quinta-feira, 13 de julho de 2006

Entre quadrilhas

Cada vez mais os políticos brasileiros se encaminham para a seguinte aporia: ou são burros a ponto de perderem no teste de QI para um camundongo (o fato de precisarem de assessores para abrir maçanetas talvez reforce esta tese), ou são realmente mafiosos, corruptos, ladrões, bandidos, assassinos; diferenciando de Marcolas e PCCs pelo fato de usarem terno e não terem sido pegos, ou se pegos, terem tido os meios necessários para contratar bons advogados, comprar juízes, garantindo, assim, sua liberdade e seu currículo ilibado.

A suspeita do presidente da PFL (digo “da” e não “do” porque o PFL há muito se caracteriza primeiramente por ser uma quadrilha e não um partido), Jorge Bornhausen, de que o PT estaria por trás dos ataques do PCC, seria rechaçado como um absurdo, não tivesse o principal nome do partido, o presidente Lula, ter admitido publicamente que o PT é igual a todas as outras quadrilhas; e sua fala não tivesse sido corroborada pela prática da quadrilha nos casos envolvendo a morte de seus integrantes, quando ainda se dizia que o PT era um partido.

Se o PT é igual ao PFL, e o presidente deste, que abrigou e abriga assassinos de diversas qualidades, como Hildebrando Pascoal (o da motossera), levanta a suspeita de que aquele faz o que ele faz, por que razão devemos duvidar de antemão de tal suspeita?

Em tempo: posso estar sendo ingênuo, mas acho que os ataques do PCC estão um pouco além do que “partidos” como PSDB e PT imaginavam pôr em prática como linha auxiliar da política.

Pode ser que a suspeita de Bornhausen seja mera bravata. Contudo, a descrença da população nos políticos, nos partidos e no próprio processo, não permite que alguém de dentro do sistema, que sabe de muita coisa que não pode ir além dos “iniciados”, seja leviano desse tanto, sob o risco de implodir tudo. Apesar de que, tendo em vista a biografia de Bornhausen, não é disparatado imaginar que ele tenha interesse nessa implosão. Não porque ele queira inaugurar algo novo (o único “aperfeiçoamento” que ele parece ser favorável é o da eugenia, levando em conta as declarações anteriores do elemento), mas porque ele quer perpetuar o velho, a republiqueta de bananas onde a cosa nostra pode impor sua lei sob a proteção da polícia e do exército.


Campinas, 13 de julho de 2006

sábado, 8 de julho de 2006

Andando no fio da navalha e pondo a carreira de crítico de arte em perigo

Se tem um dos dinossauros do róque brasileiro que ainda me surpreende é o Frejat. Sim, sei que minha carreira de crítico de arte periga perigosamente ao admitir isto, uma vez que crítico de arte não pode ter humildade, e o que faço agora não é apenas me humilhar, digo, ter humildade, mas admitir que mesmo já tendo mais de uma década de experiência, continuo sendo um ingênuo imbecil.
Dúvida tostines: sou imbecil, daí decorre minha ingenuidade; ou sou ingênuo e daí vem minha imbecilidade?
Pois bem. A grande dúvida que pode cair sobre a cabeça de alguém que pensa e tem saco para ler as merdas que escrevo (será que pensa mesmo?) só pode ser: como é possível alguém se surpreender com um poeta de versos tão profundos quanto “eu viveria em greve de fome”, “quando você ficar triste que seja por um dia e não o ano inteiro” ou “procuro um amor que seja bom para mim”??? Mas minha surpresa não ficou por conta das letras (por sinal, ainda é um segredo a ser desvendado como Frejat consegue condensar tanto chavão e besteira em uma música só, como em “segredos”), mas da música. Ou seja, ao dizer isto afirmo que sou mais imbecil do que posso ter parecido de início. Trata-se da versão de “tente outra vez”, do Raul Seixas.
Deixemos de lado a discussão se a letra e a música original são boas ou não, pois isso não é importante (eis aqui um sinal de que minha veia de crítico de arte segue viva!). Boas ou não, não é das músicas que fazem as pessoas correrem para o banheiro com ânsia de vômito. A alguns pode irritar, cansar, dar raiva. Mas a versão do Frejat, mais do que irritar, cansar, dar raiva, dar ânsia de vômito (às vezes chegando às vias de fato), é um convite ao suicídio, um perigo de saúde pública! Não sei como são as capas dos discos do sujeito, mas espero que as autoridades exijam que elas tenham avisos sobre os efeitos nocivos que escutar aquelas músicas podem trazer à saúde psíquica e ao desenvolvimento cognitivo das pessoas.
Em tempo: fico imaginando que letal arma de guerra não pode sair se um dia se encontrarem Frejat e a tal de Isa K.! E com este alerta, ao qual a ONU deve prestar muita atenção, encerro mais uma crítica de arte. Fim.

Campinas, 08 de julho de 2006

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Um sentido para o absurdo

Assisti hoje à peça “Era... uma vez?”, montagem da companhia de teatro Terraço Teatro, com a direção de Alexandre Caetano. A peça é uma adaptação do ensaio do pensador argelino Albert Camus sobre o mito de Sísifo ao problema do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Uma tentativa de uma releitura médico-conteporânea do mito grego.
O mito de Sísifo é o mito do inferno, do trabalho inútil, uma vez que o herói grego fora condenado a carregar uma pedra ao alto de um cume, de onde ela invariavelmente cai e o trabalho recomeça, sem perspectiva de final ou de mudança.
Uma peça feita em cima de um ensaio filosófico, não é de se surpreender que não seguisse muito os padrões consagrados à dramaturgia. Não se trata de nenhuma montagem revolucionária, mas é muito bem feita, não apela para clichês (mesmo sendo o pessoal saído do Instituto de Artes da Unicamp), e permite trabalhar a questão do trabalho inútil, do transtorno obsessivo compulsivo de maneira metalingüística.
Falei acima que se tratava de uma adaptação do mito de Sísifo – seu trabalho inútil, repetido todos os dias –, ao problema do TOC – seus rituais necessários para dar segurança à pessoa frente a vida, e que acabam por empurrar as pessoas ao isolamento. Melhor do que falar em adaptação é falar em sobreposição, comparação, uma vez que é claro quando é Camus e quando são relatos de TOC. Não se consegue, no transitar entre esses dois pólos, encontrar o equilíbrio para trabalhar Sísifo e TOC de maneira una. Não se trata de um problema. Essa falta de unidade permite um discurso incompleto (que eu tanto elogio) da peça, e é justo essa falta de algo que instiga o público a prosseguir com o questionamento, a investigar por si mesmo o que ainda há por dizer – assim o fiz, assim escutei outras pessoas fazendo.
Contudo, desse questionamento que percebi o que me parece o ponto fraco da montagem (junto com o risquinho no queixo dos atores, que me irritou): o mito de Sísifo trata do trabalho inútil – carregar uma pedra morro acima, que depois rolará morro abaixo, para ser carregada morro acima novamente, sem fim de perspectiva –; a leitura de Camus mostra como somos todos Sísifos em potencial em um mundo cujo trabalho é alienante e embrutecedor, em um mundo em que as pessoas não possuem mais uma finalidade transcedental que justifique a permanência aqui – em potencial porque a tragédia começa somente quando a pessoa se dá conta do absurdo da vida, e nem todas se dão conta disso. A interpretação do Terraço Teatro se centra no trabalho inútil – mas necessário subjetivamente – dos rituais neuróticos que dão certa estabilidade e segurança a essas pessoas. Passa ao largo de tentar respostas para o seu porquê. Sem dúvida, tentar dar indicações do porquê as pessoas acabam se aprisionando a rituais doentios, misturar observação com especulação, demandaria um estudo mais aprofundado dos temas, com grandes chances de resultar em uma polêmica, ou em fechar em uma explicação, que faria com que a peça perdesse justamente o discurso incompleto que faz com que ela dure mais do que o tempo em que os atores estão no palco. Mas é essa ausência que acaba fazendo com que peça transite entre os dois pólos sem encontrar o equilíbrio. O problema é que a montagem pode acabar passando a idéia do TOC como algo transhistórico, biológico, curável somente através de medicamentos. Faltou minimamente situá-lo no tempo.
No texto de apresentação da peça o diretor pergunta: “como tornar poético um comportamento patológico significativo sem trazer ao palco uma experiência apenas didática?”. Na ausência de se questionar o patológico (o que é, por que é, quem define?), a peça acaba transitando também entre esses pólos: o poético e o didático. Isso não tira os méritos da peça, apenas convida para uma continuação do debate (e da peça).

Campinas, 03 de julho de 2006