sábado, 15 de agosto de 2009

Uma doutoranda em saúde pública

Confesso que encaro o preconceito como ofensa pessoal, por mais que eu não seja mulher, gay, índio, negro, judeu, nordestino ou outra minoria. Também reconheço que não sou imune a preconceitos, mas tento quotidianamente me sanar desse mau hábito. E sei relativizar o preconceito, dependendo de quem é meu interlocutor: em geral pessoas mais velhas e mais simples, por exemplo, costumam ter preconceito contra índio. Não que eu aceite, apenas não encaro como inaceitável, e não raro, dependendo da relação que tenho com a pessoa, tento contra-argumentar.

Duro é quando me deparo com um preconceituoso armado de justificativas científicas, exibindo suas credenciais acadêmicas.

Conversava eu com uma guria do penúltimo ano do doutorado em saúde pública na FCM da Unicamp. Trabalhava desde os 15 anos e dizia que sentia necessidade de se sentir útil. Claro, exigia dos outros o mesmo senso de utilidade. Eu, nessas horas, gosto da frase do Rubem Alves: útil é martelo, serrote, computador, eu sou um ser humano, tenho valor por mim mesmo. Ela torceu o nariz para o filosofeco (o depreciativo é por minha conta) despreocupado com sua utilidade.

Conversa vai, conversa vem, dentre as diversas barbaridades proferidas, defendia a esterilização das mulheres pobres. “Essas meninas de 15 anos engravidam de traficante para ter moral no morro. Esterilizadas, não se procriam e se encerra uma série de males”. Questiono se não era melhor acabar com o tráfico. “Como”. Legalização. “Não adianta”. E que tal investimento forte em educação, melhores condições de vida e de futuro? “Não funciona. O sistema é assim e melhorar a renda das pessoas leva tempo o bastante para que não surta efeito”. Pensei em sugerir câmaras de gás, ou que o cano de escape dos ônibus fossem voltados para dentro dos veículos, que tal?, mas ela se despediu antes, disse que eu era muito chato. Confesso que por isso não me senti ofendido.

Campinas, 15 de agosto de 2009


Publicado em www.institutohypnos.org.br

1 comentário:

Anónimo disse...

credo, que conversa macabra! essa da medicina é uma bruaca, confesso. felipe.