sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Uma árvore, um livro, um filho

Lembro-me de que quando era pequeno – o que não faz tanto tempo assim, mas faz alguma diferença neste tempos de rápidas mudanças – ouvia de algum lugar – dos gibis da Turma da Mônica, talvez? – que uma pessoa, para que sua vida fosse completa, precisava plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Condições necessárias mas não suficientes. Pelo menos foi o que sempre entendi, já que sempre julguei reduzir a vida a uma árvore, um livro e um filho fosse um tanto limitado – por mais que nunca tenha tido um filho para saber o tamanho da dor de cabeça nem nunca conseguido escrever um livro.
Faço esse preâmbulo todo porque tenho pensado qual seria a validade e a aplicabilidade hoje de tal pensamento do século passado (me sinto quase um ancião citando “no meu tempo” e com isso remetendo a um século passado).
Da árvore, é fácil. Basta entrar em uma dessas páginas da internet em que se lê “clique aqui e plante uma árvore”, clicar no local indicado e ir dormir com a certeza de já ter concluído um terço dessa trilogia vital.
Com filhos não se tem a mesma facilidade, felizmente! Não somente isso. Uma série de empecilhos são fornecidos (felizmente, novamente!) para que novos rebentos não venham ao mundo a cada fornicação, arrebentando, assim, nosso já superpovoado mundo. Há aquelas pessoas que gostariam que se encaixasse na categoria filho seu cachorrinho, ou seu animalzinho de estimação. Não raro pessoas como essas chamam seus “filhos” – ou aceitam que sejam chamados – pela mesma alcunha que se dá à garrafa descartável de refrigerante. Isso, para mim, já dá indicação suficiente de que não devemos levá-las tão a sério em sua reivindicação. Há ainda aquelas que, como Machado, se questionam se se deve transmitir o legado de nossa miséria, se vale a pena pôr um filho em um mundo como esse. Como mundo – até onde podemos conhecer – só há este, trata-se de uma questão que não se pode fugir, mas que é muito extensa e não quero tratar aqui.
Um tanto fora da moda, citei Machado. Isso me faz lembrar: resta o livro. Como hoje lê-se cada vez menos, cheguei a imaginar que ele poderia ser substituído – talvez seja melhor dizer atualizado – por um filme. Mas então lembrei do Alexandre Frota. Se já plantou uma árvore, não sei. Mas vimos que isso é fácil de fazer. Se tem um filho, também não sei. Mas fornicador profissional que é, creio que tem conhecimento suficiente para fazer um rapidinho, talvez até com alguma plasticidade – mas torço, de coração, para que ele seja do grupo dos que se questionam se vale a pena pôr um filho no mundo, ainda que tenha sérias dúvidas se ele é capaz de tão elevado exercício mental (poupo-me de levantar dúvidas mais sobre o senhor supracitado). Pois bem, Alexandre Frota já fez filme, que eu cria ser o substituto do livro neste tempo atual, mas mesmo assim escreveu um livro. Nunca vi um filme seu, nem li o livro que (diz que) escreveu, e não me sinto nem um pouco infeliz por isso (talvez na situação contrária me sentiria, sim, infeliz; envergonhado, ao menos). E o fato de não conhecer sua obra pouco importa para o que estou escrevendo, já que não faço aqui uma crítica de arte, mas um comentário sobre um comportamento eventualmente citado nos gibis da Turma da Mônica (creio que eram nos gibis da Turma da Mônica). Talvez com o exemplo do Alexandre Frota possamos desconfiar de que o livro não tenha sido substituído de todo, mas que sozinho já não basta. A trilogia vital virou tetralogia, com o livro com papel acessório – acessório inútil, convenhamos, pois quem algum dia se interessou em ler o livro do Alexandre Frota?
Encerremos, enfim, essa conversa de cerca lourenço e adentremos ao móbil desta crônica.
Com as mulheres tenho cada vez mais a impressão de que a tetralogia vital tem se imposto de maneira muito mais contundente. Mantém-se os pilares da trilogia: plantar a árvore, dado que é fácil; o filho também, já que nossa sociedade insiste na crença do tal de instinto materno, “fato” que as mulheres – salvo as feministas e as inteligentes – aceitam sem questionar; já o livro de nada vale se não for acompanhado da capa da Playboy. Eis aqui o quarto pilar da trilogia transformada em tetralogia. Para as mulheres da nossa sociedade, se não posou nua para Playboy, não é uma mulher completa. Pouco importa o que fez ou como é. Ou melhor, importa como é, e aí descobrimos que mulher de verdade só as gostosonas enxutas – nem que gostosonas enxutas made in photoshop.
Tudo isso vêm à tona com a senhora Mônica Veloso fazendo pose de senhorita na próxima Playboy. Para ela plantar uma árvore, já dissemos, não será difícil. Um filho, já tem. Muito bem tido, por sinal, com um figurão da política nacional. E graças a esse rebento pode posar para a Playboy – prometendo para breve seu livro. Não sei bem qual a relação de parentesco dela com Renan Calheiros (aproveito para admitir o que aqui se desvela: não me interesso muito por antropologia, não), além de que é mãe do filho dele. Mas é por isso – ser mãe do filho do Renan – que ela é conhecida. E Renan é conhecido não por ser um garanhão comedor de garotinhas fúteis e gostosas, mas por político comedor de migalhas do Estado e dos governos. Não que Mônica Veloso não possa ser fútil e gostosa – não a conheço para saber da sua futilidade nem vi sua Playboy para saber se é gostosa –, mas certamente não é mais garotinha, a Lolita que Playboy está sempre à caça para disponibilizar aos seus ávidos, digamos, leitores. Também nada contra uma quarentona posar nua, tivesse ela ganhado notoriedade por seus atributos físicos. Mas Mônica Veloso não ganhou a notoriedade instantânea que possui por seus atributos físicos – talvez tenha ganhado a atenção de Renan por isso, mas trata-se de assunto particular deles –, mas por – sem querer – acabar se tornando peça-chave de uma disputa política por poder. E aqui pergunto: o que tem a ver ficar pelado com disputa política? Se não tem nada de mais ligar uma coisa com a outra (como muitos muito provavelmente dirão), por que convidaram a Mõnica Veloso e não o Renan Calheiro para posar nu para a capa da próxima revista? Ou os dois juntos, para contracenar com o Alexandre Frota? Será que na nossa sociedade a mulher só tem valor se for gostosa, enquanto o homem se garante por ser inteligente ou poderoso? Se uma mulher não vale os dez reais da Playboy (quanto custa uma Playboy?), não vale nada.
Falo da Mônica Veloso, mas poderia ter citado a secretária do Marcos Valério, Karina Somaggio, que não sei se chegou a posar nua, mas que entrou na bolsa de apostas das próximas capas da revista, quando no seus nove minutos de fama.
Em suma, pelo andar da carruagem, espero que a próxima Marilena Chauí que aparecer por aí não precise posar nua para a Playboy para só então estar apta a lançar seu livro de filosofia, sobre a hermenêutica do ser ou o que for. Sou dos que ainda acham que mulher é algo um pouco além do que uma boneca inflável aquecida.

Campinas, 05 de outubro de 2007