domingo, 12 de agosto de 2007

Pessoas com trilha sonora

Javier Castañeda, colunista do jornal espanhol La Vanguardia, já comentou (em www.lavanguardia.es/lv24h/20060316/51243793999.html e www.lavanguardia.es/lv24h/20070621/51365451215.html) da atual onda evasiva iniciada com os ipods e seus similares, em que as pessoas, no trânsito da sua casa ao seu serviço fogem do tédio de uma cidade conhecida e de seus barulhos desagradáveis, das conversas desinteressantes das pessoas nos ônibus. Não somente isso, no Brasil ganha adeptos a instalação de DVD nos automóveis (já que o sistema de transporte é ruim e classe média não anda de coletivo), aumentando ainda mais a alienação – e a conseqüente indiferença – com a cidade, com o entorno da pessoa. Ao comentar isso com uma amiga recebi como resposta: “mas em São Paulo, quer o que?”, como se coubesse a nós somente ver o que é belo, o que é feio escondemos (atrás de outdoors, por exemplo) e, na impossibilidade disso, nos escondemos, como se não fosse assunto nosso a cidade em que vivemos.
Mas voltemos aos toca-mp3, hoje já um tanto fora de moda com os novos celulares, cada vez mais cheio de utilidades (para disfarçar o fato do celular ser uma necessidade induzida, desnecessária, portanto?). Tenho a impressão de que os fones no ouvido não servem apenas como evasão do entorno, mas também para preencher um pouco uma vida em si sem graça – pelo menos sem a graça vendida pelo cinema e desejada por tantos, que não conseguem buscar nada além do que uma vida que imita a “arte”. Se não vivemos aventuras mil, se não topamos com o grande amor da nossa vida em uma inesperada situação, se não temos uma paixão caliente e arrebatadora em cada esquina, a música nos ouvidos ao menos nos permite termos uma trilha sonora, para fingirmos que somos protagonistas de uma aventura marcante prestes a acontecer. Se não podemos viver, ainda nos permitem sonhar com as emoções do cinema em nossas vidas, e a trilha sonora, ao menos, já temos.
Já tinha um pouco essa impressão com certas pessoas que passavam alheias à tudo com seus ouvidos tapados por fones – quase Richard Ashcrofts no clipe da música Bitter Sweet Symphony. Mas essa trilha sonora particular se mostrava um tanto limitada. Guardávamos para nós mesmos, e talvez por isso as aventuras do cinema não aconteciam conosco. Poderíamos dividir nossa trilha sonora andando com um radião no ombro, colado ao ouvido, como os estereótipos de filme de periferia negra dos EUA, mas não creio que fosse muito prático carregar um rádio para faculdade ou trabalho, segurá-lo dentro do ônibus, guardá-lo na bolsa. Nem que fosse do interesse de muitos passar por negro da periferia dos EUA no centro de uma cidade brasileira.
Mas tenho a suspeita de que uma nova geração de celulares veio sanar esse problema. Tem me admirado o tanto de pessoas que andam pela rua com o aparelho tocando alto, dividindo com todos a sua trilha sonora, queiramos ou não escutar o que elas escutam. Por enquanto isso apenas me causa admiração, mas creio que em breve, quando o som de tais celulares ficar mais potente, tal comportamento irá me causar profunda irritação, para dizer o mínimo, como me causam os carros e seus potentes sons automotivos (uma coisa que ainda não consigo entender é a tara das pessoas por carro e por som que incomoda os outros). Em uma época de individualismo cada vez mais extremado, já se aproximando da sociopatia, e em que as pessoas de vidas medíocres fazem esforços homéricos para serem diferentes sendo iguais e chamarem a atenção para tanto, espero com temor o dia em que a sinfonia de motores da cidade for abafada pela competição de sons automotivos, sons de divulgação e sons pessoais. Será que precisarei comprar um toca-mp3 mais potente para fugir a toda essa barbárie?

Campinas, 12 de agosto de 2007

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