domingo, 27 de julho de 2008

O Lula estadunidense?

Lembro que logo no primeiro discurso que vi do então pré-candidato ao governo dos Estados Unidos, Barak Obama, creio que foi o feito após a primeira vitória no seu percurso rumo à indicação pelo partido Democrata, alguma coisa soava mal aos meus ouvidos e não me deixava adentrar na obamania que tomava conta do mundo e dos meus quatro amigos daquela madrugada de carnaval. Não se tratava apenas de manter a escrita e ser “do contra”, como dizem que gosto de fazer, mais por esporte do que por convicção – ainda que nunca tenham conseguido embasar tal tese de maneira satisfatória –, tampouco por conta de eu torcer para a senadora Hillary Clinton – não por julgá-la melhor ou pior do que Obama, já que não conheço nenhum dos dois para ter uma opinião formada, mas porque acho que vinte e oito anos de administrações Bush-Clinton no grande paradigma de democracia no mundo poriam alguns questionamentos oportunos sobre o ideal democrático (ou seria ideologia?) propagado de maneira cega pelos quatro cantos, inclusive por pessoas de boa fé.

Clinton perdeu, e por mais que eu torça por Obama em novembro, ainda não me deixei levar pela sua simpática figura. Semana passada creio ter encontrado a pedra no sapato que me impedia de adentrar na obamania. Infelizmente a pedra já estava grudada à palmilha, de modo que ela vai seguir comigo até que me provem que (mais uma vez) me equivoco. Só não me digam que faço isso só para ser do contra!

Foi na cobertura do seu discurso em Berlin. Ali ficou claro quem Obama lembra, não só pelo aspecto simbólico – um negro chegar à Casa Branca, caso Obama seja eleito, não é pouca coisa, pelo contrário – mas pela depuração de eventuais abalos profundos que o tal homem simbólico pode causar no Establishment. Nisso, as semelhanças com Lula, por enquanto, são gigantescas.

Comecemos pelo discurso do começo, o começo dessa coceira que me coça quando tento pensar no tal do Obama: foi um discurso vazio, cheio de jargões e frases de efeito, mas sem conteúdo. Disse isso já naquela madrugada. Passada a fase das prévias, Obama deu uma guinada forte à direita, em busca do voto dos tais dos indecisos e independentes. Disse o contrário de muito o que defendera durante as prévias e, em um caso extremo, precisou organizar uma segunda coletiva do dia para desdizer que havia desdito o que havia dito. Segundo muitos analistas, tal guinada foi o principal fator da queda abruta na diferença de intenção de voto entre ele e McCain.

Agora foi a vez do discurso em Berlin. Não sei qual é a receptividade dos berlinenses aos candidatos a presidente dos EUA. Pode ser que aquela massa de pessoas presentes para ouvir Obama em nada se distinga da massa que estará presente para ouvir McCain, em um eventual discurso deste na capital alemã. De qualquer modo, a receptividade mundial ao candidato democrata não encontra qualquer similaridade com o candidato republicano. Obama está desfilando pelo mundo (e olha que ele ainda nem foi eleito!), como Lula desfilava quando recém-eleito: ave rara em exibição nos principais mercados do planeta. Este, o operário que virou Rei; aquele, o negro que virará Imperador do mundo. Corram, venham ver! Só ver.

As esperanças depositadas em Obama são grandes. Alguns obamaníacos amigos meus tentam pôr os pés no chão: sabem que seu eventual governo não será nada revolucionário. Mas acreditam que será significativo. Obama conseguiu construir qualquer aura em torno de si, talvez por seus discursos vazios, bem feitos e sem comprometimento, talvez pelo espetáculo feito pela imprensa em torno dele, talvez por sua figura assaz simpática, talvez alguma lembrança de Luther King e de 1968.

Change, yes we can”, diz o slogan do candidato democrata. “Mudança”, foi a primeira palavra dita por Lula após anunciada a sua vitória. O resultado dos seus oito anos de governo, ao que tudo indica, é uma generalizada sensação de desânimo e um cinismo morfético. Que a história com Obama seja diferente, que seu simbólico não fique restrito ao fato de ser negro, como de Lula ficou restrito ao de ser ex-operário (talvez bem comportado também seja simbólico em Lula, mas não foi com isso que ele construiu sua aura).


Campinas, 27 de julho de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom ler um contraponto, que seja "do contra" (rs) a um certo colunista da Folha que disse algo sobre a recepção de Obama em Berlin. Acho que aquele colunista vê plasma na massa e nisso só vê opinião pública recheando o espírito democrático.
Abraço, Felipe.