segunda-feira, 24 de janeiro de 2005

Os grandes democratas da direita brasileira

Creio que é por causa da proximidade do Fórum Social Mundial em Porto Alegre que a direita brasileira está espavorida. A conversão de quem era o líder máximo da esquerda brasileira à direita não significou que toda a esquerda seguiu por essa correta trilha. E esses cruzados da verdade indefectível se vêem forçados a desembainharem a pena para tentar, de uma vez por todas, extirpar esse câncer social chamado esquerda, que insiste em não aceitar a realidade como ela é e não tem pudores em jogar merda no ventilador das boas famílias. E como a esquerda tem o seu Fórum, e o Fórum da direita, em Davos, não admite pessoas menores, nada como um dos jornais mais democrático do país, ceder um pouco do seu espaço para esses magnânimos pensadores, incompreendidos pela esquerda nacional e ignorados pela direita mundial. Comentarei dois artigos publicados na Folha de São Paulo este final de semana, um do Denis Lerrer Rosenfield e outro do “Xico” Graziano (não confunda com o José!). A esquerda até teve seu espaço, para a Folha poder posar de democrática, mas não equivale ao da direita.

Denis Lerrer Rosenfield ostenta o título de doutor, é filósofo de formação, sofista por vocação, sofre de sérios problemas de paranóia, mania (tem pensamento fixo, sempre as mesmas idéias), tem um ótimo faro para a autopromoção e sérias desavenças com a lógica mais elementar. Seu artigo, “Convescote”, em nada difere de todos os que já escreveu, seja no que ele diz, seja no que se contradiz. Sua principal crítica ao FSM é que ele é um evento de esquerda, e as esquerdas não admitem opiniões contrárias, são “intolerantes”; assim sendo, a conclusão é que o FSM não deveria sequer ser pensado (por respeito à diferença de opiniões). Sua crítica à esquerda se dá porque ela é esquerda, e a esquerda é sempre desrespeitadora das leis (dependêssemos dele e ainda seríamos colônia de Portugal, com trabalho escravo, afinal, era lei). Sua contradição não aguenta esperar o próximo parágrafo: “o Fórum Social Mundial sempre se caracterizou pelo convite a personagens que encarnavam a intolerância, a recusa do pluralismo (...). Personagens propriamente alternativos e não dogmáticos foram relegados a mesas e seminários secundários”. Se há “personagens alternativos” o Fórum, este não pode ser dogmático, pois isso feriria o seu dogmatismo. Mas ele afirma e reitera o dogmatismo do FSM. Sem dúvida o autor tem um conceito próprio da palavra dogma, pena que não explicite isso quando escreve.

O outro artigo é do tucano “Xico” Graziano, já na edição de domingo, fala da escola Florestan Fernandes, inaugurada recentemente pelo MST. Assim como o Denis Lerrer Rosenfield, Xico é um democrata, sempre preocupado com a pluralidade. Tanto que se pergunta logo no início: “Seus professores seguirão qual cartilha?” De obscuro não se pode chamá-lo. A questão explicitamente posta é: a cartilha será de esquerda ou de direta? A deles ou a nossa? O verdadeiro problema, o de que se seguiria uma cartilha (o que pressupõe que não haverá espaço para pensar), nem passa pela cabeça do “Xico”. Como o MST não compactua com as idéias do “Xico”, a cartilha se torna um problema. A cartilha do “Xico”, por sinal, tem uma história diferente da que eu, pelo menos, aprendi na escola (e nem era uma escola ligada ao MST, muito pelo contrário): “Como poderia ser coletivizada a agricultura brasileira? Como realizar essa regressão histórica?”, sempre tinha ouvido falar que a terra no Brasil tinha sido dividida em meia dúzia de sesmarias, dadas a meia dúzia de senhores; essa história de terra coletiva é novidade pra mim. Segue “Xico”, estarrecido, “os dirigentes do MST não são democratas”, como se alguém que desqualifica os opositores por não se guiarem pela mesma cartilha que ele fosse. Mais para frente: “São os arautos da mudança na porrada”. Como estudante universitário sei que o PSDB, partido ao qual serviu tanto no governo federal quanto no governo paulista, é arauto da manutenção da porrada, reprimindo até manifestação pacífica de professores e estudantes com balas de borracha e bombas de efeito moral (só para ficar no caso divulgado na “grande” imprensa). E constata, com muita “dor”: “Sua estratégia de invasões de terra permite que oportunistas e bandidos se afiliem ao movimento, descaracterizando da ação política”. Falar em bandidos e não lembrar de Maluf e FHC no mesmo outdoor é ser desonesto. Assim como oportunistas como Kassab, ACM, Sarney, Bornhauser, entre tantos outros que se aliaram e se afiliaram ao governo que o “Xico” prestou serviços, não descaracterizando por isso a ação política, mas dando a ela uma nova “roupagem” (diferente, de qualquer forma, da do MST). Por fim cita seu ex-patrão FHC, dizendo que é o mais famoso discípulo do homenageado da escola, o sociólogo Florestan Fernandes. Famoso FHC pode ser, mas mais por ser “pop” do que por suas qualidade acadêmicas. E dizer que FHC é discípulo de Florestan é chutar o pau da barraca, ou da porteira. Depois fala que é a homenagem do MST que machuca “o espírito revolucionário” do Florestan.

Pato Branco, 24 de janeiro de 2005

domingo, 16 de janeiro de 2005

Carta pra folha: Beleza e infância

Reconheço a beleza da Camila Finn, mas não posso deixar de manifestar minha indignação com o crime contra ela praticado: transformar uma criança que gosta de brincar de boneca em objeto de desejo sexual. É um absurdo que não haja uma idade mínima para trabalhar como modelo, que agências se utilizem de mão-de-obra infantil e que os pais, estimulados pelos convidativos contratos, estimulem suas filhas a perderem sua infância em passarelas. E é absurdo que a imprensa noticie isso em tom eufórico sem o mínimo de crítica. A vitória de uma brasileira de 13 anos em um concurso internacional de modelos sem dúvida melhorará a imagem do país no exterior. Que o diga a Polícia Federal, que há pouco mandou de volta aviões de turistas europeus que vinham ao Brasil em busca de "Camilas Finns" com menos sorte na vida.

Campinas, 16 de janeiro de 2005

sexta-feira, 7 de janeiro de 2005

Orkut

Dia desses eu conversava com uma amiga. Falávamos das férias. Ela contou o que pretendia fazer tão logo começasse as suas, ao que comentei que ela realmente gostava tal coisa (não vem ao caso o que). Sua resposta foi: “preciso por isso nas minhas paixões, no Orkut”. Achei curiosa sua observação. É curioso o papel que a tecnologia tem alcançado como mediador entre as pessoas na nossa sociedade.
Claro que essa mediação não é simplesmente uma troca de um meio (a conversa) por outro (a apresentação no Orkut, neste caso), mas tráz consigo diversas conseqüências. A conversa com minha amiga me remeteu a dois livros: “Videologias”, da psicanalista Maria Rita Kehl e do jornalista Eugênio Bucci, e “A ideologia na sociedade industrial”, do Herbert Marcuse.
O contato cara-a-cara tem perdido espaço na nossa sociedade (falo aqui especificamente das classes médias pra cima), sendo substituído pelos contatos virtuais: freqüentamos salas de bate-papo no lugar de ir a um barzinho; usamos ICQ, MSN para conversar com amigos, ao invés de ir na casa deles; mensagens pelo Orkut poupam-nos tempo e do esquecimento de certas coisas que tínhamos a dizer às pessoas. Um segundo estágio das mudanças trazidas pela televisão, assunto abordado no primeiro livro que citei: a política se transferiu das reuniões de bairro para os comerciais de trinta segundos, com isso perde-se muito do debate, do diálogo, fonte do conhecimento e da aceitação do próximo. As próprias comemorações, grande eventos, hoje são transmitidos em pela televisão e muitos sentem participarem de tais eventos por estarem acompanhando-os ao vivo em sua casa. Com a internet esses contatos, já rareados pela mediação da televisão, passam a acontecer em situações similares aos contatos cara-a-cara, mas sem muito de seus inconvenientes. Por exemplo, é fácil numa sala de bate papo chegar para alguém e passar uma cantada. Se não der certo, tudo bem, parte-se pra outra, até achar alguém que lhe dê atenção. Tudo muito fácil, rápido e prático, sem perda de tempo com troca de olhares, de esperar o momento certo, de esperar o amigo ir dar uma volta pra você poder chegar na pessoa.
Com o Orkut ocorre algo semelhante, mas um pouco mais aprofundado. Vemos a foto da pessoa, clicamos para ver sua descrição e, dependendo de como ela se apresentar, dos seus gostos, das suas comunidades, “investimos” nela ou partimos pra outra. Daqui remeto ao fechamento do universo da locução, que Herbert Marcuse fala no livro supracitado. No exemplo do livro, o autor cita as reivindicações por melhores salários, que individualizadas e analisadas particularmente, sanam o problema mais imediato de cada funcionário e desarticula suas reivindicações mais abstratas (como melhores condições de trabalho, por exemplo) e a própria noção de grupo. Com o Orkut a pessoa já se descreve, diz do que gosta, do que não gosta, e apesar da liberdade em escrevê-lo com as próprias palavras, fecha-se seu “universo de locução”, no caso, mais especificamente, a pessoa ganha contornos bem definidos de como ela é, e deixa de ser aquilo que ela não descreveu. A descrição do Orkut passa a falsa impressão de que se conhece o suficiente da pessoa, ao mesmo tempo que esta é bastante reduzida e perde muito do encanto, dos mistérios, advindos justamente de não se saber como ela é.
Imagino se Proust, ao invés de ter cruzado com Albertine na praia, trocado olhares, forçado um encontro, trocado palavras desajeitadas, conversado com ela e suas amigas, até se decidir que era dela que gostava tivesse achado a moça no Orkut. Viria do que ela gosta, do que não gosta, o mesmo das suas amigas, e mandaria um recado para aquela que julgasse mais interessante. Talvez o “perfil” de Albertine não lhe tivesse causado boa impressão. Recebida uma resposta da moça escolhida, poderiam combinar um encontro, eles já saberiam sobre o que conversar, e todo o trabalho de aproximação e se conhecerem não existiria. Também não existiria uma das principais obras da literatura mundial. Ou caso Proust ainda assim tivesse tentado escrevê-la seria uma obra muito pobre, principalmente no que trás de profundo sobre o ser humano.

Pato Branco, 07 de janeiro de 2005