domingo, 23 de abril de 2006

Para salvar a democracia?

De vez em quando me baixa o vírus da teoria conspiratória. Parece que ele me pegou novamente por estes dias. Não que eu ache que haja qualquer golpe vindo por aí, mas que o terreno está sendo preparado, isso parece. As justificativas para uma intervenção para salvar a democracia no Brasil já começam a surgir aqui e acolá. Primeiro é preciso aceitar a tese de que eleição somente não é sinônimo de democracia (o que eu concordo), é preciso também que as eleições sejam livre e vencidas por aqueles que defendem os grande$ intere$$e$ nacionai$. Esse argumento já vem sendo utilizado (claro que ocultando-se a segunda premissa do silogismo) para desqualificar governos sul-americanos.
No Brasil, uma democracia consolidada, como tanto afirmaram quando na alternância do poder do PSDB para o PT, esse risco de o país deixar de ser a maior democracia do mundo não corre tanto risco, visto que a disputa se desenha entre o Tico e o Teco (ou seria melhor dizer entre os Irmão Metralha?). Mas a súbita ascensão do ex-governador do Rio, o nada limpo Anthony Garotinho, já mereceu editorial da Folha, dia 18 de abril. Sob o argumento de que o candidato não é versado em economia nem apresentou ainda suas propostas de maneira sistemática, o editorial critica o discurso de mudança nos rumos ortodoxos da economia.
Esse editorial não quer dizer muita coisa. Pode se tratar apenas de um grupo empresarial fazendo pressão para que permaneça um modelo macroeconômico que tende a favorecê-lo. O que me assustou foi que alguns dias antes eu havia trocado e-mail com um dos principais colunistas do jornal. Ele volta e meia se queixa de que o eleitor brasileiro tem memória curta, tem preguiça de acompanhar a ação do seu candidato, e se tivesse vontade encontraria uma lista de uma dúzia de congressistas merecedores de voto. Perguntei se o problema não iria além da desinformação do eleitor, se não havia um problema do sistema eleitoral e político, uma vez que a representação no legislativo representa, no máximo, alguns absurdos do Brasil, como o relatório da CPI da Terra. Além disso, levantei o problema de que mesmo que essa uma dúzia de candidatos recebesse a maioria absoluta dos votos, ainda assim entrariam muitos da tradicional laia que habita o congresso, dado que não há uma “nota de corte”, um número mínimo de votos para se eleger (vide Enéas e seu Prona em 2002). A resposta dele foi reafirmar que o problema estava na falta de informação do eleitor, ignorando a crítica do próprio ombudsman da Folha, que dizia do quão precária é a cobertura jornalística do congresso e do senado fora dos casos excepcionais. Ou seja, ao negar a crítica ao sistema e, ao mesmo tempo, deixar a culpa para o lado mais fraco (a culpa da falta de informação é antes dos eleitores que não se informam ou dos jornais que não dão a informação?), parece preparar uma justificativa para uma eventual intervenção em nome da democracia, não nos moldes de 64, mas nos moldes da Venezuela, em que a imprensa tupiniquim comemorou descaradamente a queda do “presidente fanfarrão” e a possibilidade de um empresário na presidência. Atenção! Não digo que o tal colunista seja golpista, vá defender um golpe, ou qualquer coisa do gênero; mas ocorre que a democracia liberal é um terreno demais arenoso: a tentativa de defendê-la pode servir perfeitamente para justificar um golpe contra ela.

Campinas, 23 de abril de 2006

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