sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O direito ao descanso é só para quem trabalha

Nos últimos três anos, a agenda que uso tem no seu calendário o domingo como último dia da semana, e não primeiro, conforme aprendi no século passado. Além do incômodo pelas confusões que esse calendário me propicia, nutro uma especial implicância com o domingo – dia na nossa tradição dedicado ao descanso – vir só no fim da semana: dá a impressão de que o dia de descanso e desfrute livre do próprio tempo só é merecido depois de ter passado resto da semana sob o carinhoso açoite do trabalho. Nada mais natural em uma sociedade que cada vez mais trata direitos básicos como recompensas.

Sociedade na qual um dos direitos constitucionalmente garantido é o do trabalho, sem o qual, conforme muitos, não se deveria ter direito ao repouso – no domingo ou qualquer outro dia. Afinal, quem não trabalha é vagabundo. Pior são aqueles que recusam os R$ 450 por 40h semanais, maus elementos por natureza.

Por sinal, debate-se no congresso a redução da jornada de trabalho. Entre discussões se se trata de um avanço ou um retrocesso neste mundo globalizado, esquece-se que no século XIX 8h diárias já garantiam o lucro do patrão. De lá para cá, houve algum desenvolvimento tecnológico que permitiria diminuir a labuta a 8h semanais, se tanto, dando emprego para todos.

Não é da lógica do sistema, já me explicaram. Como se eu não soubesse que é sinônimo do sistema funcionando ordenadamente 80% da população mendigar, sem qualquer dignidade, um emprego simiesco qualquer ou um pedaço de pão.

Há quem veja em programas como bolsa-família um estímulo à vagabundagem. Não vejo problema nisso: até penso que pessoas que conseguem se sentir bem consigo mesmas sem precisarem provar para ninguém que prestam para algo são mais leves e felizes, menos ressentidas. Duro é convencer aquelas que desde cedo foram doutrinadas que só o trabalho dignifica, de que ler um livro, pintar um quadro ou jogar uma pelada, ao invés de trabalhar, não é pecado e deveria ser um direito mais elementar do que o do trabalho.

Por essas e outras que sou contra o bolsa-família e a favor da renda básica de cidadania.


Campinas, 07 de agosto de 2009

Publicado em www.institutohypnos.org.br

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