domingo, 29 de julho de 2007

E agora, José, como salvar as agências reguladoras?

Está curioso – para dizer o mínimo – a reação ao acidente com o avião da TAM. Ao contrário do acidente com o avião da Gol, em que era fácil atribuir a culpa aos pilotos estrangeiros ou ao governo federal, o que tornava desnecessário maiores explicações sobre o tal “caos aéreo” brasileiro, ou a definição do que seriam os “quase-acidentes” que aconteciam (acontecem?) aos borbotões todos os dias no nosso espaço aéreo, fazendo com que viajar de avião seja quase tão inseguro quanto pegar uma estrada; neste novo triste episódio, com a suspeita recaindo sobre a empresa – logo a maior empresa aérea do país – e, pior, sobre agência reguladora da avião civil, a Anac, muita cautela, nada de conclusões precipitadas, ainda que suspeitas devem-se levantar todas, principalmente as que inocentam tais instituições.
Mas, independente do resultado das investigações, a Anac sai muito chamuscada do episódio, e põe em risco a grande panacéia mundial: o controle de tudo pelos mercados. Vale lembrar: na década de 90, com os mercados sendo apresentados ao distinto público como a solução para todos os problemas mundiais e governantes letrados buscando na tal “terceira via” ou “governança progressista” um nome mais chique do que neoliberalismo, as agências reguladoras eram parte essencial para que o Éden viesse ao nosso encontro. O papel do Estado, para além de protetor da ordem via repressão policial, consistia em sustentar tais agências e nomear seus dirigentes de tempos em tempos. A essas agências cabiam o papel de fiscalizar a sua área delimitada, conforme critérios “técnicos”, de modo a garantir o investimento e, assim, preservar os interesses dos consumidores. Tudo livre de pressões políticas, já que seu dirigentes não eram demissíveis.
E tudo vinha funcionando muito bem até o acidente da TAM: o governo, seguindo critérios técnicos, indicava os dirigentes conforme apadrinhamento de tal ou qual político, esses dirigentes, afinados com com as empresas do setor que deviam regular, prestavam um bom serviço (para elas), o povo ficava em casa assistindo Faustão ou alguma bunda que se agigantava na tela, e estávamos todos felizes e satisfeitos.
As mensalidades dos planos de saúde tiveram um grande reajuste? Culpa do governo, que ainda não liberalizou totalmente o setor. Os valores da telefonia são abusivos? Culpa do governo que segue interferindo na Anatel. O avião caiu, os aeroportos são ruins, culpa do governo, dos controladores de vôo, da Infraero, que segue estatal. A pista de Congonhas foi liberada por pressão das empresas, culpa... do piloto, do fiscal imprudente, do dirigente da Anac, escolhido sem os devidos critérios “técnicos”.
A imprensa liberal se viu em aporia: se criticasse a escolha do governo e os dirigentes da Anac, o que iria defender? O fim da agência? Mandato revogatório aos dirigentes? Mas, se assim for, isso criará precedente, pode afugentar investidores, rompe com toda essa aura técnica que o neoliberalismo, perdão, a governança progressista traz à política comensal e pequena que se perpetua em nosso Estado – não porque é grande, mas porque é de poucos. A solução até agora encontrada foi bater nos dirigentes e no governo pela sua “insensibilidade”, assim como Marta Suplicy foi linchada publicamente por um comentário infeliz sobre um problema de uma área que não era a sua. Outra tática, ainda não bem clara, está em criticar os critérios técnicos utilizados para a escolha dos dirigentes e co-responsabilizar o congresso pela nomeação. Talvez para mostrar como a política estraga tudo, e estivesse na mão de técnicos escolhidos pelo mercado nada disso teria acontecido?
A discussão ainda deve render muito, mas não seria de se estranhar se um acordo de cavalheiros entre governo, empresa, imprensa, “sociedade civil”, técnicos e peritos selasse por culpar o piloto pelo acidente: sem chances de se defender, os vivos poderiam seguir tranqüilamente sua vida, defendendo a eficiência do mercado e as promessas de civilização vindas com os últimos inventos vindos do norte. Até o próximo acidente.

Campinas, 29 de julho de 2007

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