quinta-feira, 16 de abril de 2009

O toque de um celular

Retornava de São Paulo. Já quase em Campinas acordo com o celular de um passageiro tocando: uma arma que engatilha e atira. Meio sonado, meu primeiro pensamento é sobre o mau gosto do toque, enquanto o policial atende à chamada. Foi só depois que me dei conta de certa dimensão da cena.
Eu poderia pensar que o celular de um PM ter toque de tiros seria uma mostra de que ele gosta do seu serviço. Seria como o toque do celular do Galvão Bueno trazer um grito seu de gol do Ronaldo para o Brasil. Porém me parece mais condizente uma analogia em que o celular desse imparcial narrador tenha como toque ele dizendo "...gol da França...", tirado da final da Copa de 98. Isso porque um policial dar tiro é parte do emprego, como o Galvão narrar a derrota do Brasil: faz-se, mas com grande pesar, lamentando que tenha acontecido.
A um mantenedor da ordem social, espera-se, seu objetivo seja ver tudo "nos seus conformes", como diz meu pai (não necessariamente sobre a ordem social). Dar um tiro seria, portanto, sinal de fracasso, ainda que parcial do policial, da corporação, da sociedade: mostra de que algo foge à ordem de tal maneira que é preciso apelar a opções drásticas.
Salvo o caso de se tratar de um masoquista, o toque do celular de um PM ser barulho de tiros mostra o quanto ele deve gostar dessa parte do seu trabalho. Ou seja, antes que um defensor da ordem, ou sob a pretensa defesa da ordem, trata-se de um entusiasta da anomia que deveria combater. É o fracasso em manter a ordem que lhe dá a impressão de ser útil a uma sociedade falida.

Campinas, 16 de abril de 2009


Publicado em: www.institutohypnos.org.br

1 comentário:

Anónimo disse...

é policial da guerra civil,
que faz da caricatura um traço afundado na boca ridícula de um fuzil.
felipe.