quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Relato de viagem final

Pois é, a viagem ainda nem chegou ao fim e eu já fazendo balanço. Mania de quem não sai da sala do cinema antes de dizer se achou do filme bom ou ruim - mesmo que seja para mudar de opinião depois. Mas foi uma viagem que me fez fugir do meu agir habitual: viajamos meio de improviso, sem muitos planos - além de ver pingüim e chegar ao fim do mundo -, sem nada muito programado - o que me estressou e desgastou bastante (que saudades de viajar com o seu Bernardo!).
Foram novas paisagens, novas sensações, novas (e velhas) descobertas e muito caminho para refletir (ao todo teremos feito mais de dez mil quilômetros em pouco mais de vinte dias). Caminho repetitivo e monótono, mas mesmo assim interessante; algumas vezes muito bonito, como a volta para Madryn, em que uma lua cheia gigante, encoberta por nuvens, criava sombras no horizonte, e o ônibus cruzando aquelas retas infindáveis pelo meio da estrada (mania nacional), com luz baixa, iluminando somente o necessário.
O passeio ao Fitz Roy selou o fim da viagem: as pernas ainda sentem.
Na volta, uma noite em Madryn, outra em Buenos Aires. No caminho Madryn-Buenos Aires o mesmo rodomoço de quando fizemos o caminho inverso: Duílio (Duílio, Duílio) e sua execrável coleção de filmes, com direito a bingo com vinho de Mendoza como prêmio (não ganhamos).
Pensávamos em ficar até domingo para ver um jogo na Bombonera, mas a vontade de voltar para casa falou mais alto, e só ficamos a noite necessária na capital. Inclusive, faço duas correções sobre o que havia dito anteriormente: disse que onde há um possível espaço em branco há publicidade, mas Buenos Aires não está - a exemplo de São Paulo - coberta de outdoors, e ainda é possível ver os prédios, as paisagens, o céu; também disse que Buenos Aires não tem flautas peruanas, na sua versão clássica (flauta e tecladinho), mas tem.
Nossos dois últimos dias de viagem passamos caminhando e falando besteira. Dentre as proferidas, a grande idéia para voltar para Brasil (quiçá viajar pelo mundo) de avião, sem pagar: pagar trote na embaixada. Outra foi a piada: por que uma velhinha atravessa a rua em Buenos Aires? Para cometer suicídio.
Enfim, a viagem foi legal, as besteiras sem graça engraçadas, e agora estamos voltando para casa!
Saudações,
2.
Buenos Aires, 16 de fevereiro de 2006.

PS: segunda coisa que compramos ao chegar ao Brasil (a primeira foi a passagem para Pato): água mineral!
PS2: talvez a maior bizarrice da viagem: no ônibus Foz-Pato havia três mochileiros: eu, o Phah e um japonês! O cara queria ir pro Rio Grande do Sul, mas não queria fazer viagens muito longas, achou que 8h até Curitiba era muito e preferiu passar uma noite em Francisco Beltrão... Desconfio que não irá mais sair da rota consagradal depois dessa parada

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 11

El Calafate foi de certo modo nosso último dia de viagem: o que nos resta agora é a volta, sem nenhuma nova novidade. El Calafate, assim como El Chaltén e toda essa área dos Andes que sobe até "Brasiloche", mais do que turística é um buraco negro pecuniário. Tudo muito caro, a começar pela locomoção: os 250km de Chaltén a Calafate saem AR$ 50, os 1500km de Buenos Aires a Puerto Madryn em serviço similar, AR$ 90. Uma pena, pois isso nos custou a volta pela Ruta 40, que prometia ser muito interessante e bonita.
Mas vamos a El Calafate. Em El Calafate, além de tudo ser caro, tudo é longe, ou seja, tudo é pago; não há caminhadas por conta, como em El Chaltén (salvo pelas ruas que vendem lembrancinhas caras). Diante disso - e do nosso esgotamente físico e pecuniário - ficamos com o básico do básico: o glaciar Perito Moreno.
O referido glaciar é como um rio de gelo, que se desce das montanhas (várias) e se desloca a dois metros por dia. Ele tem modestos 55m de altura e 14km de extensao (sem contar a parte que sobe as montanhas). É realmente impressionante (e não parece ter 14km). Continuamente o glaciar desprende blocos de gelos - alguns bem grandes - que fazem um grande estrondo ao cair na água (geralmente abafado pelos gritos dos turistas imbecis). Visto de cima o glaciar parece feito de chatili. De baixo, de espuma. E dependendo do ângulo que se vê, a luz do sol faz com que partes do glaciar (que é branco-leite) ganhe um tom azul-neon.
Muito bonito, impressionante, mas talvez por estarmos cansados, talvez por não termos a oportunidade de ficarmos em silêncio com a paisagem, talvez por não ter alguns milhões de anos para imaginarmos, o glaciar não chegou a fascinar. Mas valeu a pena.
Agora é a volta, buscar algo novo no que não é mais novidade.
Puerto Madryn, 14 de fevereiro de 2006

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 10

Isto merece um relato: como comprar a passagens Calafate-Madryn.
Antes de irmos a Chaltén já havíamos tentado comprá-la. O guichê informava os horários de atendimento: 10h as 15h, 17 as 22h e 1h as 4h. Fomos as 17h30min e depois de 45min me acotovelando em frente ao guichê (pois aqui fila não é algo corriqueiro), descobri que só poderia comprar a passagem para depois das 19h, sendo que nosso ônibus saía as 18h30min. Deixamos para a volta.
Na volta, eram 11h e o guichê ainda não havia abrido. Sorte nossa que passávamos em frente quando abriu, de modo que fomos os primeiros (havia duas pessoas pedindo informações na nossa frente, o que não levou cinco minutos). Pois bem, primeiro passo para comprar a passagem: dizer para onde queremos ir, para o atendente ligar para a agência em Rio Gallegos ver se há lugar. Segundo passo: escrever nosso nome e identidade em um papel, para o atendente enviá-los via sms (sim, via recados de celular!). Terceiro: o atendente escreve nossos dados em um formulário. Quarto passo: vamos ao guichê ao lado (de outra empresa) com o formulário, enfrentar outra "fila" para retirar a passagem até Rio Gallegos. Quinto: Passagem na mão, voltamos para o guichê inicial, enfrentamos outra vez a "fila", que agora está pior, para receber outro formulário, novamente preenchido a mão, para retirar a passagem quando chegarmos em Rio Gallegos. Tempo total: 1h10min!!!! (e olha que tivemos sorte de sermos os primeiros!). Haja incompetência!
Rio Gallegos, 13 de fevereiro de 2006

sábado, 11 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 9

Chegamos a El Chaltén, pequena cidade aos pés dos Andes. Nossa intenção era daqui seguir pelos Andes, via Ruta 40, até Esquel, passando pelas pinturas rupestres das Cuevas de las Manos; mas havíamos planejado que nossa viagem iria até o fim de fevereiro ou até o fim do dinheiro. Acho que não estou sendo muito original em dizer que o dinheiro acabou antes do mês. Ao menos não temos muito do que reclamar: isso apenas "compromete" nossa viagem e não contas a pagar. Visitaremos, portanto, as duas últimas cidades, e retornaremos pela mesma estrada que nos trouxe.
Passamos a viagem toda penando para tirar a tônica da última sílaba, como em Madryn, e eis que chegamos a Chaltén e não "Chálten". O Phah ainda não conseguiu proferir corretamente o nome da cidade.
O caminho a El Chaltén, com os Andes alaranjados pelo sol poente, já foi algo hipnotizador: pensar que a vegetação semi-desértica que vemos há quase duas semanas é "responsabilidade" desse "ser vivo" de pedra. É curioso, pois para mim pedra sempre foi algo velho, que cai, que se desgasta, que diminui...
Pois bem, a El Chaltén. A cidade se intitula a capital nacional do trekking (talvez por não ter mais nada para fazer). Assim sendo, fomos fazer uma caminhada pela montanha. São duas as trilhas "pop". Optamos começar pela mais fácil. Chovia, ventava e fazia frio. Já tínhamos feito mais de dois terços da trilha quando a chuva engrossou. Pensamos em voltar e deixar para outro dia, mas como já estávamos molhados e quase no final, resolvemos continuar. Ao chegarmos ao ponto final, a laguna torre, ainda havia nuvens cobrindo os picos mais altos, mas o céu começava a limpar. Resolvemos preparar um mate e esperar o céu abrir, mas meia hora depois o mate tinha acabado e as nuvens se adensavam. Resolvemos voltar logo para não tomar chuva outra vez. Já quase na cidade olhamos para trás e... o céu limpo, sem uma nuvem. Para não perder aquela bela vista - mesmo que de longe - saímos da trilha consagrada e ficamos a observar o pôr-do-sol (antes tínhamos voltado para o albergue, esquentar mais água para o mate), tendo como barulho apenas o rio lá em baixo.
No outro dia pegamos a trilha mais difícil. Segundo o mapa da cidade, eram quatro horas de subida empinada. Depois de 3h caminhando em uma trilha mais difícil que a anterior, mas nada tão difícil, nos deparamos com uma placa que avisava que os últimos 500m deviam ser feitos por pessoas experientes, com calçados apropriados (o meu não tem quase nenhuma ranhura na sola). Ótima hora para se dar um aviso como esse, não iríamos voltar faltando 500m! Não imaginávamos que esses 500m não eram a distância, mas a altura. Levamos 40 minutos, muitas vezes engatinhando na vertical, para superá-los (impressionante como alguns septagenários, ou quase, encaravam o trajeto!). Mas valeu a pena: a vista do pico Fitz Roy (desta vez não havia nuvens) na nossa cara, separado somente pela laguna de los tres, assim como a da laguna sucia (que não sei porque tem esse nome), com suas cascatas de água de degelo, lááááá em baixo, são impressionantes. Contudo as paisagens de ambos os trajetos me pareceram mais bonitos do que a vista final. Voltamos quebrados e famintos (o que nos fez voltar numa velocidade considerável), e minha febre (ah, eu estava com febre desde que chegamos a El Chaltén) estava ainda pior.
A idéia era no terceiro dia fazer outra trilha ou refazer a primeira, mas preferimos dormir até as 15h e ver o pôr-do-sol novamente do "cantinho" do outro dia.
Nossa estadia em El Chaltén, graças, novamente, à cara de bom amigo do Phah, rendeu algumas conversas interessantes. E continuo não entendendo como alguém consegue ficar viajando por seis meses, um ano (como o belga maluco, que tinha nome francês mas era da parte holandesa da bélgica, morava na Finlândia e não tinha celular, entre outras esquisitisses, que trabalhava três anos, e viajava um, às custas do que economizara e do seguro desemprego), deixando nesse período emprego, mulher, filhos, amigos... Eu já não vejo a hora de voltar para casa, para o meu canto... O único até agora que me fez sentido porque faz isso foi o francês colega de quarto, que largou o emprego que odiava e saiu de mochila pelo mundo - por sinal, ele fugia do padrão extrovertido desses mochileiros de longos períodos.
E se em Deseado nossas refeições foram a base de sanduíche de miga, aqui nossa base alimentar foi glutamato monossódico - estamos transpirando sabor salgadinho!
E descobri que é hora de reler A Caverna, do Saramago. Achava o livro mais fraco dele (até O Homem Duplicado), mas acho que me faltava um pouco mais de vivencia para aproveitá-lo melhor.
Agora é hora de conhecer os glaciares...
2.
El Calafate, 11 de fevereiro de 2006
PS: Desconsiderem, ou dêem um desconto, aos erros de português dos dois últimos relatos. Não tive tempo de revisá-los mas mandei assim mesmo, pois não sei se teremos internet novamente antes de buenos aires.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 8

Enquanto desviamos a rota ao oeste e desistimos de chegar ao fim do mundo, algumas curiosidades sobre a Argentina e a nossa viagem:
· Na Argentina não se tem muito senso de limpeza: é comum jogar lixo na rua, difícil achar lixeira...
· Caramba como os argentinos gostam de coisa doce! Até a media-luna salgada é levemente doce...
· Nossas refeições dos últimos dias: quinta: bolacha de almoço e sanduíche de janta; sexta: o que sobrou dos sanduíches de quinta de almoço e empanadas de frango de janta; sábado: o que sobrou das empanadas de almoço e sanduíche de miga sabor primavera de janta; domingo: sanduíche de miga no almoço e na janta; segunda: sanduíche de miga de almoço, "conosquinhos" de confeitaria e sanduíche de miga de janta; terça: refeição de verdade no almoço!, e não conseguimos encarar os últimos dois sanduíches de miga sabor privamera (comemos 16 no total), preferindo uma massa para rocambole que compramos sem querer.
· Estamos com saudade de comida - até mesmo do arroz com feijao do bandejao!
· Já conseguimos estabelecer algum contato consistente (sempre graças á cara de bom amigo do Phah) com um suíço, um alemão, um casal de italianos, um de argentinos, uma inglesa e uma israelense (exclusividade do Phah esta).
· Temos dois votos de que somos alemães e um para holandês.
· Aqui no sul o sol torra impiedosamente, e o nosso protetor solar também arde...
· Boa parte dos produtos vendidos aqui são chineses (até o gorro do San Lorenzo que comprei para não perder as orelhas), outra boa parte é brasileira, mas a erva-mate (ainda) é de indústria argentina.
· Onde há um (possível) espaço em branco, há publicidade, seja no vagão superpoluído do metro, seja na passagem de ônibus.
· A Argentina é um ótimo lugar para se treinar alemão quando não se tem dinheiro para ir à Alemanha.
· Argentinos não conhecem conceitos básicos de organização - os mercados são uma bagunça -, não sabem fazer fila, nem respeitar a vez.
· Buenos Aires não tem flautas peruanas.
· Na Argentina há um estranho hábito de se repetir nomes (e nao falo de todas as cidades terem as mesmas ruas): Perito Moreno, por exemplo, tem o parque nacional, um pouco longe, tem a cidade, e bem longe tem o glaciar; Fitz Roy, tem o rio, a montanha (pelo menos esses dois são próximos) e a cidade, que fica no litoral de outra província...
· Besteira proferidas pelos últimos dias: as estalactites de merda dos comorales, os lobos-marinhos magaivers (é difícil imaginar o bicho andar na terra, quanto mais subir os morros que sobem!), os aquedutos argentinos não seguem o padrão romano, qual lugar sagrado dos judeus está em El Calafate?
Hasta la vista!
2.
El Calafate, 08 de fevereiro de 2006.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 7

Descobrimos porque conseguimos reservar albergue em Ushuaia com relativa facilidade, mesmo estando em cima da hora: o que controla o fluxo a cidade são os meios de se chegar a ela. Alegres e felizes chegamos a Rio Gallegos para descobrir que só há vaga no onibus de segunda, dia 13. Agora tentaremos ir para El Calafate ou El Chaltén, cidades com mais ônibus, mas bem mais concorridas. É o que dá fazer viagem na louca.
Enquanto pensamos no que fazer, reporto o terceiro dia de Deseado, quando fizemos um passeio pela Ria. Ria é uma entrada de mar no continente; no caso de Puerto Deseado, a Ria adentra 40 km. Pensávamos que seria um Valdés/Tombo em miniatura, mas nos surpreendemos. Havia
lá, além dos nossos conhecidos pinguins e lobos-marinhos (que vimos de mais perto), uma grande diversidade de aves e um golfinho (ficamos sabendo que no passeio da tarde eram quatro).
Desta feita não tivemos sorte com os companheiros de excursão: um bando de turistas interessados em tirar fotos, em buscar o melhor ângulo, comparar suas super-profissionais cheia de acessórios e com mil apetrechos, indifirente de estar incomodando os animais ou não.
Ficamos um tanto chocados com o comportamento deles, assim como dos guias. Eram os suiços assobiando para os lobos-marinhos, os canadenses indo mijar no meio dos pinguins, o guia esvaziando a erva do mate na praia de pedra da ilha onde estavam os pinguins! Essa parada na ilha, por sinal, esfriou muito o passeio: ao contrário de Punta Tombo, não há demarcacao "aqui pode vir, aqui nao". Passeia-se livre pela praia, quase junto aos pingüins, digo quase porque ao se aproximar deles eles saiam correndo assustados - não sei se por falta de hábito com visitantes, ou se por serem mais jovens que os de Tombo. Enfim, um primor de respeito aos animais da ilha.
Por enquanto é isso. Temos agora que voltar a pensar no que fazer, mas pelo menos há a possibilidade de termos uma refeição com comida e não bolachas, sanduíches ou empanadas, como nos últimos seis dias.
Saudações,
2.
Rio Gallegos, 07 de fevereiro de 2006

domingo, 5 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 6

Agora começamos com o turismo de aventura! Foi no trajeto Comodoro Rivadavia - Puerto Deseado. O motorista do ônibus devia ser o neto do Fangio, e o ônibus devia ser o mesmo em que o vovô aprendeu a dirigir. Mas o Phah, com toda a sua sabedoria, me tranqüilizou: "este ônibus deve fazer o mesmo trajeto há quarenta anos; se acontecer alguma coisa justo hoje, é muito azar". Até esperávamos a porta (que não fechava) sair voando, já que o Fanginho fazia dois quilometros em um minuto e dois segundos (quase 120 km/h), e o ônibus pulava e chacoalhava muito, mas não aconteceu nada.
Perdemos todo o dia viajando. Primeiro de Trelew até Comodoro Rivadavia, a maior e mais rica cidade de Chubut. É uma cidade curiosa, que termina onde comeca uma espécie de duna. Talvez por peso na consciência - a cidade produz petróleo - ela invista em energia eólica e proiba o uso de sacolas de plástico nos mercados; que cobram, então, pelo pacote de papel - o que não é de todo ruim, já que faz com que as pessoas reutilizem os pacotes ou usem sacolas permanentes. Chegamos a Deseado depois das 22h. Fazia frio, ventava, tínhamos um mapa esbocado mais ou menos e a cidade é escura com pessoas mal encaradas. Fomos até o albergue: lotado. Descobrimos que havia uma festa anual de não sei o que. Fomos a um hotel: apenas um quarto quádruplo. Como já era mais de 23h, o dono viu que não ia chegar mais ninguém e nos fez pelo preço do quarto duplo. Ao menos desta vez o hotel era confortável, ia dar para, pelo menos, descansar.
No outro dia fomos conhecer Deseado: um fim de mundo ao fim de uma reta. O guia dizia que era uma cidade pesqueira. Imaginávamos pescadores, mas o que há é indústria pesqueira. Sem contar que a Publifolha, na versão brasileira do guia, resolveu retirar alguns mapas, entre eles o de Puerto Deseado.
No segundo dia de Deseado fomos atrás do que deseábamos ao vir até aqui: o Monumento Nacional dos Bosques Petrificados. Não há a menor sombra de dúvida de que a vinda para Puerto Deseado valeu a pena - e ainda temos a Ria por visitar, apesar de não sabermos se São Pedro deixará.
Os bosques petrificados ficam na "meseta patagónica", a chapada daqui. A vista do local é fantástica (parece que para mim tudo é fantástico, mas não é bem assim), com o horizonte de morros desérticos e o céu azul a se perder no infinito. Ao mesmo tempo, bastava ir a um ponto um pouco mais baixo e o céu parecia estar logo ali, tocaríamos as nuvens ao subir o morro em nossa frente. As árvores petrificadas, por sua vez, são impressionantes. Troncos de 150 milhoes de anos (a cordilheira dos Andes tem 60) que parecem madeira, mas são rochas. Os maiores que restam no parque (segundo o Jaime, o guarda-florestal, havia troncos maiores, que na década de 60 foram surrupiados e hoje bem podem estar em algum museu do mundo civilizado) tem 35m de comprimento e 3m de diametro. Não se tratava, portanto, de algo pré-histórico, mas pré-jurássico (havia inclusive pinhas e gotas de chuva pretrificadas)! É difícil, ou melhor, impossível, imaginar que naquele ambiente árido houve um dia uma floresta de araucárias de mais de 100 metros de altura. Enfim, visita obrigatória se alguém algum dia estiver de passagem pela Patagônia.
De quebra, ainda tínhamos como colegas de excursão um simpatico casal portenho (anti-portenhos) que nos deram muitas dicas (e panfletos) sobre Ushuaia, El Calafae, El Chaltén e Esquel. A principal foi a de que tínhamos que fazer as reservas nos albergues com urgencia. E assim o fizemos. Amanha partimos para Rio Gallegos, capital da província de Santa Cruz (a província do Kirchner, se estamos certos), que dizem ser um tanto deprimente. Mas é o que nos resta. Quarta partimos rumo ao fim do mundo. Teremos então cinco mil quilometros rodados desde Buenos Aires. E ainda falta a volta...
Un saludo muy cordial.
2.
Puerto Deseado, 5 de fevereiro de 2006

PS: estamos com algumas fotos digitais. Se alguem tem interesse em receber, podemos tentar manda-las.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 5

Trelew, mais uma cidade que chegamos e nos perguntamos "o que estamos fazendo aqui?". Porém, desta vez não era hora da siesta nem havia uma praia logo ali. Estávamos cansados - como disse o Phah, caminhamos muito, dormimos pouco, e comemos menos - e, para completar, na ausência de albergues, nos hospedamos em um hotel detonado, o que ajudou a nos abalar.
Mas depois de uma siesta, os animos apaziguados, conseguimos ver Trelew mais positivamente - o que não significa que não continuamos nos arrependendo de ter saído do simpático albergue de Madryn.
Trelew tem seus 90 mil habitantes, mais ou menos, e é uma cidadezinha do interior - apesar de uma das maiores e mais importantes da província de Chubut. Seu interesse para os turistas é o mesmo que teria Pato Branco, ou seja, nenhum. Serve apenas como base para visitar Punta Tombo. Mas foi curioso ver como a cidade se comporta: a cidade deserta por causa da siesta, a praça fervilhando de gente a partir das 18h, em plena quarta-feira, com velhos, criancas e jovens; em outra praça, sessão de cinema ao ar livre, crianças brincando na rua até perto da meia-noite...
Mas vamos ao que interessa. Punta Tombo é uma grande pinguinera que fica a uns 120km de Trelew. Segundo a guia, há lá 800 mil pinguins de magalhães. Não sei se tem tudo isso, mas que tem ave para mais de metro, isso tem. A área que nos é permitido circular possui muitos filhotes, que não estao mais pequenos ao ponto de dizermos "olha que gracinha", mas fazem você se sentir em uma granja quando recém chegaram os pintinhos. Muitos estão no meio da troca de penas - que escurece com cada troca, até chegar ao preto característico -, o que os torna relativamente feinhos pra caralho (desculpem o termo chulo). São bichos desengonçados - talvez por isso eu simpatize tanto com eles - mas que não tomam marola (está certo "tomar"?), não importa o tamanho da onda.
A poluição tem causado mudancas genéticas nos pinguis: não é raro avistar aves de peito verde. Pessoas que não aceitam críticas ao progresso dizem que o peito verde é devido a eles dormirem deitado na merda. Falando sério, o folhetim do parque diz que cresceu muito a mortandade de pinguins, por nadarem entre petróleo e derivados lançados ao mar pelos barcos.
A paisagem de Tombo não é espetacular como a de Valdés - o negócio é mesmo ver pingüim -, mas o vento castigava como lá, com a vantagem de não precisamos comermos areia, por a praia ser de pedra.
Na volta passamos por Gaiman, outra cidade - tal qual Trelew e Rawson - de colonizacao galesa, que se desenvolveu ao longo do rio Chubut, um dos únicos rios em uma área de 200 mil quilometros quadrados. Não tomamos o famoso chá gales, mas vimos outro carro igual ao do pai da Mafalda!
Amanhã é dia de seguir para Puerto Deseado, ver outra pinguinera e o Parque Nacional dos Bosques Petrificados. Odeio chegar aos lugares sem ter um lugar garantido para ficar, mas desta vez, além de nao termos lugar, também nao temos mapa, e chegaremos já no fim da tarde.
Até mais.
2.
Trelew, 02 de fevereiro de 2006