domingo, 14 de agosto de 2005

Pinóquio ou Alice?

"Devas são espíritos intimamente ligados e integrados à natureza, trabalhando nela sem questionar. Não são bons nem maus, mas podem ser manipulados pelos humanos para finalidades boas ou ruins. Em um certo ponto de evolução, eles se individualizam, e podem ser confundidos com anjos, ou fadas. Em um certo estado de consciência, algumas pessoas podem vê-los. Podem se apresentar como gnomos, duendes, fadas, sereias, sílfides e outros".
Busquei essas informações no Wipedia (www.wikipedia.org) na esperança de ter um idéia do mundo onde vive Lula. Sei que falto com o respeito devido à instituição da presidência da república e seu ocupante, mas convenhamos, a instituição, salvo algumas raras excessões, nunca foi digna do menor apreço e respeito por parte do povo; já seu atual ocupante, que há muito falta com o respeito pelos seus eleitores, mostra agora faltar com o respeito pelo país e por si mesmo.
A pusilanimidade de Lula não é apenas revoltante, é constrangedora. Sempre que ouço ou leio seus discursos, seja em uma cerimônia seja em um comício fora de época, me pergunto como alguém tem coragem de falar tanta besteira. Não basta ser cara-de-pau, é preciso não ter amor próprio. É patético ver Lula se auto-vangloriando, fazendo questão de ser o mais: começou com o mais ético e agora se proclama o mais indignado.
Mas depois do discurso do dia 12, de duas uma: ou Lula mente com tremenda desfaçatez ou devemos, numa seção espírita, evocar Lewis Caroll, talvez, e pedir um mapa que nos leve até o mundo encantado em que Lula atualmente reside. Talvez tenhamos uma terceira opção: uma maldição pelos 400 anos de Dom Quixote: de tanto ler romances de cavalaria Lula perdeu a razão.
Vamos dar uma olhada no seu último discurso, na esperança de descobrirmos o que se passa com o primeiro mandatário do país:
"Voltamos a crescer, mas desta vez de maneira sustentável". Um crescimento de 3,5% (e olhe lá) não sustenta nem a taxa de desemprego. Esta, aliás, uma das poucas coisas que consegue ficar acima da taxa de juros do BC: 20% e com viés de alta. Além de que a políticia econômica de Lula é idêntica à do FHC: se o crescimento é mesmo sustentável, mérito do PSDB. E fica a pergunta: como se sustentar com R$ 300,00 (R$ 260,00)? Em frente.
"O povo sente a diferença, o país está mudando par melhor". Creio que perdi a sensibilidade...
"Criamos um ambiente favorável para a volta dos investimentos". Com juros de 19% só se for investimento em papéis do governo, conhecido nas bocas como especulação.
"O Brasil tem instituições democráticas sólidas". Ah é? Eu nem sabia que o Brasil tinha instituições realmente democráticas, quanto mais sólidas. Vai ver que são tão sólidas que não permitem a entrada do povo. Só espero que Lula não esteja se referindo ao apertamento de botões de quatro em quatro anos em máquinas suspeitas (e todos os atos de ética e respeito pela coisa pública que antecedem e sucedem o dia do apertamento).
"O Brasil precisa corrigir distorções do seu sistema partidário eleitoral, fazendo urgentemente a tão sonhada reforma política". Duas coisas: primeiro, se as instituições democráticas são sólidas, por que reformá-las? Segundo, se essa reforma é tão sonhada e urgente, por que não foi dada prioridade a ela, ao invés da reforma da previdência, por exemplo, que não foi digna de tamanha veneração?
"Mesmo sem prejulgá-los, afastei imediamente os que foram mencionados em possível desvio de conduta". Percebemos que Lula tem certa dificuldade com advérbios de tempo. O caso Waldomiro Diniz estourou no in´cio de 2004, Dirceu só foi afastado em meados de 2005 (e olha que foi afastado pelo Roberto Jefferson, não pelo Lula). Romero Jucá, mesmo com possíveis desvios de conduta, não só demorou para ser afastado (o que é diferente de imediatamente), como, antes disso, foi nomeado ministro. Bem, talvez a nomeação de Jucá tenha sido de propósito, para o Lula treinar sua velocidade em "afastamentos imediatos". Como, portanto, o imediato no mundo do Lula é um pouco mais lendo do que aqui na Terra, vamos manter a expectativa do afastamento a qualquer momento de Henriquei Meirelles, do BC, acusado de sonegação de impostos, remessa ilegal de divisas, entre otras cositas más; e de Antônio Palocci, da fazenda, envolvido com o advogado Buratti em esquemas de fraudes da G-Tech e Leão e Leão, além do IRB.
Desconfio que muitos dos leitores e leitoras prefeririam agora estar lendo gibi do tio Patinhas, não só por serem divertidos, como por terem a possibilidade de explicar ao menos algo do que acontece no Brasil hoje. Mas eu insisto no discurso do Lula.
Em um momento de narcisismo declara Lula: "Em 1980, no início da redemocratiação DECIDI criar um partido novo em que viesse par mudar as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país". Mais afrente ele diz: "Eu não tenho nenhuma vergo de deizer ao povo brasileiro que NÓS temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas". Realmente, Lula não tem vergonha, o que ele tem é medo, covardia. Na hora de criar o PT ele usa a primeira pessoa do singular. Na hora de pedir desculpa por aquilo que o governo que ele comanda fez, por aquilo que o partido do qual ele é o expoente máximo e comandado pelo seu grupo há dez anos, ele usa primeira pessoa do plural. Mas votando um pouco à primeira frase: "...para mudar as práticas políticas", com o apoio e/ou acordos com Maluf, Quércia, Sarney, Joaquim Roriz, entre outros de conhecida laia? Sim, sei que é um ato cristão acreditar que o homem pode se redimir, mas teria sido melhor que o partido criado por Lula primeiro depurasse as instituições, para depois tentar converter os homens. "Tornar cada vez mais limpa a disputa eleitoral no nosso país". Fantástico Lula falar isso depois de ter admitido claramente que o PT faz uso de caixa dois, em entrevista ao Fantástico, sob o argumento de que todo mundo faz. Mas creio que Lula falou isso numa lusão à sua campanha (não só a sua, é certo) de 2002, em que foi vendido como sabonete pelo publicitário Duda Mendonça.
"Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído". Bem vindo ao clube, presidente! Agora são 52.000.001! "Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento". Prmeiro achei que o "nunca" se referia ao seu governo, mas é um nunca com valor absoluto. Só assim para justificar seu cheque em branco para Roberto Jefferson, seu atestado de probidade a Quércia, seu acordo com coronéis, corruptos e salafrários de todos os calibres.
Diante disto resta-nos apenas uma dúvdia: no próximo carnaval na Granja do Torto Lula deve ir vestido de Pinóquio ou de Alice?
A oposição começa a falar em impedimento, com a mesma desfaçatez que Lula fala que não sabia de nada. Quem vai votar o impedimento de Lula por corrupção são parlamentares tão ou mais corruptos. Isso seria, no mínimo, imoral. Sei que em Brasília não aportam somente ladrões, mas eles tendem a se concentrar no congresso e senado. De quase 600 parlamentares não acredito que chegue a duas centenas (bem longe disso) os honestos. Se nos focarmos em partidos a situação piora: PL, PP, PTB, PFL, são antes identificadas como quadrilhas do que como partidos. Do PT não é preciso dizer nada, por estar no centro do palco. O PSDB tem seu presidente, Eduardo Azeredo, acusado de crimes eleitorais iguais aos do PT, com direito a Marcos Valério, inclusive. Seu grande expoente, o ex-presidente FHC, tem provas materiais inquestionáveis de participação direta em corrupção e compra de votos, e só não foi alvo de CPI porque, apesar de falar tanta besteira e ser tão covarde quanto Lula, tinha a simpatia da imprensa (não que Lula não tenha, mas não se compara) e sabia se "relacionar" bem com o congresso. O grande gerente Alckmin também já foi pego com a mão na botija, em caso de compra de votos (não sistemática, é certo, como o mensalão) - caso ofuscado pelo brilho da estrela do PT. Sem contar que foi graças ao FHC que a remessa ilegal de dinheiro ao exterior, forma como o PT pagou Duda Mendonça, segundo este, foi facilitada de sobremaneira (ver a coluna de Luis Nassif na Folha de São Paulo de 14 de agosto).
Mas o mais interessante foi o "golpe-democrático" defendido pelo Bresser Pereira, na Folha de 9 de agosto. Segundo ele a sociedade civil deve se arrolar o direito de atropelar a vontade da maioria, expressa pelo voto, caso seja do seu interesse. Por sociedade civil Bresser Pereira entende aqueles que tem "conhecimento", "dinheiro" e "capacidade de comunicação e organização", como aqueles figurões que se indignaram com a autuação da dona da Daslu por sonegação de imposto. O bacana é que quem fala que Lula não tem condições morais de seguir no governo não só participou do governo que institucionalizou isso que hoje vem à tona, como foi tesoureiro a campanha de FHC em 98, que contou com um caixa dois conhecido de 10 milhões de reais.
E enquanto o PSDB defende essa sociedade civil, enquanto PT defende (atualmente é defendido) os sindicatos pelegos, ao povo resta buscar seus representantes no gramado.
Alguém viu a tirinha do Níquel Náusea ontem?

Campinas, 14 de agosto de 2005