quinta-feira, 29 de março de 2007

“Ah, se minha cabeça pensasse”: comentários sobre o movimento estudantil da Unicamp

Juro que tive a maior boa-fé por seis anos, sempre recusando o óbvio, achando que apesar de todas as burrices, aparelhamentos e atitudes injustificáveis do movimento estudantil organizado da Unicamp haveria dois neurônios, um ao menos, na cabeça dos meus pares que se dizem politizados. Mas chega um momento em que não há mais como negar sua burrice e imaturidade. Ações drásticas servem para situações drásticas. Se tais ações se tornam corriqueiras, anuais, deixam de ser drásticas e, conseqüentemente, vão perdendo eficácia conforme são banalizadas – vide o exemplo das greves, que têm quase todo ano, cada vez com menos adesões (esta crítica à banalização da greve não serve só para os alunos, como igualmente para o movimento docente).
Apesar de ter ficado sabendo antes, fui me inteirar sobre a ocupação da reitoria somente no dia seguinte, quando vi que o negócio era realmente sério, e não havia sido feito no oba-oba de um momento de euforia hormonal estudantil. Mas desde o início algo parecia meio fora de ordem nas reivindicações estudantis.
O problema das casas do bloco-B na moradia. A reitoria fez o mínimo que se esperava dela em tal situação, e ainda que pudesse (talvez devesse) fazer mais, não justificaria uma ação drástica. O que se fazer quando uma casa está com avarias estruturais? Deixar os alunos lá até cair, ou isolar para reformar? Nesse ínterim, o que fazer com seus moradores? A ajuda oferecida pela reitoria de R$ 200,00 por mês daria para cobrir os custos de uma temporada fora da moradia (com sobras), enquanto fosse feita a reforma. Havia o considerável porém de que achar vaga fora da moradia não é tão fácil e locar uma casa – como sugerido pela resposta do reitor posta na página da universidade – implica em assinar um contrato de um ano. A reitoria bancaria esses R$ 200,00 por um ano, mesmo depois das casas terem sido reformadas? Não há indicação na página do DCE de que houve qualquer tentativa de conversa desse gênero. O resto da pauta concernente à moradia, que vêm de longa data, os alunos perderam uma ótima oportunidade para sentar e pressionar, se aproveitando da oportunidade recebida.
Ocupar a reitoria para pressionar pela homologação dos representantes discentes eleitos na escolha organizada pelos alunos, quando havia comprometimento da reitoria nesse sentido, é, para dizer o mínimo, burrice. Já disse, ações drásticas são feitas em situações drásticas, não quando se está conversando e se caminha para a solução defendida pelos alunos – conforme informavam panfletos distribuídos no final de 2006. Mas o mais interessante é que quando a reitoria, em 2004, então sob o mando do Brito, resolveu que os representantes discentes seriam escolhidos em eleição feita pela reitoria, os diversos grupelhos de stalinistas-acéfalos que disputavam o aparelho – PT, PSTU, PT-futuro-PSOL, trotskistas-radicais e outros tão ou mais infantis que – preferiram dar prioridade à disputa entre si pelo aparelho do DCE ao invés de se unirem contra a reitoria e realizarem um ato como o que hoje acontece, o que seria plenamente justificável. Sem qualquer reação dos estudantes não foi difícil à reitoria homologar a sua risível eleição para “RDs”.
Mas, sem dúvida, o mais patético é a reivindicação de um posicionamento contra os atos do governo Serra. Quando vi essa reivindicação, por um instante pensei: estou com a memória tão ruim assim? Fiz uma pesquisa na internet para me tranqüilizar de que não precisava urgentemente buscar um psiquiatra, e também para evitar falar besteiras. Lá estava: vários comentários do reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, criticando os atos do governo Serra, e, não somente isso, um artigo no principal jornal do país, a Folha de São Paulo, no dia 1 de fevereiro, questionando tais atos e se posicionando contra o governador. É sabido também que a comunidade universitária em peso têm-se oposto a tais atos, o que os alunos querem ocupando a reitoria? Que o reitor diga o que disse? Se ele disse, e não voltou atrás, porque esse ato para exigir o que é? O IEL que se cuide...
Fosse o movimento estudantil feito por novatos, inexperientes, mas está muito longe disso: há seis anos havia aquelas pessoas que já eram do movimento há muito tempo, e que persistem ainda hoje, com as mesmas idéias, as mesmas atitudes. Não somente isso: muitos do movimento estudantil são políticos profissionais, filiados a partidos há quase uma década, apesar de não terem muito mais do que duas décadas de vida, disputam e ocupam DCE e CAs há vários anos, e sabem negociar e barganhar entre os pares e com diretores de instituto em matérias que lhes dizem respeito. Mas de vez em quando gostam de uma pirotecnia. Não sei se porque a adolescência lhes custa a passar, se por problemas cognitivos que lhes impedem de amadurecer – pior, lhes impedem de pensar! –, ou se porque o partido disse que o melhor momento para “ações radicais” são os inícios de ano, em que os alunos ingressantes ainda não entendem nada de nada e aceitam passivamente servir de gado para tais ações.
Alguns alunos justificam a ocupação atual remetendo à ocupação da reitoria em 2004, durante a greve, como se toda ocupação fosse igual e não houvesse qualquer distinção entre aquele momento e aquelas reivindicações e o momento atual, as reivindicações atuais. Em 2004, quando a greve já caminhava para seu segundo mês e o reitor da Unicamp, também presidente do CRUESP, negava a existência do movimento – a página da Unicamp não havia feito qualquer menção até então –, a ocupação da reitoria, aliada à volta dos funcionários à greve e o recrudescimento do movimento destes – fazendo piquete no bandejão, por exemplo –, foi um dos fatores determinantes para a virada e sucesso do movimento. Qualquer comparação entre as duas ocupações serve apenas para mostrar a estupidez da atual.

Campinas, 29 de março de 2007

sexta-feira, 9 de março de 2007

A carga tributária é mesmo de 40%?

Diz-se por aí, como na página www.queromaisbrasil.com.br, por exemplo, que O Brasileiro, esse ente metafísico e fundador da brasilianidade, está cansado de pagar impostos. O mesmo é dito na imprensa, por Mirians Leitões ou comentaristas que só não são tão cretinos quanto por falta de capacidade: o Brasil tem uma carga tributária altíssima! 40% do PIB! Um horror! Se se necessita mostrar como é alta, comparam com a dos EUA ou Japão, ou de alguns países europeus desenvolvidos ou fortemente estimulados por dinheiro da UE para isso.
Sempre discordei de que a carga tributária brasileira fosse alta: dada as necessidades e a condição de um terço da população brasileira, a carga é razoável, ainda mais se compararmos com países como Suécia, Bélgica e Dinamarca. Na minha singela opinião de leigo que não tem preguiça de pensar (ao contrário da maioria, se não a totalidade, dos especialistas que falam para e pelo povo), os problemas dos impostos no Brasil são que a carga é mal distribuída, recaindo, proporcionalmente, nos mais pobres, e o dinheiro arrecadado mal aplicado, não somente por conta da corrupção, mas por ser mal direcionado mesmo, indo para projetos de utilidade duvidosa ou para pagar juros a especuladores, por exemplo.
Mas hoje me bateu uma dúvida: a carga tributária real do Brasil é mesmo de 40%, ou esse é só o número formal? Fui comprar uma prateleira e na hora de pagar, pedi nota fiscal, como geralmente faço. “Nota ou pode ser recibo?”, me perguntou a atendente, como geralmente fazem. Exigi nota, para espanto do dono da loja, que estava no telefone, ao fundo. Falou que daria nota, era obrigação dele. Mas comentou que não tinha, como consumidor, o hábito de pedir notas – achava que o tempo perdido não valia a pena –, e no negócio fazia o máximo que podia sem nota, para conseguir competir. Comentou que uma das empresas das quais comprava determinado produto tinha três tabelas de preço: sem nota, com nota no valor de 30% e com nota no valor de 50%. Falou mais, não sei se com a intenção de me comover e fazer com que desistisse da nota, ou se por surpresa mesmo – já que o bloco de notas sequer estava à mão, e ele, inteligentemente, desde o início não insinuou nada de “o bloco não está aqui hoje”, “com nota é mais caro”, ou outras falas do gênero que costumam ser utilizadas. De qualquer forma fiquei com a dúvida: uma grande empresa, como uma rede de supermercados, por exemplo, ainda que dê nota fiscal ao consumidor, paga todos os seus impostos, registra todas as suas transações, para poder reclamar que paga 40% de imposto? Não seria mais sensato exigir maior rigor na fiscalização, menor benevolência para com os fraudadores, de modo a fazer com que todos paguem o que lhe é “de direito”, e assim, a carga tributária poder ser menor, já que o valor arrecadado aumentaria?

Campinas, 09 de março de 2007