domingo, 9 de setembro de 2007

Xamãs midiáticos

Ainda estou me perguntando se o programa que escutei pelo rádio agora há pouco era para valer ou era algo como um humorístico meta-lingüístico. Chama-se “No divã com Gikovate” e, aparentemente, se pretende sério. Nele, pessoas manda e-mails ou telefonam e o apresentador supra-citado dá o seu palpite como bom psicólogo.
Escutei apenas o início do programa, o primeiro telefonema. Nele, uma mulher de 50 anos e que fazia terapia, contava brevemente seu histórico de vida e seu problema atual (com boa vontade, esse breve se aproximou de um minuto), e questionava, por fim, ao sábio psicólogo: “estarei eu me encaminhando para a homossexualidade?”. Este, como bom apresentador da indústria cultural, não podia deixar a pobre senhora que se interessava por pessoas de classes subalternas sem uma resposta. E não convinha, claro, qualquer resposta, como “e eu sei?” ou “já conversou isso com seu terapeuta? Ele é quem tem condições de te dizer qualquer coisa, eu, o máximo que posso, é desejar-lhe sorte e sucesso”. Nem mesmo era interessante para o horário e o meio questionar um pouco mais, “qual a importância de definir isso agora para a sua vida?”. O que o senhor Gikovate sentenciou, depois de um breve momento de silêncio destinado à reflexão (coisa de cinco segundos), foi “não”. E ainda justificou. Disse que tendo em vista todo o histórico de vida da mulher, suas experiências pregressas, ela já não estava mais em tempo para mudanças na orientação sexual. Impressionante o tom professoral e certeiro do apresentador! Contudo, desconfio que as profecias telefônicas do Walter Mercado deviam ter um melhor embasamento do que os conselhos do nosso psicólogo radiofônico.
Não vou me perguntar o que leva um psicólogo (que nem é tão desconhecido assim) a fazer esse papelzinho ridículo. Mas chama a atenção o fato de uma mulher aparentemente madura, experiente e que tem seu terapeuta, ligar a um xamã midiático pedindo uma resposta simples, um sim ou não. A necessidade de ser classificada: o que sou? Como se esse ser fosse capaz de ser apreendido em um minuto em uma conversa telefônica, e a partir da qual ela guiará sua vida. Guiará para onde? A certeza de saber ser heterossexual talvez dê à mulher a impressão de um caminho iluminado, mas que iluminação é essa, que caminho é esse? Seremos nós, será a vida passível de esclarecimentos tão simples: sim ou não, masculino ou feminino, hetero ou homossexual? É curioso: se a mulher fazia terapia já há certo tempo, teria ela ficado encabulada de fazer tal pergunta ao seu (ou sua, não sei) terapeuta? É uma hipótese, mas julgo improvável. Acredito que a pergunta já tenha sido feita reiteradas vezes, mas a mulher nunca tenha recebido do terapeuta a resposta desejada, o sim ou não. E nesse nosso mundo binário, enquanto não conseguimos definir com clareza o que somos, resta-nos certa sensação de desamparo, de náufragos em nosso próprio corpo. Então buscamos essa definição clara e precisa do que somos e do que os outros são. Como o náufrago que se agarra desesperadamente a uma tábua que restou do que antes era um barco, e com ela pode desfrutar de um breve instante livre do medo do afogamento, nós nos a agarramos qualquer tábua. E passamos a ter a sensação de que rumamos seguros para terra firme.

Campinas, 09 de setembro de 2007

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