domingo, 7 de janeiro de 2007

Fábrica de escândalos

Acho por bem começar me defendendo de qualquer mal-entendido. Não estou defendendo o congresso, apenas levantando alguns pontos do seu mais novo escândalo. Que o congresso, em especial a câmara dos deputados, é uma instituição completamente falida – ao menos no presente momento –, quanto a isso não resta dúvida. A meia dúzia de bons parlamentares são tão meia dúzia que não têm força sequer para barrar uma mudança constitucional que depende de maioria qualificada – o que dizer então a possibilidade de aprovar qualquer proposta positiva que tente ao menos estancar a desmoralização do poder.

É de grande auxílio nesse processo o papel de fábrica de escândalos que o congresso assumiu e o corporativismo que faz com que a repercussão de tais escândalos se prolonguem além do que seria “normal” e, pior, não sejam dados por encerrados. Bom para aqueles congressistas que foram pegos em atos ilícitos e absolvidos por seus pares, cujos nomes serão esquecidos em, no máximo, duas semanas, e chegarão fortes para concorrer as eleições e se reelegerem, como atestaram as eleições de 2006. Péssimo para o congresso que vai fixando sua fama de local onde só tem corrupto, diminuindo ainda mais o já quase inexistente interesse pelo legislativo – bom para aqueles deputados que vêem na política uma extensão dos seus interesses particulares, mesmo que o façam dentro da lei.

Os dois últimos escândalos que ganharam as manchetes nos últimos dias: primeiro o aumento do salário em quase 100%, com apoio de todos os partidos e de quase todos os congressistas (renunciaram ao aumento somente os seguintes congressistas: NOMES), com o executivo apenas lavando as mãos. Agora o salário que 12 suplentes irão ganhar para não fazer absolutamente nada, pois janeiro é mês de recesso e o novo legislativo assume em fevereiro, enquanto executivo assumiu em primeiro de janeiro. Este escândalo me interessa particularmente, por ter um elemento que o outro não tinha.

Que se trata de uma anomalia um suplente assumir por um mês, o último do mandato, justo em um mês de recesso, e receber por isso, não resta dúvidas. Mas pergunto que culpa tem o congressista de ganhar a eleição para o executivo e não poder acumular cargos? Não vou dizer nenhuma, pois foram por pelo menos quatro anos congressistas e tinham poder para alterar aberrações como essas. Mas a forma como os tais dos “formadores de opinião” repercutiram o assunto mostra, na melhor das hipóteses, certa leviandade para tratar do tema. Parece que falar mal de quem habita Brasília virou um hábito, uma necessidade a priori da profissão, que não necessita maiores reflexões.

O que a mim parece ser o maior problema desse tipo de crítica é o fato dela culpar os mandantes de turno (parece que com o PT no governo federal o fator “mandantes de turno” se tornou mais forte do que nunca na história recente do Brasil) resulta em uma crítica absolutamente estéril. Afinal, se a culpa são dos mandantes de turno, o que nos resta é esperar as próximas eleições e votar certo. Acontece que o povo vota errado e elege e reelege maus congressistas (foi a resposta de um eminente jornalista a um e-mail que envie), o que faz com que a solução só possa ser vislumbrada nas próximas eleições, e assim vai, até que não reste outra alternativa do que um golpe democrático, como o de 1964 – afinal, maioria no congresso e constituinte, como na “Venezuela chavista”, na “Bolívia de Morales”, ou no “Equador com Correa” são anti-democráticas.

Se não é essa chuva de críticas estéreis, o que encontramos na grande imprensa são constatações/propostas tão estéreis quanto, como a “necessidade urgente de uma reforma política que não a proposta pelo governo”, mas a qual não sabemos qual é. E a ausência de um debate mais aprofundado na imprensa advém da própria precariedade das críticas e análises por ela feitas – análises que parecem ter sempre um grande medo de investigar as instituições e as leis para além dos seus mandantes de turno.

No caso específico deste último escândalo, o fato das eleições para dois poderes distintos ocorrerem simultaneamente já é algo que serve apenas para confundir o eleitor menos interessado. Afinal, quando a eleição do mandatário máximo da nação está em jogo, fica difícil prestar maiores atenções a esses quase 600 congressistas, que sequer se sabe ao certo para que servem (o que ajuda no retorno de deputados recém acusados de corrupção). Eleições separadas para executivo e legislativo (como ocorre nos EUA, por exemplo) já seria uma grande sugestão que aqueles que acham que este sistema é o que foi de melhor inventado até hoje poderiam fazer para melhorar o sistema representativo atual, pois ajudaria a deixar claro qual o papel do presidente, do governador, qual o dos senadores e deputados. Mas o medo de se criticar o sistema – ou a preguiça de se avançar a análise para além dos mandantes de turno – faz com que a imprensa não seja capaz de propor uma solução sequer.

Um último detalhe: o que nossa tradição republicana tem de mais marcante é o fato de ser uma “fábricas de escândalos”, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. A questão é saber quem decide quais desses escândalos entrarão no mercado, quais podem continuar ocultos sob os belos edifícios projetados por Niemayer.


Campinas, 07 de janeiro de 2006