segunda-feira, 12 de junho de 2006

Jeitinho brasileiro

Sei que vai ter antropólogo que vai me criticar por falar em “jeito brasileiro”, por isso começo me defendendo: não acho que isso seja inato ao brasileiro, nem que todos assim ajam, mas trata-se de um agir bastante comum por estes trópicos, como atesta a própria história.
Poderíamos começar com o encilhamento, o empréstimo de dinheiro sem lastro feito pelo governo, no início da república. A idéia era facilitar o empréstimo de dinheiro para que ele fosse aplicado na produção e gerasse o lastro necessário para evitar a quebradeira do país. Mas ao invés de aplicar na produção boa parte das pessoas que tomaram esse dinheiro preferiram especular na bolsa. O resultado foi o contado pela história.
Não lembro bem o episódio, mas no início do século XX, se não me engano, diante do grande número de ratos na capital federal instituiu-se um programa que, para ter ajuda da população no combate do bicho, pagava por bichano capturado e entregue aos postos de recolhimento. Acabou não dando muito certo: descobriu-se que muitos estavam criando ratos em casa para depois vendê-los ao governo.
Era assim, não mudou muito. Enquanto na USP a troca de copos descartáveis por canecas de plástico foi feita pela reitoria, na Unicamp a reitoria nunca se preocupou com a questão. Há tempos grupos de alunos tentam instituir a caneca no bandejão, por conta de conscientização. Este ano, com ajuda de uma empresa farmacêutica, distribuiu-se canecas a alguns alunos. Na onda desse politicamente correto, uma marca de chocolate resolveu promover seu produto na saída do restaurante universitário, ao mesmo tempo que estimula(ria) o uso das canecas: o doce era distribuído somente àqueles que tinham caneca. Fizeram isso pela primeira vez semana passada: muitos lamentaram terem ficado sem doce. Repetiram a propaganda hoje novamente. Resultado: tiveram que distribuir muito mais produtos do que na vez anterior. Sinal de que os alunos resolveram comprar um caneca para não perder mais divulgações desse tipo? Na verdade, sinal de que os alunos descobriram como ganhar o doce sem precisar gastar dinheiro comprando uma caneca: primeiro saem aqueles que tem caneca, que depois a entregam pelo vidro aos que não tem.
É certo que um doce não vai conscientizar alguém da importância de diminuir o lixo, substituindo copos descartáveis por copos permanentes; mas poderia fazer surgir, quem sabe, uma fagulha de dúvida: por que deixar de usar copos descartáveis? Acontece que o imediatismo de certas pessoas (e não se trata de privilégio nosso) é de uma miopia incrível. Prefere fazer malabarismo toda vez que tem recompensa para quem usa caneca a gastar um real e garantir sua recompensa. Este ano tem eleição, será que dessa vez conseguiremos renovar o congresso? Se se pautar pelo jeitinho dos estudantes de uma das principais universidades do país, podemos continuar esperando o de sempre.

Campinas, 12 de junho de 2006

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