domingo, 11 de junho de 2006

Burrice e cinismo

Ao que parece, Veja tem feito escola no “jornalismo” brasileiro. Leviandade, mentira, estultíce e desrespeito à inteligência de qualquer primata que não se negue a pensar, parecem ser o novo norte da imprensa brasileira.
A Folha de São Paulo mostrou esta semana que, apesar de ainda não estar à altura de Veja, em breve pode vir a competir com ela. Há tempos que o jornal tem mandados às favas um pretenso republicanismo, uma busca de imparcialidade e eqüidade. Dois editorias sobre a invasão do MLST ao Congresso mostraram que a perda da qualidade do jornal não se dá por acaso.
É certo que a invasão do MLST foi de uma burrice e grosseria injustificáveis. Que o congresso esteja desmoralizado não justifica quebrar tudo e agredir pessoas a troco de nada. Conseguiram chamar atenção para o movimento, ao mesmo tempo que conseguiram se comprometer frente a opinião pública e diminuir a legitimidade de ações realmente contestadoras frente à população. Sem mencionar o fato de radicalizarem desse tanto justo quando o governo não possui uma política de criminalização dos movimentos sociais. Mereceram críticas não só da grande imprensa, como da Agência Carta Maior, declarada apoiadora dos sem-terra.
Uma coisa é condenar o ato e pedir a prisão dos seus líderes. Outra, muito diferente, é comparar movimentos sociais ao crime organizado e seus líderes a líderes radicais islâmicos. Ou é muita burrice ou é muita filhadaputisse. O que parece estar por trás desses editoriais é, além da tentativa de prejudicar a reeleição do atual presidente (afinal, por mais que façam a mesma coisa, um gerente é bem mais apresentável em Davos do que um torneiro mecânico), um movimento conservador, no estilo falcões dos EUA.
Depois de comparar movimentos sociais ao crime organizado – ainda mais quando a população ainda está escaldada pelos recentes ataques do PCC – não é preciso dar nenhum passo para pedir a sua criminalização. No caso brasileiro, em que o próprio comandante da polícia nega o estado de direito a uma parcela da população (ao declarar que a polícia atira para matar), não é difícil imaginar aonde se pode chegar na defesa do combate a esse “crime hediondo”, nas palavras do próprio congresso. É o “Rota no Campo” (vale lembrar que o belo bordão malufista “Rota na Rua” é hoje disputado a unhas e tapas por PT e PSDB), “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos” e tantos outros chavões construtivos entoados na imprensa e nas porções teoricamente esclarecidas da população (que não são “massa de manobra”, é sempre bom lembrar: massa de manobra é só pobre). Ou, quem sabe, alguém não venha com a brilhante e inovadora idéia de um “plano colômbia” para o Brasil!
Já denominar o líder do MST, João Pedro Stedille, de aiatolá, em absolutamente nada contribui para o debate sobre reforma agrária e/ou a ação do MLST, pelo contrário, leva a discussão para um “obscurantismo” que o jornal diz existir nesses movimentos sociais. Se se fosse manter a “discussão” nesses termos, poderia-se dizer que o que os sem-terras são como aqueles que combatem os EUA, com seus mísseis inteligentes que destroem fábricas de remédio, com seus Abu-Ghraib, seus desrespeitos às decisões de órgãos multilaterais. Poderíamos manter o debate nesse nível e comparar, por exemplo, com filmes. Os sem-terra poderiam dizer que estão lutando contra a Matrix que quer escravizá-los e os meios de comunicação responder que são o Gladiador lutando pela pax romana. Enfim, pode-se continuar nesse debate avançadíssimo por horas e horas a fio sem que isso acrescente uma vírgula ao que interessa, que é a análise das causas e conseqüências do atual quadro social nacional. Já a crítica a Stedille por não ter feito uma condenação mais dura à ação do MLST ajuda a criar um cenário um pouco mais confuso para o leitor mais desatento: MST e MLST não são o mesmo movimento, ou então não teriam denominações diferentes.
Em suma: conheço jornaleco de bairro sério o bastante para não escrever o que Folha, Veja e demais respeitáveis veículos de comunicação tem escrito.

Campinas, 11 de junho de 2006

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