sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Pensar educação (incompleto)

Com considerável atraso parece o Brasil ter descoberto que a educação tem utilidade além de uma perfumaria para damas de boa família e que educar é algo mais do que confinar pessoas em um recinto para lá passarem quatro horas em silêncio.
A educação entrou de vez na pauta do país: a imprensa começa a dar destaque seguidamente ao assunto, em formas de reportagens e editoriais; os tais “formadores de opinião” opinam e opinam sobre a importância da educação para a construção do futuro da nação do futuro e os políticos, ao menos no discurso eleitoral, fizeram da educação sua prioridade número um – que o digam os candidatos à presidência da República nas eleições de 2006. Finalmente a discussão sobre educação passa a fazer parte da discussão quotidiana e deixa de ser uma discussão específica de quem mexe com isso, ou seja, das faculdades de educação.
Mas esse súbito interesse pela educação não veio trazido pelo vento. Surgiu da iniciativa dos “gigantes do PIB” nacional, com o apoio da grande imprensa (escrita, ao menos), que depois de um ano de gestação lançou, em 6 de setembro de 2006, o movimento Todos pela educação, com metas a serem cobradas dos governos para 2022. Que a iniciativa tenha surgido tarde e nascido torta não a invalida e não justifica oposição a ela. As metas estipuladas são válidas e sem dúvida trarão grandes benefícios à todos – à população e à nação –, mas isso não significa que o conceito de educação e os pressupostos por trás dessa iniciativa não devam ser questionados. Ocorre que essa iniciativa já foi divulgada pronta, e destinada a propor ações e cobrar governos, e não a fomentar qualquer tipo de debate. A imprensa tem feito sua parte, ocultando iniciativas que tragam um questionamento mais profundo sobre educação, divulgando somente ações que homologuem o movimento.
O que se pretende aqui não é, de forma alguma, se opor ao Todos pela educação, mas complementá-lo naquilo que ele se apresenta falho: o debate, a discussão de idéias. Afinal, o conhecimento é construído, e essa construção se dá a partir do diálogo, do confronto de opiniões divergentes.
Todos pela educação, educação pública para todos. Mas o que é educação? É simplesmente o que se aprende do professor? É o que se aprende na escola? É o que se aprende na rua, com o pai, com a avó, com o irmão mais novo? Dentro da educação formal, o que deve ser ensinado? Como deve ser ensinado? E diante das metas que o movimento põe para 2022, quais os objetivos, quais os frutos que essa educação deve render?

Campinas, 23 de fevereiro de 2007

sábado, 3 de fevereiro de 2007

A oportunidade

“O que poderia parecer, à primeira vista, gesto de atenção para com o ensino superior, revela-se, em exame mais atento, operação de controle centralizado, pelo aparelho estatal do governo, das estruturas, funções, recursos materiais e humanos das universidades.” Assim falam acertadamente Alcir Pécora e Francisco Foot Hardman, do IEL/Unicamp, em texto publicado na página da Adunicamp (Associação dos Docentes da Unicamp). Mas esse exame mais atento revela um outro ponto: a rara oportunidade aberta pelas medidas tomadas pelo governador José Serra para o ensino superior. É difícil conseguir juntar no mesmo lado reitores, professores com histórico de luta no Fórum das Seis (Fórum que congrega as associações de docentes e funcionários das três universidades estaduais paulistas) e professores com histórico de “foda-se, me deixem trabalhar”, como agora.
Além das medidas tomadas pelo governador (mudança na composição do CRUESP, contingenciamento de verbas das universidades, necessidade de autorização do governo para mudanças nos gastos das universidades), soma-se a proximidade da data tradicional para reivindicações salariais (normalmente começa em março/abril), que sempre trazem a discussão da necessidade de aumento na participação do ICMS. Ou seja, é a oportunidade das diversas correntes de pensamento discutirem suas idéias sobre o ensino superior público, a relação das universidades com Estado, sociedade e mercado; financiamento, pedagogia e funções de uma universidade pública. Debates esses que nunca acontecem realmente, por só surgir em momentos extremos – como as greves e/ou paralisações por reajuste salarial –, em que os professores ditos de “esquerda” querem greve – antes por hábito do que por ser a melhor alternativa para conseguir os reajustes –, e rejeitam discutir qualquer coisa antes de ter a greve por ponto comum; enquanto os professores ditos de “direita” – alguns por não quererem perder as férias, outros por não julgarem oportuna a greve – são recusados desde o princípio sua entrada no possível debate.
Como o movimento contestatório não sabe agir, apenas reagir (ou então haveria uma discussão ampla sobre ensino superior, com propostas de mudanças, há pelo menos dez anos, e não somente depois da proposta do governo Lula ter sido levada ao congresso), as decisões tomadas pelo governo José Serra dão a chance de uma reação que, se conseguir ir além da mera questão pontual, será de grande proveito para o ensino superior brasileiro – uma vez que as universidades paulistas, com 45% da produção científica nacional, são uma referência no país. Resta saber se os professores das três universidades saberão ir além do estímulo-resposta, e questionarão, para além da autonomia universitária, formas de financiamento, a forma como capital privado tem adentrado a universidade pública, ao mesmo tempo que a população sem capital tem sido privada da universidade. É a hora de se questionar o modelo “consagrado” de universidade: vestibular, modo de ingresso, grades curriculares – a UFBA dá um grande passo além nesse quesito, e já é tempo das universidades paulistas, famosas por sua postura mais aberta, tentarem algo no mesmo sentido –, a prática de resolver os problemas que surgem com arremedos pontuais, como as fundações, cursinhos para alunos carentes, ou pontuação extra no vestibular.
A oportunidade foi dada. Se não for aproveitada, e se a partir de agora o ensino superior em São Paulo continuar decaindo, ou se aumentar sua taxa de decadência, a culpa não vai poder ser atribuída ao governo Serra ou a qualquer fator externo à própria universidade.


PS: é curioso que um partido famoso por defender a autonomia completa do BC defenda o aumento à restrição às universidades sob a alegação de que "as universidades não são ilhas isoladas. Elas devem estar abertas à sociedade, buscar o entrosamento e o governo é um instrumento importante para isso", como disse à Folha Aloysio Nunes Ferreira. Com todas as medidas tomadas, resta a dúvida do que seria essa tal de “sociedade” que o governo quer entrosar com as universidade.

Pato Branco, 03 de fevereiro de 2007