesmente aceitando e tentando se adequar o melhor possível para, somente então, começar a agir. Como se fosse possível acabar com a corrupção corrompendo.

Cito minha experiência no centro acadêmico (do qual, diga-se de passagem, fui chutado e execrado por não querer dançar conforme a música) porque o Lula falou, se não me engano durante a campanha de 2002, que só do PT entrar no governo metade da corrupção do governo passado acabaria. Dito e feito! O problema foi que ele, ao invés de tratar de extirpar a outra metade responsável pela corrupção, preferiu não só mantê-la, como pôr os seus pra dançarem a mesma música.

E o PT, de virgem imaculada da ética passou a cafetão do bordel estatal. Mas ainda não percebeu isso.

As declarações de Lula sobre Roberto Jefferson, mostram que ele ainda acha que possui o beneplácito das virtudes ética e morais republicanas, como se sua palavra fosse garantia de probidade. Não percebe que esse seu capital já havia sido consumido de sobremaneira quando passou o atestado de ilibado para Orestes Quércia, em 2002. O que restou desse capital se esgotou rapidamente depois do PT assumir o poder federal. Se ainda resta ao PT algo dessa imagem de partido ético, é porque ela está sendo duramente sustentada a pesados golpes publicitários, ou então por algum saudosismo que nos faz querer não acreditar no que vemos (me incluo neste grupo).

Temos de convir, é verdade, que o PT, em especial o presidente da república, por enquanto não enfiou (pelo menos que nós saibamos) diretamente a mão na lama, tal como seu antecessor (do qual há provas incontestes de corrupção, como na ocasião da privatização das estatais telefônicas). Mas ser conivente com a corrupção já basta para ser culpado.

Então... está tudo perdido? Muito pelo contrário! Reconhecer o problema é o primeiro passo para resolvê-lo. O problema é conseguir manter o ânimo mesmo quando tudo parece andar contra. E isto é essencial, pois não há um super-herói solitário esperando ser chamado para acabar com os problemas. E não será com a prisão de políticos, policiais, jornalistas, burocratas, juízes, empresários, advogados, publicitários, sindicalistas, médicos, estudantes, donas-de-casa corruptos que o problema da corrupção estará sanado. Se a ocasião faz o ladrão, precisamos não só prender o ladrão como evitar a ocasião. Como? Passo a palavra.

Campinas, 25 de maio de 2005

terça-feira, 17 de maio de 2005

Requião: um pouco menos pior?

Não escondo minha simpatia - guardadas muitas ressalvas - pelo atual governador do Paraná, o senhor Roberto Requião (PMDB). Não acompanho em detalhes sua administração, assim como a de nenhum outro governador do país, mas pelas notícias que leio (majoritariamente oriundas da grande imprensa), mostram um governador mais voltado para as questões sociais e problemas das pessoas do que para estatísticas, planilhas de gastos e politicagem rasteira. Não que ele não esteja imune à imundice inerente à política atual tupiniquim (e não falo em corrupção, falo em disputa de poder), mas ele não deixou de manter uma linha coerente entre o que dizia na campanha e o que fez no governo, inclusive fazendo uso das apocalípticas "quebras de contrato" com as empresas (porque quebra de contrato com eleitor não é problema).

Com relação ao MST, por exemplo. Tem sua posição clara e não faz jogo duplo. Se não dá todo o apoio que militantes e simpatizantes do movimento julgam necessário, em momento algum ameaça criminalizar o movimento ou seus líderes. Pelo contrário, "criminaliza" as milícias armadas dos proprietários rurais que ameaçam os integrantes do MST. O argumento para a existência dessas milícias é que elas surgiram justamente por causa da leniência do governo para com o movimento, falácia completa, primeiro porque dialogar não é ser leniente, e segundo porque tais milícias existem inclusive nos estados onde o movimento é criminalizado.

Outra prova de que Requião enxerga além de tabelas de dados se deu esta semana, com a demissão do comandante da PM de Londrina, major Manuel da Cruz Neto. Enquanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) é acusado por entidades ligadas aos direitos humanos de permitir a execução da Operação Cachoeirinha, que resultou no assassinato de 30 pessoas pela PM, no que seria uma farsa montada justamente para a execução dessas pessoas; enquanto o governo de Goiás, do senhor Perillo (PSDB) considera um sucesso matar duas pessoas na desocupação de um terreno em Goiânia (Perillo agora está sendo crucificado pelo partido por ajudar o MST na sua marcha a Brasília); enquanto José Serra tem agido contra resoluções da ONU pelo direito à moradia, tirando a "casa" de famílias que não tem para onde ir, sem dar qualquer auxílio a elas, em nome da revitalização do centro da cidade; Requião demitiu o major por ter dito que o assassinato por espancamento de um jovem de vinte anos pela polícia foi um "acidente de trabalho". Os dois PMs que participaram da "operação", além de outros 30, também foram afastados (o jovem foi morto por se recusar a baixar o som de casa).

Sem dúvida é pouco. Não digo nem que seria o ideal, mas o mais elementar seria que a polícia protegesse a vida acima de tudo, fosse de quem fosse; e que um assassinato por parte da PM fosse um absurdo impensável, digno de fazer cair até o governador. Mas como o Brasil é Brasil, já é um grande avanço que policiais estejam sendo presos por contrabando de arma e formação de milícias contra MST, ou que sejam presos e afastados por assassinarem cidadãos ou simplesmente por não acharem isso abjeto. Essa mesma polícia, no governo anterior, do senhor Jaime Lerner (ex-PFL, hoje PSB), assassinava trabalhadores sem-terra e isso era tido como "acidente de trabalho".

Campinas, 17 de maio de 2005

sábado, 14 de maio de 2005

A arte de fazer política sem povo

Pergunto à leitora e ao leitor que acompanham os acontecimentos políticos destes tristes trópicos: quantas vezes ouviram da boca de políticos, nestes últimos atribulados meses, que algo era o melhor para o povo - ou melhor, para não pedir muito -, o melhor para o Brasil? Em algum momento foi usado o argumento de que a vitória do candidato oficial ou do candidato oposicionista nas eleições das casas legislativas - tanto da cidade de São Paulo, quanto do estado, quanto a câmara federal - traria maiores melhorias para os babacas, digo, eleitores, que costumam participar da grande farsa da democracia brasileira? Alguém lembra do Lula ou de algum de seus ministros falando da grande experiência que o deputado Greenhalgh possui e que seria de vital importância para a votação de medidas que atendessem aos anseios expressados por mais de 50 milhões de brasileiros no longínquo ano de 2002 quando votaram em um partido e um candidato que falavam em "mudança, ponto"? Ou do FHC enumerando a nobres qualidades, sempre a serviço do povo, que justificaram o seu apoio logístico e o peso político usado para eleger Severino Cavalcanti?

É certo que um dos objetivos de um sistema representativo é justamente manter a rafuagem a uma saudável distância do poder (não preciso explicar pra quem essa distância é saudável, preciso?), mas a política no Brasil conseguiu atingir um nível de desdém para com o povo, um nível de abstração da realidade existente fora das esferas estritas do poder, que é de uma violência chocante. É um tal de partido X tentando enfraquecer partido Y, que se cobra no partido X com a ajuda do partido Z, que barganha mais poder com partido Y, sob ameaça de ajudar a fortalecer o partido X, caso esse acabe não aceitando a barganha do partido W, que pra se fortalecer precisa enfraquecer o partido V, que mesmo apoiando X barganha com Y; tudo discutido em termos de ministérios, secretarias, cargos, comissões e alianças para as próximas eleições. Projeto para o Brasil? Quem sabe depois de um desses partidos conseguir se tornar um PRI tupiniquim sobre tempo para pensar em um.

Esta semana a política deu mais uma pista para procurarmos em que dimensão ela se encontra: na eleição da câmara dos deputados para a escolha de um representante da casa para o órgão fiscalizador externo do poder judiciário, entre o candidato do governo, Renault, que tinha como a maior qualidade o fato de ser a opção do governo, a câmara preferiu eleger Alexandre de Moraes, cujas "qualidades" são ser do PFL, secretário do governo Alckmin e presidente da Febem. Mesmo que este ano você não costume se informar sobre o que aconteceu no dia nem duas vezes por semana, é bem provável que você tenha se deparado mais de uma vez com alguma das quase 30 rebeliões na Febem, se não com algo sobre tortura, transferência de menores para prisões, entre outras provas de boa governança da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (sic) que o sr. Moraes deu continuidade.

Não vou me alongar muito para dar outros exemplos batidos, como a reforma ministerial, os relatórios do ministério da fazenda, que falsifica dados para tentar provar que gastar em programas sociais não alivia a pobreza; a provável substituição do procurador-geral da república, Cláudio Fonteles, por alguém do estilo de Geraldo Brindeiro (o engavetador-geral nos reinados FHC), já que Fonteles tem posto os interesses da república acima dos do poder.

Mas não se preocupe, ano que vem é ano de eleição, e se os Dudas Mendonças e Nizans Guanaes fizerem bem o seu serviço a gente pode até fingir acreditar que no fundo, no fundo, nossos políticos fazem tudo isso por estar sempre pensando no bem estar da população em primeiro lugar.


Campinas, 14 de maio de 2005

domingo, 3 de abril de 2005

Frio ou humano?

Conversava eu ontem com uma amiga e ela comentava que, ao ver na tv a notícia da chacina na baixada fluminense, não se conteve e começou a chorar tamanha barbaridade. Isso me fez lembrar de um caso em 2000, quando eu assisti no noticiário da tv (aquela época não só eu tinha tv como ainda perdia tempo na frente dela) que a polícia do Paraná, então governado pelo senhor Jaime Lerner (ex-PFL, hoje PSB), para impedir que uma passeata do MST continuasse sua marcha, matou um integrante e tratou os demais em total desacordo com os direitos humanos. Tremi de raiva, por pouco não chorei, ao ver aquelas pessoas sendo tratadas como trastes. Hoje, passados cinco anos daquele meu acesso de raiva, depois de muita leitura, muita vivência, muita notícia de assassinatos de integrantes do MST, da Pastoral da Terra, de pessoas inocentes e "culpadas", de chacinas de crianças, jovens, mulheres, adultos, velhos, pobres; de guerras cirúrgicas, de atentados terroristas, me pergunto se estou mais frio, mais "calejado" - para usar um termo mais eufemístico -, pois apesar de me indignar, não me comovo mais da forma exacerbada como antigamente.

Ao mesmo tempo me pergunto: será possível que esse "sentimento profundo", produzido a partir de uma imagem de tv, de uma "imagem espetacular", seja autêntico? Será que tenho tamanha empatia por essas pessoas distantes, que eu sequer sabia que existiam, que continuo sem saber nada além do que foi noticiado na tv, que nunca me atingiram diretamente, a ponto de chorar sua desgraça como se fosse a de um parente próximo e querido? Não seria esse sentimento o mesmo - e de mesma intensidade - que muitas pessoas sentem ao assistir um drama romântico com a Julia Roberts?

Assistimos a essas notícias sobre barbaridades gritantes, choramos, trememos de raiva por cinco minutos, falamos depois disso a quem encontramos primeiro "Que barbaridade!", e nossa indignação se dilui na barbárie quotidiana, descompromissados pelas lágrimas de qualquer ação direta, pois tudo está tão distante de nós.

É claro que uma chacina é de uma dimensão muito maior do que um problema familiar qualquer; mas preferimos nos envolver mais com o primeiro do que com o segundo, pois afinal é muito mais cômodo se envolver com uma notícia da tv, que apresenta algo que já foi, e que portanto, não nos permite fazer nada a não ser chorar cinco minutos, recostados no sofá da sala com o ar-condicionado ligado para espantar o calor, do que ter que conversar com o vizinho, uma conversa que pode durar horas sobre um assunto enfadonho, que continuará amanhã, e depois de amanhã, e depois de depois de amanhã, em locais muitas vezes desconfortáveis, fazendo com que ajamos de verdade, pensemos em atos possíveis e conseqüências almejadas, tomando nosso precioso tempo - que poderia estar sendo utilizado de maneira produtiva - numa novela em que não tem pessoas bonitas nem a certeza de final feliz.

É curiosa essa relação pessoal que dispensa o próximo. Preferimos manter nossa humanidade com sentimentos de mentira.


Campinas, 03 de abril de 2005

segunda-feira, 28 de março de 2005

Carta pra folha: Gabeira

Fantástica a sensibilidade de Fernando Gabeira em seu artigo "Blues da piedade em versão guarani-caiuá" (Ilustrada, pág. E10, 26/ 3): onde seus colegas vêem apenas números, cifras e estatísticas, Gabeira consegue ver pessoas, consegue ver vida -ainda que uma vida sofrível, difícil, severina, a fugir diariamente da morte sempre à espreita. Torçamos para que essas flores de humanidade que insistem em brotar em meio ao lodo do poder sejam um dia maioria e tenham força o bastante para embelezar os caminhos da vida, e não apenas adornar a morte.

Campinas, 28 de março de 2005

terça-feira, 15 de março de 2005

Esclarecimento sobre o ato no bandejão dia 14 de março

Apesar de diversos grupos estarem desde o ano passado se manifestando em oposição ao cartão universitário (C.U.), ao menos na forma com que ele tem sido implementado, cremos ser válido mais uma vez trazer nossas dúvidas à comunidade acadêmica, visto que este movimento de questionamento ganhou destaque após o ato no bandejão esta segunda-feira, 14/03.

A invasão do R.U. foi tirada em assembléia do DCE, quarta-feira, dia 09/03, e teve o apoio de CAs e de diversos grupos não ligados ao movimento estudantil tradicional (Bateria Pública, Bateria Alcalina, Surplus-Unicamp, além de alunos de diversos institutos, IA, IEL, IFCH).

Nossos questionamentos quanto ao C.U. recaem em três aspectos principais:

1) a forma como foi implementado, sem o debate esperado em uma universidade que se encontra em uma sociedade democrática de direito;

2) a falta de transparência no contrato firmado entre a Unicamp e o Banespa-Santander: o que sabemos é que nos primeiros cinco anos o banco bancará as despesas, mas... e depois? Já é perceptível o direcionamento dos alunos a abrirem conta no banco Banespa-Santander ou Banco do Brasil, único meio de evitar três filas para almoçar; e

3) o controle despropositado sobre a vida estudantil: não há qualquer motivo razoável para o controle da entrada nas bibliotecas, além de que esta medida prejudica academicamente os alunos, impedidos de estudarem ou se utilizarem da estrutura da biblioteca caso esqueçam o C.U. Não é despropositado acreditar que em breve esse controle se expanda para as salas de aula, para controle de freqüência, atentando contra a liberdade pedagógica dos professores e aumentando ainda mais a burocracia interna (quem precisou ir na DAC este ano já pode constatar o aumento da burocracia).

Além disto,causa-nos indignação não haver a ampliação da estrutura (física e humana) para atender ao aumento de vagas na Unicamp.

O ato de segunda-feira foi uma medida radical, sem dúvida, mas diante do completo desdém da reitoria para com os estudantes essa medida nos pareceu a única capaz de abrir o diálogo entre estudantes e a instituição, como atestam diversos exemplos, como o SUBA ou a greve de 2004 (que só foi reconhecida oficialmente com a ocupação da reitoria e teve seu fim antecipado quando os funcionários começaram a radicalizar).

Como o pula-catraca desta segunda se tratava de um ato questionador e radical, natural que houvesse grande tensão entre os seguranças e os alunos; mas estes fizeram questão de que o ato fosse não-violento e, pelo menos por parte dos alunos, assim foi feito: não houve qualquer agressão física ao pessoal da segurança que tentou barrar o ato. Evitou-se também ao máximo o dano ao patrimônio público: a máquina fotográfica com a qual a segurança registrava o ato , e que por nós foi tomada, será devolvida. Quanto ao crachá que um vigilante deu por falta, levantando a possibilidade dele ter sido pego por alguém da manifestação, reiteramos o que temos dito desde o início: não pegamos o crachá de ninguém; ele pode muito bem ter caído no empurra-empurra da manifestação.

Aproveitamos a visibilidade da manifestação desta segunda para trazer novamente as nossas reivindicações:

1) que o contrato entre a Unicamp e o banco Banespa-Santander venha à público na sua íntegra e seja verdadeiramente discutido na comunidade;

2) rediscussão do papel das empresas privadas na relação com a Unicamp (tendo em vista se utilizarem de recursos públicos para interesses particulares, como no caso do Banespa-Santander, Ajinomoto, Microsoft, UOL, entre outros);

3) fim da obrigatoriedade do C.U. para entrar nas bibliotecas e no Restaurante Universitário;

4) venda de créditos do bandejão também no R.U.;

5) a construção de outro restaurante universitário, em local acessível.


Campinas, 15 de março de 2005

PS: Fotografar os organizadores têm sido um procedimento comum sempre que há manifestações ou festas na Unicamp; estas fotos, acreditamos, poderão ser utilizadas em um dossiê contra um aluno escolhido como bode-expiatório.

Para: Surplus-Unicamp

quarta-feira, 2 de março de 2005

Elefante

Se um dia eu fosse fazer uma lista de filmes para mostrar mais ou menos como eu vejo o mundo, Elefante, de Gus van Sant, certamente estaria nela (sugiro àqueles que ainda não assistiram ao filme e pretendem um dia fazê-lo, encerrar esta crônica por aqui). O filme foi lançado em 2003, mas só tive a oportunidade de assisti-lo ontem. O filme - uma sutil homenagem (ou seria crítica?) a Laranja Mecânica, de Kubrick - mostra o dia de alguns alunos de uma escola estadunidense no dia em que dois estudantes do último ano resolvem promover uma carnificina na escola. O genial do filme é que ele trata da violência, mas o tema principal é a sua banalização. O modo encontrado pelo diretor para mostrar essa banalização foi justamente dar cores banais ao filme, aos personagens, à rotina da escola. O diretor consegue passar essa sensação de banal às rotinas banais de pessoas banais, não muito diferentes de nós.
O filme é de uma objetividade que deveria ser chocante, se não estivéssemos tão acostumados: acompanhamos os jovens cujo quotidiano a câmera capta e vemos cabeças em que não se passa qualquer drama existencial, moral, em que encontramos o mínimo de subjetividade possível. Não são estereótipos, gostariam de sê-lo. Gostariam de ser todos o mesmo estereótipo: pessoas bem sucedidas, atraentes e sem fraquezas. É aqui que está a violência do filme: a violência quotidiana desses jovens para tentarem se enquadrar nesse estereótipo. Violência direta e indireta, interna e externa. A diferença entre as amigas bulímicas e a moça nerd e feia, é que as primeiras tiveram sucesso na sua empreitada em se adequar, através de uma violência direta contra o próprio corpo, enquanto a segunda, oprimida pelo seu fracasso prefere violentar-se escondendo-se e ao seu corpo ao máximo, ao mesmo tempo em que é rejeitada e ridicularizada pelas colegas. O filho do pai alcoólatra que chora escondido também se violenta ao conversar com seu amigo cinco minutos depois como se não houvesse nada a incomodá-lo. O mesmo com o garoto que comandará a matança, humilhado em sala de aula pelos colegas, que se não esboça qualquer reação no momento, se limitando a ir se limpar no banheiro, e que por falta de diálogo prefere resolver suas pendências e frustrações atirando contra todos (diálogo esse que o filme só mostra existir, timidamente, é certo, no "grupo de gays e héteros", ou seja, numa situação forçada).
O filme consegue tão bem banalizar essa banalização do nosso quotidiano, que ela nos salta à vista quando os dois amigos promovem a carnificina no colégio e isso não nos choca: é apenas outro ato de violência, a mesma violência a que nós assistimos até então e permanecemos indiferentes, um ato extremado de uma banalidade que não nos incomodou quando em doses (teoricamente) homeopáticas.
Como eu disse, um filme que aborda a violência e sua banalização. A banalização da violência praticada contra o diferente. A banalização da violência praticada contra si próprio. A banalização da violência inerente ao próprio sistema, que condena a pessoa a ser uma máquina de produzir e consumir. A banalização de uma sociedade em que as pessoas não conversam, não se conhecem, não se amam. A banalização da indiferença pelos problemas dos outros. A banalização da violência que é uma rotina tocada em frente sem pensar e sem sentir. A banalização da violência que é quotidiana, e por ser quotidiana nós não pensamos nela, e aceitamos, como algo natural, normal. Violência que passeia como um elefante pelas ruas da cidade, pelas páginas dos jornais, pelos canais da televisão, pelas conversas de bar, pela nossa sala de jantar, e que nós insistimos em ignorar. Elefante que ocupa cinco páginas de jornal para falar da saúde de alguém que já há tempo, devido à própria idade, está no bico do urubu, e três pra falar da maior chacina do Brasil.
Que o filme de van Sant nos faça pensar um pouco se tudo o que é rotineiro é bom.

Campinas, 02 de março de 2005

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

Milho aos pombos ou esperança aos abutres?

Se a vitória do Lula em 2002 foi a vitória da esperança sobre o medo, então eu perdi a esperança.

Sei que não devemos esperar tudo do governo, mas devemos no mínimo esperar que ele não atue contra o povo que diz representar.

Finda as férias volto pra Campinas. Minha casa foi arrombada, mas ainda digo: tenho sorte. Tenho sorte porque minha casa foi arrombada? É que o pouco que eu tinha de interessante (máquina fotográfica e aparelho de som) não estavam em casa no momento do arrombamento, os documentos que estavam aqui não foram levados, os arrombadores não resolveram se vingar da ausência de coisas de valor vandalizando livros e móveis e, principalmente, eu não estava em casa na hora em que entraram - ao contrário de uma casa a 50 metros da minha, cujos donos foram rendidos por homens armados.

Diante da sorte que me cerca, poupa-me o trauma, mas resta-me o medo. Mas o dono da casa já avisou: a partir da semana que vem estarei morando numa jaula, com grades nas portas e janelas. Disse também que quem está arrombando é um grupo de pivetes, mas que a polícia já está em cima e logo logo vai pegá-los. Respiro aliviado? De que adianta prender meia dúzia de arrombadores mirins? Treiná-los na Febem para fazerem o trabalho bem feito? Por quanto tempo vai durar a "paz" no bairro? Dois meses, talvez três, no máximo seis. Mas o problema não será solucionado. Como resolver o problema? Empregos, bons salários, oportunidades para os moradores da periferia, como boas escolas, áreas de lazer, cursos profissionalizantes - coisas que não aparecem na tv nem repercutem nos formadores de opinião. Mas é preciso ter paciência para que as soluções efetivas mostrem seus resultados. Foram duas décadas "perdidas" - estamos indo para a terceira - para a situação chegar ao ponto que chegou, não será em seis meses que será revertida. Se as medidas para a redução (e não disfarce) da violência forem postos em prática em 2005 colheremos seus primeiros frutos em 1015. Mas o governo já avisou que não serão postos em prática em 2005. 2006? Talvez, depende da fé de cada um. Eu não acredito.

Lutar por um país melhor. Até que ponto se está disposto a pagar por isso? Os donos do dinheiro já mostraram que não estão para brincadeira. Seis meses atrás fizeram uma profilaxia social no centro de São Paulo. Agora, diante das mortes de uma freira da Pastoral da Terra, sindicalistas e camponeses, os ruralistas divulgam uma nota em que é possível notar os respingos da champagne - provavelmente francês - aberta quando souberam da notícia.

Apelar para as autoridades, como fez a freira Stang um ano antes de ser morta? Para que? Para certificar com os próprios olhos a inépcia de um estado falido e corrupto? Para quem sabe receber uma carta do presidente ou do secretário dos direitos humanos com os dizeres: "estamos rezando
por você"?

A polícia parece ainda pior. Põe mais medo que os bandidos. O secretário de segurança do governador Alckmin (PSDB) já avisou que o estado democrático deles não permite protestos. "Sai por bem ou sai por mal", disse. Seja perueiro, seja estudante, seja rico, seja pobre, a polícia ao menos tem se comportado democraticamente na repressão a manifestações: sarrafo para todos, sem distinção de cor, classe ou sexo. A tortura, por enquanto, continua restrita aos chamados "pobre coitados". Na desocupação da área invadida em Goiás - que segundo os donos do terreno deve mais de R$ 2 milhões em IPTU - o secretário de segurança do governador Perillo (PSDB) considera um sucesso as duas mortes e os vinte feridos. Aos sonegadores de impostos, cafezinho colombiano, ar-condicionado e cinco gerações para quitar os débitos, sem juros.

"Se chega alguém tentando consertar, vem logo a ordem de cima: pega esse idiota e enterra". Geraldo Azevedo escreveu isto época da ditadura, mas maquilagens à parte, não se percebe nenhuma diferença significativa para o que se vê hoje.

Diante disso a vontade que dá é lutar por um mundo lugar onde a nossa integridade física e mental esteja garantida. Um lugar onde assaltos, estupros, assassinatos, seqüestros e ameaças de morte sejam possibilidades e não um sério risco. Covardia? Pode ser, mas dizia meu pai quando eu era criança: "o cemitério está cheio de corajosos".

Se ao menos soubéssemos que nosso esforço não será em vão. Mas o Brasil não permite esse tipo de esperança aos seus filhos.


Campinas, 21 de fevereiro de 2005

domingo, 13 de fevereiro de 2005

O preço do progresso

Trazer o progresso e a tecnologia aos países atrasados do globo custa caro. Que o diga os habitantes dos países atrasados.

Navegava eu pela internet hoje, e uma propaganda de internet rápida espanhola me chamou a atenção: internet rápida, de 1,2 Mbps de velocidade de acesso, sem limite de uso, mais ligação gratuita para telefones fixos dentro do país a qualquer hora, sem necessidade de linha telefônica, com modem e instalação gratuitos, tudo por 39,95 euros mensais, o que corresponde a cerca de 10% do valor do salário mínimo espanhol. Resolvi comparar com os serviços oferecidos no Brasil por uma empresa telefônica espanhola: só para instalar a internet rápida é preciso pagar R$ 64,90 de instalação e R$ 249,90 pelo modem mais barato. O plano mais "em conta" sai por R$ 49,90, mais provedor de acesso, que custa no mínimo 19,90, com velocidade de 150 kbps (o que dá 12,5% da velocidade do provedor espanhol), com limite de 5Gb de uso (downloads e visitas de páginas), sendo que as ligações interurbanas continuam sendo cobradas normalmente (que entre dois estados vizinhos, SP e PR, dependendo do horário, podem sair até por R$ 0,60 o minuto pela operadora mais barata), e mais a necessidade da linha telefônica, o que acrescenta mais R$ 35,00, só pela assinatura. Somando tudo, para ter uma internet "rápida" vagabunda é preciso desembolsar mais de R$ 100,00 por mês, além dos interurbanos; o que equivale a 38% do salário mínimo atual do país. Um plano semelhante ao espanhol, mas ainda assim inferior, de 1Mbps, com limite de 20 Gb (o que não dá muito) sairia por cerca de R$ 220,00, 85% do valor do salário mínimo, 8,5 vezes mais caro que o plano espanhol!

Claro que os economistas cosmopolitas e atentos ao mercado global (e isolados em torres de marfim) vão discordar desse 8,5: se transformarmos em dólar, o provedor espanhol custa US$ 52,00, contra US$ 81,00 do plano brasileiro, ou seja, apenas 55% mais caro, que é o custo da pouca demanda pelos serviços no Brasil e a necessidade de ter retorno que compensem os investimentos feitos no país. Eles têm suas razões para acreditar nisso, como há aqueles que crêem em Deus ou em duendes.

No fim nos resta escapar da justiça dos economistas como se pode. Uma alternativa para cortar interurbanos é o programa Skype, disponível em www.skype.com, que permite que se converse gratuitamente entre dois computadores conectados à internet como se fosse telefone (com conexão discada há um pequeno atraso, mas também é possível utilizá-lo).

Pato Branco, 13 de fevereiro de 2005

segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Os grandes democratas da direita brasileira

Creio que é por causa da proximidade do Fórum Social Mundial em Porto Alegre que a direita brasileira está espavorida. A conversão de quem era o líder máximo da esquerda brasileira à direita não significou que toda a esquerda seguiu por essa correta trilha. E esses cruzados da verdade indefectível se vêem forçados a desembainharem a pena para tentar, de uma vez por todas, extirpar esse câncer social chamado esquerda, que insiste em não aceitar a realidade como ela é e não tem pudores em jogar merda no ventilador das boas famílias. E como a esquerda tem o seu Fórum, e o Fórum da direita, em Davos, não admite pessoas menores, nada como um dos jornais mais democrático do país, ceder um pouco do seu espaço para esses magnânimos pensadores, incompreendidos pela esquerda nacional e ignorados pela direita mundial. Comentarei dois artigos publicados na Folha de São Paulo este final de semana, um do Denis Lerrer Rosenfield e outro do “Xico” Graziano (não confunda com o José!). A esquerda até teve seu espaço, para a Folha poder posar de democrática, mas não equivale ao da direita.

Denis Lerrer Rosenfield ostenta o título de doutor, é filósofo de formação, sofista por vocação, sofre de sérios problemas de paranóia, mania (tem pensamento fixo, sempre as mesmas idéias), tem um ótimo faro para a autopromoção e sérias desavenças com a lógica mais elementar. Seu artigo, “Convescote”, em nada difere de todos os que já escreveu, seja no que ele diz, seja no que se contradiz. Sua principal crítica ao FSM é que ele é um evento de esquerda, e as esquerdas não admitem opiniões contrárias, são “intolerantes”; assim sendo, a conclusão é que o FSM não deveria sequer ser pensado (por respeito à diferença de opiniões). Sua crítica à esquerda se dá porque ela é esquerda, e a esquerda é sempre desrespeitadora das leis (dependêssemos dele e ainda seríamos colônia de Portugal, com trabalho escravo, afinal, era lei). Sua contradição não aguenta esperar o próximo parágrafo: “o Fórum Social Mundial sempre se caracterizou pelo convite a personagens que encarnavam a intolerância, a recusa do pluralismo (...). Personagens propriamente alternativos e não dogmáticos foram relegados a mesas e seminários secundários”. Se há “personagens alternativos” o Fórum, este não pode ser dogmático, pois isso feriria o seu dogmatismo. Mas ele afirma e reitera o dogmatismo do FSM. Sem dúvida o autor tem um conceito próprio da palavra dogma, pena que não explicite isso quando escreve.

O outro artigo é do tucano “Xico” Graziano, já na edição de domingo, fala da escola Florestan Fernandes, inaugurada recentemente pelo MST. Assim como o Denis Lerrer Rosenfield, Xico é um democrata, sempre preocupado com a pluralidade. Tanto que se pergunta logo no início: “Seus professores seguirão qual cartilha?” De obscuro não se pode chamá-lo. A questão explicitamente posta é: a cartilha será de esquerda ou de direta? A deles ou a nossa? O verdadeiro problema, o de que se seguiria uma cartilha (o que pressupõe que não haverá espaço para pensar), nem passa pela cabeça do “Xico”. Como o MST não compactua com as idéias do “Xico”, a cartilha se torna um problema. A cartilha do “Xico”, por sinal, tem uma história diferente da que eu, pelo menos, aprendi na escola (e nem era uma escola ligada ao MST, muito pelo contrário): “Como poderia ser coletivizada a agricultura brasileira? Como realizar essa regressão histórica?”, sempre tinha ouvido falar que a terra no Brasil tinha sido dividida em meia dúzia de sesmarias, dadas a meia dúzia de senhores; essa história de terra coletiva é novidade pra mim. Segue “Xico”, estarrecido, “os dirigentes do MST não são democratas”, como se alguém que desqualifica os opositores por não se guiarem pela mesma cartilha que ele fosse. Mais para frente: “São os arautos da mudança na porrada”. Como estudante universitário sei que o PSDB, partido ao qual serviu tanto no governo federal quanto no governo paulista, é arauto da manutenção da porrada, reprimindo até manifestação pacífica de professores e estudantes com balas de borracha e bombas de efeito moral (só para ficar no caso divulgado na “grande” imprensa). E constata, com muita “dor”: “Sua estratégia de invasões de terra permite que oportunistas e bandidos se afiliem ao movimento, descaracterizando da ação política”. Falar em bandidos e não lembrar de Maluf e FHC no mesmo outdoor é ser desonesto. Assim como oportunistas como Kassab, ACM, Sarney, Bornhauser, entre tantos outros que se aliaram e se afiliaram ao governo que o “Xico” prestou serviços, não descaracterizando por isso a ação política, mas dando a ela uma nova “roupagem” (diferente, de qualquer forma, da do MST). Por fim cita seu ex-patrão FHC, dizendo que é o mais famoso discípulo do homenageado da escola, o sociólogo Florestan Fernandes. Famoso FHC pode ser, mas mais por ser “pop” do que por suas qualidade acadêmicas. E dizer que FHC é discípulo de Florestan é chutar o pau da barraca, ou da porteira. Depois fala que é a homenagem do MST que machuca “o espírito revolucionário” do Florestan.

Pato Branco, 24 de janeiro de 2005