terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Luzes sombras e cores

Tenho cá minhas dúvidas se um dia a comunicação entre duas pessoas pode vir ser transparente e cristalina: tudo o que é dito de um lado é compreendido do outro, e eventuais falhas no entendimento logo sanados. Se acaso for possível tal nível de esclarecimento, quero distância.

Em geral, vemos os mal-entendidos sempre de maneira negativa, quase que a origem dos males do mundo - ou ao menos das relações humanas. Não discordo que eles podem acarretar muito desgaste e conseqüências desagradáveis, porém julgo tais conseqüências antes frutos de nossas dificuldades para o diálogo do que do mal-entendido mesmo.

Um mal-entendido pode ser uma oportunidade para um encontro franco com outra pessoa - assim como consigo mesmo, uma vez que pode deixar evidentes certos preconceitos nossos muito ínfimos, mas não menos presentes. Pode ser a chance de uma nova e repentina idéia; a abertura para o inesperado que o contato transparente não deixaria: se tudo é sabido, por que arriscar? No que arriscar?

Meu elogio das sombras - na comunicação, inclusive - é algo recente, tem três anos. Já precisei me vigiar mais para tentar manter um certo equilíbrio entre luzes e sombras - e não jogar luz sobre tudo, como desejo em minha herança iluminista. Hoje já não tenho esse ímpeto luz luz luz e chego, eventualmente, até a perder a medida: semana passada achei que fora cristalino, mas a luminosidade do que eu dissera ficara bem aquém do que eu julgara. O que era para ser sabido, pré-combinado, sem sobressaltos, tranqüilo, num sopro se tumultuou e se desfez ganhando surpreendentes cores inusitados contornos outros significados diferentes perspectivas novas possibilidades - se serão predominantemente positivas ou negativas, ainda não sei, e isso tem também sua graça (da qual faz parte certa angústia).

Voltei para casa perplexo, como ainda estou: como pode da sombra tantas cores? E como pôde eu um dia querer só luz?

Sombras, por favor!


Campinas, 14 de dezembro de 2010.


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre as bandas covers do Festival Planeta Terra

O século XXI começou com a moda passada, quando o antigo deixou de ser uma influência para ser determinante – a tal da moda retrô. Como o mundo do consumo atual anda se consumindo muito rápido, o retrô foi se acelerando, e já estamos no retrô anos oitenta e anos noventa, perto de chegarmos ao retrô do retrô, o retrô dos anos zero zero. Para não chegar tão cedo à contradição, ganhou força moda ensaiada ainda no século passado, com os Sex Pistols, de bandas fazerem covers de si mesmas, aproveitando essa nostalgia das quinquilharias consumidas num passado não tão distante, mas já obsoleto – bem exemplificada, por exemplo, no almanaque dos anos 80, em voga nos adultos jovens mais ou menos da minha idade, que nem lembranças dos anos 80 têm direito.

Perdi a vinda do Rage Against The Machine cover e a segunda do Pixies cover ao festival SWU (nome que me deixa profundamente irritado), mas aceitei o convite de acompanhar o Cássio ao Planeta Terra, em que tocariam, além de Mombojó, Hurtmold e Phoenix, Pavement cover e Smashing Pumpkins cover.

No show do Pavement, banda indie seminal dos anos 90, muito palco para a banda. Deviam estar acostumados a tocar em festivais, mas não como atrações principais, dessas que precisam se preocupar com iluminação: shows à noite deveriam ser em pequenas casas, sem tudo aquilo de espaço: bastavam um ou dois spots iluminando e fim. De qualquer forma, o grupo parecia animado com o show, salvo o principal nome do grupo. Stephen Malkmus, para além da pose de elegância, parecia cansado, sem empolgação, ainda que não se possa dizer que foi burocrático. Talvez fosse desânimo, sabendo do atraso que era se restringir às músicas do velho grupo diante do que produziu depois do seu fim – que teve boa repercussão, contrariamente aos seus colegas de banda, salvo Nastanovich e sua quase conhecida Silver Jews, que era já paralela ao Pavement. Teve lá sua dose de emoção ver Pavement tocando ao vivo, como se fosse possível voltar ao início dos anos 90, mas não é a mesma coisa, não adianta se enganar. E Stephen Malkmus parece que não quis mesmo entrar tão a fundo na ilusão: estamos em 2010. Em resumo, chamar decepção é exagero, mas Pavement cover foi frustrante – shows do Stephen Malkmus and the Jicks e Silver Jews seriam bem mais vivos.

Já o grande grupo cover da noite – o indie main stream – era o Smashing Pumpkins cover – que voltara prometendo não ser mero cover de si mesmo. Deixarei comentário sobre isso para daqui a pouco. No show era evidente quando tocavam a parte cover e quando tocavam a parte não-cover. E por ter intercalado músicas novas e antigas, conseguiram acabar com qualquer clima catártico que o show poderia (e prometia) ter para os desesperados fãs da banda de Billy Corgan. O que houve foi um morde-assopra: uma música para a galera empolgar, outra pra todo mundo ficar parado olhando torcendo pra acabar logo e começar uma música antiga (ou “do Smashing de verdade”, como diriam muitos). Poderia argumentar que o artista faz bem de mostrar as novas músicas, ao invés de só agradar o público com as velhas e conhecidas. Ocorre que ao voltar com o mesmo nome, mas sem o mesmo vigor, o Smashing Pumpkins se aproveita do que foi para tentar emplacar o que não mais é. Quando Corgan acabou com a banda, há dez anos, parece ter feito bem. A banda que teve depois, a Zwan, mostra um pouco isso: deixava de lado o clima sombrio e um tanto auto-indulgente por algo um pouco mais leve e colorido, sem excessos. Uma mudança necessária para não se repetir. Mas sem o mesmo sucesso imediato no novo formato, voltou à velha fórmula – disse ele que é porque seu coração era Smashing –, primeiro em carreira solo e, diante de novo insucesso, com a velha banda e o velho nome. Que só tem força enquanto cover de si mesma: já tinha mostrado em suas novas composições, e isso ficou claro no show no Planeta Terra. Para minha tristeza: sequer as últimas composições do velho Smashing Pumpkins parecem animar os fãs da banda cover, e elas ficaram fora do set-list.

Para concluir: não vou dizer que não valeram a pena os shows. E não vou criticar a volta das bandas covers de si mesmas: fui ao Planeta Terra por causa de três shows, dois deles cover. No SWU, teria ido por causa de três também, dois deles covers. Mas no caso de bandas em que os artistas conseguiram seguir com trabalhos interessantes, caberia atrelar a banda cover a apresentações dos novos projetos – não sei se precisavam ficar ou num ou noutro. Billy Corgan, mesmo tendo seu “coração Smashing”, poderia ter prosseguido com a Zwan. Malkmus poderia ter feito show com o Pavement cover, e num outro dia tocado em São Paulo as músicas de seu Real Emotion Trash e outros. Nessas voltas, parece que perdem todos – artista e público.


Campinas, 29 de novembro de 2010.

domingo, 14 de novembro de 2010

Selo de qualidade para o Enem

Nestes tempos em que as pessoas têm extravasado seus preconceitos, também eu preciso admitir preconceito que tive dias atrás. Mal havia passado uma semana das eleições, e parti do meu pré-conceito reforçado durante o ano de 2010 quanto à lisura da Folha e preferi nem ler do que realmente se tratava o problema no Enem, merecedor de ser a capa numa edição de domingo. Me conformei em achar que se tratava de um factóide.

Só agora, uma semana depois, mais tranqüilo, verifiquei que estava correto no meu achismo. Com essa semana, noto que poupei meu estômago. Menos mal.

Àqueles que trataram de logo se esquecer, também pensando em seu bem-estar, lembro da manchete da Folha de 7 de novembro: “MEC erra de novo e causa confusão no 1º dia do Enem. Apresentação das perguntas não batia com a folha de respostas da prova, realizada por 3,4 milhões de alunos”. Dentro, o título da reportagem não dá margens para leituras dúbias: “Erro no Enem afeta 3,4 milhões de alunos”. Trata-se, portanto, de uma falha completa, do Enem – com 3,4 milhões de provas erradas, um número impressionante –, ou de quem redigiu o título, que precisa de umas aulinhas de português, ou de ética, mais provavelmente. Como o caso é grave – o de ética, mas a Grande Imprensa finge que isso é irrelevante –, o principal jornal do Paraná, a Gazeta do Povo do dia 14 de novembro, trazia não só a manchete mas quase toda a capa dedicada à perda da credibilidade do Enem após fiascos.

Enfim, aos fatos. A imprensa alardeia quase dois mil alunos afetados (contrariamente ao que afirmou a Folha de 7 de novembro), o Ministério Público que tenta cancelar a prova, o ministro Haddad prestes a cair diante de mais esse fiasco. Pois bem, dois mil em 3,4 milhões significa que essa confusão, essa desmoralização, toda essa perda de credibilidade do exame se deve a 0,06% de falha (arredondando para cima). O percentual de falha das urnas nas eleições 2010 foi quase sete vezes maior: 0,4%. Talvez a Grande Imprensa não tenha atentando para esse dado, por isso não pediu a anulação das eleições – esse retumbante e desmoralizante fiasco da democracia brasileira, a se concluir pelo exemplo do Enem. Tomara que ninguém desse pessoal leia esta crônica.

Diante do clima de conflito binário – o bem contra o mal – que a Grande Imprensa já há algum tempo tenta criar no Brasil (como já criou na Venezuela), anda difícil não tomar partido – por mais que eu, mesmo com muito boa vontade, julgue o governo Lula no quesito educacional mediano (se se parece excepcional é porque a base de comparação foram os inomináveis anos FHC-Paulo Renato). Porém, honestidade deveria ser algo banal e não uma virtude rara – isso a gente se dá conta nas eleições – e, convenhamos, com 0,06% de erro poderíamos dar um selo ISO qualquer de qualidade para o Enem. As virtudes, os méritos e deméritos, a utilidade e se se gosta ou não do exame, isso é outro debate.


Pato Branco, 14 de novembro de 2010.

domingo, 31 de outubro de 2010

A queda da Folha conforme a decadência dos seus ombudsmen

É possível notar a decadência da Folha de São Paulo nos últimos anos pelo nível dos seus ombudsmen. Sou eufemístico ao falar decadência, mais condizente é dizer seu despencamento de qualidade. Decadência era no início da década, quando parecia que havia possibilidade de reversão relativamente tranqüila.

Os últimos jornalistas a ocuparem o cargo apenas atestam o caminho da Folha rumo ao título de veículo mais mau caráter da Grande Imprensa – o que tem algo de honroso, dada a qualidade dos adversários, convenhamos. Eles realmente imaginam que alguém minimamente vivo acredita que eles são plurais, imparciais, independentes? E como já disse alhures, não vejo ser parcial como algo necessariamente negativo – até porque não creio na imparcialidade. Contudo, tampouco acho louvável a busca pela parcialidade, como é a tônica na internet.

Mário Magalhães era um ombudsman moderado, mas mesmo assim, por desagradar ao chefe, seu mandato acabou não sendo renovado ao fim do primeiro ano. Carlos Eduardo Lins da Silva parecia mais um office boy – moço de recado, como chamam em Portugal – do que ombudsman: levava e trazia mensagens dos leitores e do jornal pra lá e pra cá, pouco acrescentava.

Já Suzana Singer só não beira o patético porque o que ela faz como ombudsman é patético. Ela simplesmente inverteu o que faria o ombudsman: ao invés de fazer a crítica do jornal a partir do que recebe dos leitores, ela defende o jornal das críticas dos leitores! E defende de maneira muito pobre, o que é pior. Diz ela em sua coluna do dia 31 de outubro que a cobertura do jornal, depois de escorregadas (escorregadas? Eram tombos!) no primeiro turno, foi equidistante com relação aos dois candidatos no segundo. Aham. Numa eleição que mais parecia ser pela paróquia de Aparecida do que pela presidência do Brasil, na capa de 12 de outubro o jornal mostrava Dilma não comungando, ao contrário de todos ao seu redor; já na capa do dia 29, a foto era de Serra beijando uma Santa. Se isso é equidistância, Singer deveria explicar o que é “equidistante” na novalingua da Folha, que não achei a definição no seu Manual de Redação.

Se Folha um dia quiser provar que não é tão mau caráter assim e não tenta enganar seus leitores, que nomeie para o que eles chamam de ombudsman a Eliane Catanhêde, ou o Clóvis Rossi, ou o Otávio Frias Filho de uma vez, por que não? Aí, então, podemos conversar.

Campinas, 31 de outubro de 2010.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falta de educação

Lembro da primeira vez que assisti a uma orquestra sinfônica ao vivo. Cidade do interior, há dez anos uma sinfônica não pisava por lá, o maestro achou por bem pedir que não aplaudissem entre os movimentos. Começou com Mozart, não lembro o que. Ao final do primeiro movimento, aplausos esfuziantes de boa parte da platéia – deste escriba, inclusive. Espertinho, imaginei que o maestro não ter agradecido devia ser sinal de que aplaudíamos na hora errada. Esse tipo de educação, de etiqueta, se aprende mesmo com o uso.

Com o advento do correio eletrônico, aquele cabeçalho de carta caiu. Salvo um professor aposentado da Unicamp que ainda punha “Paris, data tal do ano tal” (será que era só para ele dizer que estava passando uma temporada em Paris?), começa-se logo com um “eae’smaluco”, ou um “olá, tudo bem”. A carta tradicional, em compensação, até ano passado, ao menos – que até 2009 eu ainda trocava cartas com alguns amigos –, seguia com o tradicional cabeçalho.

O Orkut dispensou até o olá e o sds do final dos e-mails, que atualmente já vão dispensando tais “formalidades”. Porém não se pode fazer o mesmo nos mensageiros instantâneos – falta de educação que eu reiteradamente acabo por cometer.

Etiqueta que eu ainda não consegui descobrir é o que fazer quando comentam texto meu por aí, em fórum aberto. Se o fazem privadamente, fácil: é um correio eletrônico, respondo – ainda que por vezes leve dois meses para enviar a resposta, o que acaba por ser quase tão mal-educado quanto a não-resposta. Agora, e comentário em blogue? Se é um mal entendido, um convite à peleja, há, sim, o que responder. Porém, quando se trata de um comentário mais tranqüilo, um gostei, um interessante complemento – como o do Anderson em meu último texto –, o que responder? É um pouco da minha dificuldade em lidar com elogios, e dizer simplesmente obrigado; um certo senso de utilitarismo estrito (nem sempre seguido) nos comentário, em que um valeu só para dizer que li o comentário me parece dispensável – porque é óbvio que li e que gostei do elogio. Isso pouco importa: se é essa a etiqueta, já há um bom tempo sou um baita de um mal educado virtual.

Num eventual próximo comentário, a me surgir novamente tal dilema, não me tendo ainda decidido o que fazer, remeterei a este texto: lê lá, eu me enrolo, me enrolo, me enrolo, mas no fim digo obrigado.

Campinas, 29 de outubro de 2010.

domingo, 24 de outubro de 2010

Saudades do Tiririca

Fui um dos que criticaram o Tiririca. Hoje me retrato. Não que ele tenha feito uma campanha de alto nível, mas foi exagero dizer que ele escarneceu da política e dos eleitores, salvo quando disse que “pior do que está não fica.” Não é por obra de nenhum semi-analfabeto que nossa política está e estará pior.

O escárnio parte de uma facção da elite, de um grupo da elite intelectual e acadêmica – ainda inconformada por ter sido alijada do poder federal há oito anos pela rafuagem –, que conseguiu baixar o debate eleitoral e a discussão política a um nível tão baixo, mas tão baixo, que tarefa para os próximos quatro anos será tentar desfazer a ligação automática entre política e falta de escrúpulos que PSDB, Folha, Globo e Veja, principalmente, construíram.

A campanha de Serra nos contemplou com algumas lembranças dos piores momentos da direita nacional. Começou com um tosco lacerdismo udenista pré golpe de 64. Para chegar ao segundo turno apelou descaradamente ao populismo mais rasteiro – Adhemar de Barros e Maluf – com suas propostas anti-tucanas nunca questionadas pela imprensa sempre vigilante dos gastos petistas do dinheiro público com os pobres. Já no segundo turno, faltou apenas jogar caspa no paletó e dizer que Dilma incluiria maconha na merenda escolar para ser confundido com Jânio Quadros – porque a pergunta sobre a crença em Deus houve. E, claro, desde o início sua campanha tem um collorido indisfarçável, que vai se tornando a cada dia mais evidente. Não imagino o estouro de uma refinaria de crack com a bandeira do PT, ou uma edição tão tosca do debate no JN como em 1989, nem há clima para um novo Proconsult, mas atento apreensivo para um golpe branco orquestrado pelo candidato junto com a Grande Imprensa.

Nestas eleições uma eventual vitória da Dilma já foi anunciada como o fim da democracia de fato no país; já se levantou o desmonte do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um Estado fascista sob o PT. Nunca a lembrança de 64. Não creio que seja por conta da história do PT, antes por qualquer projeto do PSDB – esboçado no início da campanha, sem eco nos quartéis.

Alberto Goldman, do PSDB, em discurso não transmitido na Grande Imprensa, sugeriu semana passada comparação entre Lula e Hitler. Tiririca perguntava se o eleitor sabia o que fazia um deputado federal. O eleitor poderia perguntar agora se Goldman sabe o que é capaz de fazer um político. A lembrança a Hitler, o apoio da Grande Imprensa e o Serra ao seu lado mostram que, ao contrário do Tiririca, ele e o PSDB sabem, sim, mas não terão coragem de dar a resposta antes das eleições. Nem depois.

O eleitor pode escolher descobrir por conta. Não sugiro.

Campinas 24 de outubro de 2010.

Produção egoacadêmica

Se para medir a produção científica brasileira, além do tanto de paper produzido (por favor, por mais que os novos ricos e a academia se entristeçam com este fato, ainda moramos no Brasil e não no Brazil, e estamos falando de produção científica e não de scientific production, logo, fala-se “papér” e não “peiper”) fosse levado em conta o material egoacadêmico que um professor ou um pós-graduando gera anualmente em seus embates nas n mesas-redondas que participa para engordar seu currículo lattes - o que também afaga seu egoacademicisimo -, teríamos uma melhor imagem dos esforços que os pesquisadores tupiniquins fazem em prol do desenvolvimento da ciência.

Um amigo contava das agruras do seu doutorado. Teve o infortúnio de cair no meio de uma disputa entre grupos de um programa de pós na Unicamp. Pelo regulamento, seu primeiro orientador não podia orientar no doutorado, mas se seu grupo conseguisse a coordenadoria de pós-graduação, dava-se um jeitinho e passaria a poder. Não conseguiu. O grupo que assumiu a pós, para evitar mal-estar desnecessário com o grupo rival, não liberou o professor para orientar, mas não quis assumir qualquer posição oficial, assinando documento dizendo que não podia, como pediu meu amigo. O professor pediu a seus dois orientados que escrevessem uma carta falando que só aceitavam ser orientados por ele. Meu amigo se recusou: a disputa interna entre os grupelhos não era com ele. Do outro lado, a coordenação "pediu" que eles assinassem uma carta pedindo que trocassem de orientador. Se negou também. O pedido foi um pouco mais incisivo: ou assinava ou perdia a bolsa. Argumento errado para meu amigo. Só assinamos a qualificação e a defesa se tiver a assinatura desta carta. Aí não teve como não ceder ao bom argumento de autoridade da autoridade. Mais velho, mais independente (não apenas financeiramente), ele acha que essas disputas são complexo terceiro mundista, briga para ver quem é o maior anão, disputa entre pequenos, que preferem não olhar para os grandes para não terem que encarar o próprio tamanho.

Tentei argumentar que disputas entre grupos e brigas de ego costumam ter em qualquer lugar - do ministério à copa -, mas devo reconhecer: universidade pública vai muito além não só do bom senso como dos níveis toleráveis, e a troco de nada. Já tive aula de ética em que o professor parava a aula para fazer fofoquinha de uma colega de quem ele não gostava – e que sequer era da Unicamp. E o pior é que a geração que vem aí não hesita em seguir o chefe: antes deixar tudo como está do que pôr a carreira em risco – por mais que ela já esteja comprometida.

Amiga minha contava de conhecida nossa que faz mestrado na USP. Perto do prazo para qualificar, sem qualquer resposta do orientador, foi atrás do dito e quando o encontrou descobriu que ele sequer sabia qual era seu tema de pesquisa. Ele alegou que estava com alguns problemas de saúde e por isso ficaria um tanto ausente “a partir dali”. Lógico, minha conhecida foi urgentemente pedir para trocar de orientador. Nada. Mais nova e sem a independência do meu amigo (e não falo aqui da financeira), preferiu deixar como estava. Não entendi. Minha amiga, muito bem inserida nos meandros acadêmicos, me explicou: trocar de orientador poderia queimá-la dentro do programa; logo, melhor fazer a pesquisa pedindo ajuda para amigos, pôr o nome do orientador ausente na dissertação, agradecer a todos, e correr atrás de outro para o doutorado, tendo esse seu desprendimento como carta de apresentação. “Era mesmo o melhor que tinha a fazer”, concluiu ela.

Sendo a universidade pública brasileira uma carreira burocrática cuja admissão não se dá de maneira impessoal – ainda que isso não implique que os selecionados não tenham as qualificações exigidas para o cargo –, realmente era mesmo o melhor que tinha a fazer. Por isso eu insisto: para o bem dessas pessoas, como essa conhecida, dona de um ego bastante volumoso, mas capaz de um desprendimento tal apenas para se mostrar servil às autoridades da universidade e poder um dia ser ela a autoridade: nossa produção científica devia levar em conta também a produção egoacadêmica!


Campinas, 24 de outubro de 2010.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

E se legalizar o aborto?

Conversava com um grande amigo que trabalha na saúde pública e que já atendeu em posto de saúde da periferia, e acabamos entrando no famigerado tema do segundo turno: legalização do aborto. Ele me trouxe uma experiência sua interessantíssima, e que dá uma mostra do que pode acontecer no caso de legalização.

Uma moça, cerca de vinte anos, chegou ao posto de saúde onde trabalhava e falou que queria fazer um aborto. Coisa que pouca mulher faz, por toda a carga negativa do ato e pelo medo de ser presa ou processada. Ele não a repeliu, pelo contrário, a acolheu, e pediu que explicasse o porquê da sua decisão. Ela disse que seu parceiro iria achar que ela era uma oportunista, por engravidar quando estavam juntos há pouco tempo; que os seus pais não iriam aceitar que ela tivesse um filho sem que estivesse casada e, assim sendo, não via outra alternativa. Ninguém ainda sabia da sua gravidez e ela, ao invés de pedir a uma conhecida onde havia a clínica de aborto mais próxima, ou qual o método abortivo mais eficiente, resolvera ir direto ao posto de saúde – talvez com medo do que poderia ocorrer com ela, ou por desinformação.

Meu amigo pediu para que ela voltasse para casa e esperasse a poeira baixar, que pensasse um pouco mais, analisasse melhor a conjuntura. Explicou que ainda havia tempo para realizar o aborto, caso ela realmente quisesse, e se fosse essa sua vontade, não poderia fazer ali, mas ele daria as sugestões e indicações para que fosse o menos traumático e o mais seguro possível – dentro das possibilidades de um aborto ilegal para uma mulher da periferia.

Ela voltou algumas vezes ao posto para conversar, pesar os vários aspectos em manter ou interromper a gravidez, até o dia em que foi para comunicar sua decisão e agradecer meu amigo e a enfermeira que também a assistiu pela atenção e sugestões: conversara com o parceiro, com os pais, e resolveu que dava, sim, para levar em frente a gravidez.

Isso ilustra um pouco a “carnificina” que o novo arauto do conservadorismo reacionário brasileiro, José Serra, anunciou no caso de vitória da infanticida Dilma Roussef.

Legalizar o aborto não significa “chega deita expele”. Significa que a mulher poderá ir ao posto de saúde sem medo de dizer que pretende fazer um aborto, ser acolhida por profissionais capacitados – enfermeiro, assistente social, psicólogo, médico –, que com ela pesarão e se certificarão da sua decisão, para só então chegar às vias de fato: extrair um punhado de células que nada são, ou começar com a assistência e os exames pré-natal necessários.


Campinas, 11 de outubro de 2010.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O segundo turno é do mal

O título acima não foi só para chamar a atenção ou para chocar. Se acaso você se sentiu chocado, sinal de que não acompanhou a campanha eleitoral deste ano. Ou se acompanhou, o fez de maneira impressionantemente displicente ou cega – escolha. Antes do início da campanha, até o comecinho, eu até torcia por um segundo turno – afinal, as três principais forças eram oriundas da esquerda, duas delas do nacional-desenvolvimentismo –, pois havia a promessa de um debate político quente. Promessa de político tem má-fama no Brasil, essa não foi diferente.

O primeiro turno foi algo como temeroso e lastimável. Dilma pedia para esquecerem seu passado, ainda que pouca gente, praticamente ninguém, soubesse quem ela tinha sido. No máximo sabiam que ela era “a mulher do Lula”, sendo que a mulher do Lula é a Marisa Letícia.

Serra, por seu turno, não pedia para esquecerem nada, mas reescrevia sua história, assumindo um discurso neo-udenista tosco, que apelava aos órfãos da marcha pela família, com deus, pela liberdade.

Já Marina… bem, Marina é a boa moça, a moça para casar, a conservadora de fala firme que não diz nada, o discurso moderno no modelito retrógrado, um sabonete político feito por publicitários sem cor com ingredientes amazônicos (biopirateados pelo vice?). Em suma: o Alckmin de saias, com a diferença que este é da Opus Dei, aquela, da Assembléia de Deus.

O segundo turno, recém terminado o primeiro, mostrou que tinha tudo para ser muito pior. Não precisava ser assim: bastava que os dois candidatos agissem como políticos e não como fantoches – desprovidos de vontade e idéias próprias – nas mãos de publicitários. Um acordo entre os dois para evitar baixar (ainda mais) o nível da campanha e até, quem sabe, trazer um pouco de política ao debate (que ficou por conta do velhinho punk do PSOL), mostraria a estatura de ambos e que seriam realmente dignos de serem presidentes da república. Não são. Ganhe quem ganhar, será uma farsa no poder.

Excluído o lado conservador da disputa, Serra e Dilma brigam não só pelo seu apoio como para ocupar seu espaço. Não se trata de atrair os eleitores para suas idéias, trata-se de ir até onde os eleitores estão, de se camalear para ser o que querem que eles sejam. Serra agradece a Deus o resultado do primeiro turno. Mas o Estado não é laico? E não seria mais condizente agradecer aos seus eleitores, visto que Deus não tem título de eleitor no Brasil? Dilma é contra o aborto, mas não era uma questão de saúde pública até pouco tempo atrás? Agora virou sem-vergonhice?

A cereja do bolo ficou por conta do novo slogan de campanha de Serra: “Serra é do bem”. Jogada publicitária fantástica: tenta desqualificar a adversária sem falar diretamente mal dela. Afinal, se Serra é do bem, pelo silogismo precário que impera no nosso ambiente social, importado pelas campanhas políticas, Dilma só pode ser do mal. Ademais, cria outra boa identificação: quem mais é do bem? Sim, Deus e Jesus Cristo. A divisão do mundo em bem e mal é o discurso que se ouve nas igrejas neopentecostais (ligue a tv e confira), nos extremos políticos burros – à direita e à esquerda. Serra, ao aceitar essa grande jogada publicitária mostra sua diminuta estatura. Dilma, ao menos, é o fantoche de Lula, não de Luiz Gonsalez.

PS: apenas para deixar claro meu voto: justifico e me nego a legitimar nosso tratante sistema democrático-político-partidário-eleitoral. Faço isso desde que tirei meu título.

Campinas, 08 de outubro de 2010.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As pesquisas e as eleições

Gosto dos gráficos de pizza, mais ainda dos de linhas que sobem e descem. Talvez sirvam para compensar o quanto não gosto de montanha russa, ou o quanto gosto de seguir por aí sem grandes sobressaltos, tranqüilo. Gostar de gráficos, contudo, não me parece bastar para me tornar um estatístico ou qualquer coisa minimamente semelhante a. Tive duas disciplinas de estatística na universidade, uma péssima, na psicologia, outra ótima, nas ciências sociais. Nesta, o professor, o Paulinho - nunca me dei ao trabalho de saber qual seu sobrenome -, ciente de que havia um curso de quatro anos para ensinar a parte técnica da estatística, preferiu passar alguns conceitos e a linha de raciocínio básica da ciência nos seis meses que cabia àquele bando de gente que já nem as quatro operações básicas devia saber – se é que se lembrava o que eram as tais quatro operações básicas (greve, protesto, barricadas, revolução?). Talvez eu tenha aprendido errado, não sei, mas me arrisco aqui a falar do que não sei.

Se entendi bem, alguém com o dobro de intenção de votos do adversário não pode estar tecnicamente empatado. Com cinco vezes mais votos, menos ainda. Mas segundo Datafolha, Ibope e afins, se o candidato 1 tiver 8% e o candidato 2, 4% dos votos, com 2 pontos percentuais de margem de erro, estão “tecnicamente empatados”. 5% a 1%, a mesma coisa. Mesmo não sendo estatístico, não soa muito sensato isso. Ah, mas isso é coisa dos peixes pequenos, nem vale a pena perder tempo, vai dizer o leitor interessado na grande política. Displicente leitor, esse pequeno erro em dizer que 1% e 5% estão tecnicamente empatados equivale a dizer que Tiririca e Ivan Valente estavam disputando voto a voto o topo da eleição para o congresso em São Paulo.

Bem, talvez esse pequeno lapso ocorra porque os tais dois pontos percentuais devessem ser aplicados sobre o índice dos candidatos e não sobre a base 100. Daí que, conforme o Datafolha da véspera das eleições, Dilma teria 50%, entre 49% e 51%, na margem de erro. Serra, com 31%, poderia ficar entre 31,6% e 30,4%, e Marina oscilaria entre 17,3% e 16,6%, Plínio, por seu turno, com seu 1% que eventualmente alcança, oscilaria não entre 0% e 3%, mas entre 1,02% e 0,98%.

Porém vamos dizer que eu e minhas aulas de estatística com o Paulinho da Gpp e o bom senso estamos errados nisso, e vamos acreditar na margem de erro dos institutos de pesquisa e da Rede Globo e da Folha e da Grande Imprensa em geral, essa que merece até letra maiúscula, pra gente se lembrar que ela é grande (e de que é imprensa).

Datafolha e Ibope para presidente: Dilma, Serra, Marina: 50%, 31%, 17%; 51%, 31%, 17%, respectivamente. Resultado das eleições (arredondando): 47%, 32%, 19%. Serra e Marina ficaram na margem de erro, mas existe acertar pesquisa pela metade? Creio que não.

Nos estados, escolho aleatoriamente cinco. Começo por Minas. Pelo Datafolha de véspera, para o governo: Anastasia, 55%, Hélio Costa, 42%. Nas urnas, 62% a 34%. Sem comentários. Para o senado, Aécio, 43%, Itamar, 27%, Pimentel, 23%. Nas urnas, 39%, 26%, 24%. Uhhh!!! Fosse futebol e isso seria quase uma bola na trave! Quem sabe no próximo estado, Ceará. Pelo Datafolha, Cid Gomes levava por 65% a 19% de Lúcio Alcântara. Mário Cals teria 14%. O TSE resolveu, veja que audácia!, desmentir a Folha – mais uma prova do golpismo do Lula: 61%, 20%, 16% respectivamente para Cid, Mário e Lúcio. No senado, outra vez o TSE resolveu contrariar o Datafolha. Enquanto este dava Eunício com 33%, Tasso com 31% e Pimentel com 29%, o governo resolveu dizer que Eunício teve 36%, Pimentel, 33% e Tasso, 24%.

Como o Instituto Datafolha parece estar meio ruinzinho nos palpites, resolvo tentar o Ibope. Ia ver como foi no Paraná, mas me lembrei que as pesquisas foram proibidas pelo candidato vencedor, temeroso de um segundo turno. Até liberaram na véspera, mas estava difícil achar. Desço um estado, ao “Maranhão do Sul”, como é carinhosamente chamado politicamente o estado de Santa Catarina. Prevê o Ibope: Colombo, 41%, Amin, 27%, Ideli, 16%. Contradiz o TSE: Colombo: 53%, Amin: 25%, Ideli, 22%. Senado: Luiz Henrique: 28% na ficção contra 31% no Ibope (há quem diga que é o contrário, mas não custa lembrar o caso Proconsult. Por sorte, todos os candidatos importantes do momentos estão bem amestrados), Paulo Bauer: 25% na ficção, 22% no Ibope; Vignatti, 22% no Ibope e 19% na ficção. Proporcionalmente, 17% de acerto – na margem de erro –, ou seja, o Ibope não conseguiria nem vaga pro senado...

Como o negócio está feio e o texto começa a ficar grande, resolvo ver só quatro estados, e o último há de ser o do principal estado da federação (sic), São Paulo. Nada muito promissor, pois se erram para presidente, em São Paulo claro que errarão também, e eu sei de um erro grosseiro de antemão. Todos sabemos, menos os donos dos institutos de pesquisa e os jornalistas da Grande Imprensa.

Governador. Datafolha: Alckmin: 55%, Mercadante: 28%, Russomano: 9%, Skaf: 5%. Senado: Netinho e Marta: 24%, Aloysio: 20%, Tuma: 14%. Ibope: Alckmin: 51%, Mercadante: 33%, Russomano: 8%, Skaf: 6%. Pro senado: Marta e Netinho: 27%, Aloysio: 19%, Tuma: 12%. Na ficção do TSE: para governador, Alckmin, 51%, Mercadante, 35%, Russomano, 5% e Skaf, 5%. Uhhhh!!!! A pesquisa Ibope chegou a tirar tinta da trave na pesquisa para o governo paulista! Já para o senado, Datafolha e Ibope podem se afogar juntos, e tentar se explicar como alguém sobe 10% (uns quatro milhões de votos) em uma noite: Aloysio Nunes: 30%, Marta Suplicy: 23%, Netinho: 21%, Ricardo Young: 11%. Outra explicação que os institutos devem é quem é esse tal de Young, visto que o quarto lugar foi sempre dedicado ao xerife Tuma, depois da desistência do Quércia.

Em resumo, depois deste texto longo e cheio de número e %, típico de alguém que não entende nada mas adora ver gráficos e essas coisas: para estatística, numerologia deve ter um índice de acerto não muito longe dos dois principais institutos de pesquisa do Brasil, tendo em vista que, pela amostragem acima, o acerto foi de 0% (fosse índice de eleição e perdia até pro Zé Maria, do PSTU). Claro, isso não quer dizer que Datafolha, Ibope, VoxPopuli e outros não tenham sua utilidade. Em caso de bolão no bar, por exemplo, eles dão alguma base, alguma dica pra você fundamentar seu chute, se sentir menos inseguro na hora de palpitar. Ao menos se furar muito feio pode se eximir da vergonha: pô, tinha visto no Datafolha, por isso achei que a Marina ia ganhar. De qualquer forma, não vale perder tanto tempo com essas pesquisas: numa boa conversa de bar, além de maiores chances de acerto dos resultados, de visões políticas mais aprofundadas do que as análises dos analistas da Grande Imprensa, dá para se divertir muito mais com o bolão!


Pato Branco, 04 de outubro de 2010.

sábado, 2 de outubro de 2010

Adjetivos

Prescindir de adjetivos num texto – não necessariamente escrito –, sem que esse texto se empobreça é uma difícil técnica, que poucos alcançam, até porque é pouco estimulada – vide a supervalorização da encheção de lingüiça. Não falo em abolir os adjetivos, mas utilizá-los o mínimo possível, apenas quando necessários. Dalton Trevisan é a grande referência nesse estilo.

Por favor, não seja precipitado, ó leitor, em achar que sou contra o uso de adjetivos. Não! Acho que seu uso é importantíssimo para tornar o texto mais leve fluido agradável. O problema é quando são mal empregados ou utilizados em excesso – o que costuma representar a maioria dos casos.

Da minha parte, tento me controlar: sei que se eu soltar a pena, minha descrições acabam por tornar o texto longo piegas choroso cansativo, em suma, chato. Outros momentos, em meus textos opinativos-políticos, peso bem a adjetivação porque sei que, a depender do termo usado, todo o argumento fica obnubilado por uma provocação que torna uma possível discussão em garantida rinha. Diga-se de passagem, esse é um expediente usado por jornalistas para se passarem por vítimas quando já não possuem muito o que falar – Clóvis Rossi, da Folha, me parece o melhor exemplo.

O Rossi, definitivamente, não é alguém em quem me espelho. Porém anda difícil, nestes últimos tempos, maneirar nos adjetivos em meus textos – boçal, idiota, trouxa, palhaço, e por aí vai. Atribuo isso ao meu corrente mau humor, o qual creio ter como uma das causas principais as eleições – essa grande farsa da pseudo-democracia brasileira. Daí minha grande torcida para que amanhã as eleições se resolvam em primeiro turno, todas elas, para encerrar logo essa nossa longa agonia (apesar de curta no tempo), visto que política mesmo, debate de verdade, isso não houve nem haverá.

E já peço desculpas à leitora se meu mau humor persistir uma semana mais: sinal que a justiça eleitoral resolveu me complicar a vida na hora de justificar minha deliberada ausência do meu sagrado dever de votar. Ou que talvez não fossem só as eleições quem pisassem em meus calos.

Pato Branco, 02 de outubro de 2010.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Eleições limpas? O caminho é longo.

Esperava a decisão do STF sobre lei da ficha limpa para escrever esta crônica, porém escrevo sem decisão, mesmo. Não que ela alteraria o que pretendo escrever, apenas o início. Pois bem, das considerações iniciais pensadas, deixo aqui expresso que sou favorável à lei. Entretanto, é uma lei que tem uma eficiência muito pequena. E, pior, repete os vícios do nosso sistema político-partidário.

Nada mais lógico que barrar candidatos condenados pela justiça de serem representantes do povo. Parênteses: se fossem mesmo representantes do povo, por que se deveria ter normas sobre quem pode e quem não pode sê-lo? Fecha. Ela porém vem apenas como punição a quem já cometeu atos ilícitos: sua influência em desestimular outros políticos de seguirem por trilhas similares (e são muitas) decresce à medida que aumenta a sensação de impunidade. Uma lei para longo prazo, portanto.

De qualquer forma, repare que a lei e suas possíveis reverberações se dão em políticos, em candidatos, em pessoas. E com os partidos políticos, o que acontece? Afinal, não existe, no Brasil, candidatura independente. Ora, os partidos fingem que não têm nada a ver com seus quadros, e seguem aceitando e se vangloriando de nomes como Maluf, Collor, Roriz.

A lei da ficha limpa começaria a ter efetividade na cultura política nacional a partir do momento em que estendesse a punição também ao partido que deu abrigo ao infrator, seja na época em que ele cometeu algum crime como administrador público, seja quando concorreu às eleições. Punição que poderia passar por multas, perda do dinheiro do fundo partidário, do tempo no horário da tv, até ao banimento da legenda, a depender do número de foras-da-lei filiados. Isso obrigaria os partidos a serem minimamente criteriosos, se não na admissão dos seus filiados, ao menos na seleção dos seus candidatos e dos seus quadros – afinal, se se trata de partido, porque um bode expiatório resolveria a culpa de todos? Por outro lado, isso poderia dar um pouco mais de força aos políticos para cobrarem dos partidos certa coerência programática-ideológica. Sei que uma lei só não faz a redenção, mas dá uma ajudinha.

Por conta disso, comemoro a lei da ficha limpa, mas não a considero um avanço: apenas um começo – que o caminho para eleições limpas ainda é longo.

Campinas, 24 de setembro de 2010.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dia da piada do dia sem carro

Ultimamente meu mau humor tem excedido limites aceitáveis, toda vez que vou fazer papel de idiota e pegar um ônibus urbano em Campinas. Meus pais bem queriam que eu tivesse carteira de motorista, carro e tal, eu que sou teimoso e insisto em vivenciar certas situações.

Estava no ponto esperando a (única) noiva – que pelo tanto que demora, os ônibus em Campinas podem ser chamados de noivas – que me cabia na rodoviária (que chega a ter intervalos de 52 minutos entre um ônibus e outro, conforme a página da Emdec), e pensei se não era melhor engolir aquele mau humor, fazer de conta que o lixo quotidiano é também normal. Seria mais cômodo. Mas como já tenho eventuais problemas de digestão, achei melhor manter meu mau humor e, mais, compartilhá-lo com os poucos infelizardos que me lêem.

Esta semana tivemos a jornada internacional na cidade sem meu carro. Não sei como é em outros países, desconheço em absoluto. No Brasil essa jornada é patética, situada algo entre a palhaçada e a idiotice. Em Campinas, o estímulo ao dia sem carro teve até um episódio grotesco, para completar a cena. Domingo a prefeitura, para promover o evento de quarta, organizou um show gratuito, às 11h da manhã, na lagoa do Taquaral. Como moro perto, tivesse carro, poderia sair às 10h30, contando dez minutos para achar vaga para estacionar. Como não tenho, saindo às 9h eu tinha chances de chegar justo na hora – se tivesse sorte nos horários das baldeações. São Paulo não ficou tão atrás no grotesco, com pessoas circulando em cavalos e bois pela avenida Paulista.

Mas, para não parecer que eu só ranzinzo negativamente, ranzinzarei aqui positivamente, com algumas sugestões para o ano que vem tornar a tal jornada algo sério e não um evento irrisório cuja única marca são os cartazes.

Primeiro pressuposto: sei que é coisa de economistas, mas nestas horas os políticos sempre se esquecem de consultá-los: vamos trabalhar com “expectativas racionais” dos cidadãos, e não “expectativas polianais”. Ninguém vai deixar o seu Civic na garagem por uma mera questão de civilidade. Se fosse assim, fariam o ano todo, e não só no dia 22 de setembro. Portanto, se a idéia é sensibilizar as pessoas, deve-se ou tomar uma atitude chocante, ou fazer algo que dure um pouco mais. Poderia multar todo mundo que saísse de carro no dia: infração gravíssima, sete pontos a mais na carteira e 500 reais a menos. Me parece uma opção burra, em todos os sentidos. Sou mais de forçar certa adesão demi-voluntária. Daí que ao invés de um dia deveria ser uma semana, para as pessoas poderem planejar um quotidiano sem carro – idas ao trabalho, compras, festas, shopping, etc.

Mas isso, claro, não basta. Há 52 semanas por ano em que as pessoas podem fazer isso e se não fazem, é pela razão óbvia que não há qualquer estímulo. Frases do tipo “começa com você” só servem de estímulo para vender ingressos, não para mudar qualquer atitude. O transporte público, por essa semana, que seja, precisa ser vantajoso para o usuário, e não para o dono das empresas.

Economicamente significa que ônibus tem que ser mais barato que carro. Tomemos um trajeto mediano, coisa que se faz em 45 minutos, uma hora à pé: quatro quilômetros. Ignoremos as pessoas que vão à padaria da esquina de carro (e não são poucas), não apelemos às grandes distâncias. Ida e volta são oito quilômetros, e vamos supor que o carro não seja lá muito econômico, e nisso consuma um litro de gasolina, R$ 2,50, portanto. Usar esse carro para essa distância só deveria ser mais barato do que ônibus se quatro pessoas estivessem no carro na ida e duas na volta. Para tanto, a passagem de ônibus deveria algo em torno de R$ 0,50. Em Campinas está em R$ 2,60. Em São Paulo, R$ 2,70. Impossível esses R$ 0,50? No dia a dia pode ser, mas convém lembrar que a tarifa integrada metrô-trem-ônibus-etc em Madrid sai 0,90 Euros. Mas há planos bem mais em conta para quem usa transporte público diariamente.

Porém, apenas dinheiro não é suficiente para que se deixe o carro em casa. É preciso haver racionalização dos trajetos. Racionalização pensando no usuário, e não no lucro do dono das empresas. Um trajeto que me é muito familiar, e que já reclamei acima: do terminal Barão até a rodoviária (não faço da minha casa para não ficar muito irreal). Diz-me o Google Mapas que a distância entre esses dois pontos é de 10km. Diz-me a página da empresa que organiza o trânsito em Campinas que a distância entre esses dois pontos é de 25km. Convenhamos não é muito convidativo passar 38 minutos num ônibus (sic. são 50) quando se pode ir em 18 minutos de carro (sic, em 15 se chega tranqüilamente). E não estou propondo aqui uma linha direta, sem paradas, e sim uma que passe por bairros bastante povoados. Também não adianta fazer em 20 minutos esse trajeto se se espera 52 minutos pelo ônibus – e olha que estamos falando do ônibus que serve a rodoviária e não terminal-bairro, em que fica um pouco mais feio. Novamente um tempo máximo de espera deveria ser estipulado: dez minutos para linhas principais, vinte para as secundárias.

Como seria apenas uma semana, não dá para trocar de ônibus, querer carros mais confortáveis, o máximo que se pode pedir é que os motoristas (alguns) sejam um pouco menos brutos ao volante: certamente se carregassem tomates seriam demitidos na segunda viagem. E como seria por uma semana, as empresas não faliriam em estimular o uso do transporte público, a melhora da qualidade do ar, o convívio entre as pessoas, etc.

Por fim, faixas das ruas exclusivas para bicicletas (quem sabe o governo federal não se animasse e abrisse uma linha de crédito para a compra de bicicleta elétrica?), e semáforos que dessem preferência à passagem dos pedestres e não ao fluxo dos veículos

Há apenas um porém em toda esta minha proposta: não falei que a campanha pelo dia sem carro deveria se pautar em expectativas racionais e não em expetativas polianiais dos cidadãos. Pois é de esperar o mesmo dos donos do poder, os donos das empresa e os político. Resumindo: em 2011 espere uma jornada internacional pela cidade sem meu carro tão idiota quanto a de 2010: shows para quem tem carro, passeios a cavalo, cartazes e camisetas espalhados por aí, propagandas, “Começa com você”, e tudo como está, porque onde se deve realmente começar, esses não têm o menor interesse, e a parte que cabe a nós, se nós formos realmente fazer, teremos que enfrentar a polícia.


Campinas, 22 de setembro de 2010.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A escolha entre o seis e o meia-dúzia

Está difícil acompanhar o ritmo da campanha presidencial deste ano. Tinha escrito uma crônica na segunda, mas por conta de excesso de afazeres não tivera tempo de passar pro computador. Resultado: o assunto já não é mais o da vez. Assusta, contudo, a forma como o “quarto poder” tem participado das eleições, em muito lembrando 1989. Não critico a imprensa por ser investigativa, critico por ser parcial, e por ser investigativa apenas em momentos que ela julga oportunos.

Escutei há pouco no rádio. Enquanto Dilma Rousseff chama uma das suas principais assessoras quando integrante do governo – a qual só chegou a ministra por influência bem calculada da petista –, de “uma ex-assessora”; do outro lado dessa disputa política de araque, José Serra critica o uso do Estado para fins particulares e de partido, e diz que em 27 anos de vida pública nunca teve problema do tipo – o que talvez até seja verdade, se se ignorar que fez parte do governo FHC e teve Alckmin como seu secretário. Para arrematar concluiu que basta pôr pessoas certas e ilibadas nos cargos que desvios de conduta não ocorrerão mais.

A frase está correta, não tem como discordar dela, mas é assustadora.

Desde quando se descobriu que as pessoas que fazem políticas não são anjos, havendo seguidamente desvios – por ma-fé ou por equívocos naturais ao ser humano –, e se instituiu um sistema democrático representativo, escolher pessoas probas é importantíssimo. Tão importante quanto, porém, é implementar e melhorar sistemas institucionais de fiscalização e controle da conduta dos chamados homens públicos. Ficar na dependência da boa vontade e bom aconselhamento do governante de turno não é um caminho seguro para um país menos corrupto.

Por fim. Muito se tem falado – absurdamente – que a safra de “escândalos” petista aponta para a ruptura do Estado Democrático de Direito, deixando o país a um passo do fascismo. Coincidentemente, uma das características dos estados fascistas do século XX era o personalismo excessivo dos seus líderes, que se auto-apregoavam todas as virtudes humanas – inclusive a de saber tudo sobre seus assessores, a ponto de prescindir de mecanismos legais e institucionais que viessem a cercear toda sua capacidade.

Campinas, 17 de setembro de 2010.

sábado, 4 de setembro de 2010

Pára, que pode ser que o cachorro te morda

Já é de longa data que não acredito na pureza da infância. Que as crianças sejam castas, tudo bem: dizem que faz bem ao desenvolvimento psicológico e emocional. Mas santas puras castas e ilibadas, como pretendem as mães sobre seus pimpolhos, aí é forçar a barra. Inclusive, duvido que as mães realmente acreditem nessa pavada. Não que eu ache que a criança se corrompa ao sair das entranhas da mãe, não. Até porque não sou simpático a teorias sobre a natureza humana – seja a bondade ou a maldade inata.

Já teve vez que quase cheguei a ficar com medo de crianças. Foi depois de ler O marinheiros que perdeu as graças do mar, do Yukio Mishima. Crianças nada puras, nada santas, e sem qualquer justificativa social, como em Os capitães da areia, do Jorge Amado. Apenas sadismo.

A lembrança de Mishima não é sem propósito. Voltava para casa no início da noite e me deparei com duas crianças com seus cinco, seis anos, brincando de bater ou atirar garrafas pets vazias em dois cachorros de pequeno porte, acuados contra o portão de casa. Tinha sérias intenções de parar e perguntar o porquê deles estarem fazendo aquilo, se achariam graça se fossem eles os acuados. Perguntaria de boa, mais para ver se se tocavam. Quando eu me dirigia a eles, porém, a mãe de um mandou que parassem com aquilo: “Pára, que pode ser que o cachorro te morda”.

Fiquei perplexo diante do argumento e preferi seguir meu rumo. O problema de maltratar os animais era que eles poderiam se rebelar e devolver os mal-tratos! O sadismo e a covardia da brincadeira não mereciam qualquer menção! Pode-se argumentar que a questão do especismo é pouco conhecida, discutida, e muito difícil de ser lidada – os veganos que o digam.

Porém, na sociedade atual, os animais não são alvos exclusivos desse tipo de brincadeira. O bullying entre crianças ou atear fogo em pobre, como muitos jovens gostam de brincar, mostram que o que presenciei não era algo atípico, apenas de pouca importância por não se tratarem de pessoas. Ou melhor, por não se tratarem dos cachorros ou dos filhos daquela mãe que gritou ao filho “Pára, que pode ser que o cachorro te morda”.

Campinas, 04 de setembro de 2010.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Literatura de esquerda com moral da história

Esta semana fiz uma coisa que até então eu só fizera uma vez na vida: parar de ler um livro no meio. Claro que eu só poderia ter feito isso em vida! Quando mais seria, sendo que nunca morri e nem acredito que se possa fazer algo depois de morto, a não ser por procuração? Enfim, volto à interrupção. Não que eu ache isso uma heresia ou uma profanação, não. Minha questão é que costumo ter boa vontade para com a literatura, sempre acredito que ela, mesmo não sendo boa, não é perda de tempo.

O primeiro livro que desisti antes do fim foi Diário de um magro, do Mário Prata, isso já vai pra mais de dez anos. Não lembro de nada do livro, só que achei ele muito, mas muito ruim. O eleito desta vez foi Fausto Wolff e seu À mão esquerda. Não achei o livro ruim – fraquinho, não recomendaria, porém ruim não é–, mas ao chegar na página 200 me dei por satisfeito, decidi que pouco teriam a me acrescentar as 300 páginas restantes – ainda mais quando em minhas prateleiras Vila-Matas, Perec, Pinilla e Campos de Carvalho me esperam. Contou também para minha decisão, admito, o fato de Wolff ou seu livro não serem tidos por obra ou autor de referência – motivo pelo qual me arrastei dolorosamente até o fim do On the road, do Kerouac. Quem sabe se ele tivesse morrido há mais tempo. Por fim, ainda que não fosse motivo para interromper a leitura, me sinto aliviado por não prosseguir por aquela história de um anti-herói exemplar, da luta do bem contra o mal, com moral da história ao fim de cada capítulo (cheguei ao trigésimo).

Por sinal, isso me intriga: por que tantos escritores de esquerda se vêem necessitados de escrever histórias com moral, não raro explicitando-a? Uns o fazem de maneira mais elaborada (Steinbeck), outros, mais tosca (Brecht), mas no fundo são devotos enrustidos pregando uma moral cristã-católica, com o reino dos céus reservado para os pobres – boas almas ilibadas e sofredoras – assim que a revolução chegar. Por conta disso, apesar de gostar de Steinbeck, não raro prefiro autores conservadores, como Borges ou Nelson Rodrigues, justo por eles conseguirem de maneira bem mais profunda nos instigar a pensar, a questionar e – por que não – a desejar uma revolução, um mundo radicalmente diferente.

Campinas, 18 de agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

La que le gusta el negro!

Ainda há pessoas que me estranham quando digo que não gosto de jogos de baralho. Principalmente aquelas que sabiam da existência, por quase dois anos, de jogatinas (regadas a muito chimarrão e bolos e tortas e troca de receitas) semanais na minha casa. Os jogos eram Master, Imagem e ação, presidente e mau-mau (praticamente os únicos jogos de cartas dos encontros), nada que justificasse o nome de jogatina.

Acho truco um jogo chato, pessoas gritando me cansam, e a única graça que vejo é tentar quebrar esse clima testosterônico que ele acaba por gerar. Pôquer, quase parece legal. Talvez se algum dia eu tivesse jogado sua versão strip na companhia de mulheres reconhecidas por seus dotes físicos, a história fosse diferente. Como nunca joguei…. Cacheta, acho que é trauma de infância, que sempre perdia pro meu pai, e quando este não jogava, para meu irmão. Os demais – canastra, buraco, sei lá quais outros – sempre achei que podia usar minha memória para guardar coisas mais interessantes, como, sei lá, a ordem das músicas dos discos do Patu Fu.

Porém, mais do que estranhamento, chega a causar certa indignação quando digo que prefiro dominó a cartas. Não que eu ache dominó um jogo legal, emocionante, ele serve mais para ilustrar meu gosto por baralho. Isso até este domingo.

Recém-chegado de viagem, a geladeira vazia, fui ao mercado. No caminho encontrei a Aline, amiga de longa data, que me chamou para almoçar na casa do namorado um almoço cubano. Aceitei de pronto. E lá estava eu comendo comida cubana, ouvindo música cubana, em companhia de dois cubanos que contavam causos não só da ilha como da Rússia, Itália, Brasil, e em companhia de uma série de outros latino-americanos (brasileiros, inclusive), bebendo cerveja galega e comendo chocolate estadunidense. Passado o almoço, os dois cubanos falaram em fazer algo típico da ilha nas tardes de domingo: jogar dominó. Reação geral – minha inclusive – foi um “putz, dominó?”. Mas não adiantou reclamar, logo um deles vinha com o jogo.

Ainda que não tenha chegado a lamentar pelos cubanos não terem Faustão e Gugu, pensei que lhes faltava algo de interessante para fazer – discutir política ou futebol, que fosse –, para terem que ocupar seus domingos com dominó. Mas passada a reticência inicial, lamentei é que no Brasil não se tenha tal hábito. Claro, não é o dominó que eu conhecia. Primeiro que tinha mais pedras – elas iam de zero a nove. Segundo que não havia pescar as pedras que sobravam. Por fim, o que restava era um jogo de análise das pedras e das jogadas dos adversários, sem direito a blefe, com leves pitadas de truco – batidas na mesa, falar o nome das pedras –, mas sem tanto escândalo.

Voltei do almoço decidido a comprar um dominó daqueles para mim, e já avisei meus pais que nas próximas férias se preparassem para passar tardes cubanas. Claro, tive que explicar que não, dominó não é um jogo chato. Não se empolgaram muito, nem acreditaram muito no que eu disse. Certeza que quando eu aparecer com o jogo vão soltar um “putz, dominó?”.

Campinas, 09 de agosto de 2010.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Tecnologia expansiva

Na rodoviária, fiquei sabendo que a moça atrás de mim tinha tentado ligar para todo mundo, mas como ninguém atendera, decidira ir para São Paulo, mesmo, e que era para o pai ligar pra Bruna, avisar para ela deixar dinheiro em cima da mesa, para pagar o táxi.

Dia desses, no ônibus para a Unicamp, vi que o cara ao meu lado era amigo de um garanhão arrasa corações. No mesmo trajeto, em outro dia, soube que o namorado – provavelmente já ex – da moça uns três bancos atrás era um baita de um cafajeste, que tinha traído ela com não sei quem, com não sei quantas. Como não fiquei com inveja do garanhão, também não me condoí pela moça.

Já teve um dia, era final de semestre, que acompanhei os últimos detalhes do cruzeiro que o rapaz ia fazer com a avó (que se tratava de um cruzeiro eu só soube quando ele contou aos amigos que bandejavam com ele).

O quadrinista Alan Sieber certa feita reclamou que tinha o azar de toda sessão de cinema em que ia, a sala estar cheia de bombeiros e enfermeiras, que não podiam desligar seus aparelhos por uma hora e meia.

Pior foi a vez que um médico atendeu ao celular durante a consulta. Três vezes! Eu bem já andava desgostando dele – que era meu médico há uns quatro anos –, e isso no máximo precipitou as coisas. Bom para mim, que passei a freqüentar meu atual homeopata, excelente. De qualquer forma, com sorte ou não, julguei e sigo julgando uma falta de educação dele. E acredito que a recíproca dos médicos para com os pacientes seja verdadeira.

Como também falta de educação acho em ficar sabendo dos detalhes das vidas alheias, sem que eu tenha o menor interesse. Sei que celular é estranho, a gente acaba gritando, mesmo que isso não seja necessário. Porém, faz um tempinho que o aparelho está na mão de (quase) todo mundo, já era hora para se ter uma certa etiqueta no uso dos trambolhinhos, regrinhas elementares para evitar o seu uso anti-social, sem precisar esperar a Glória Kalil escrever, quem sabe, um livro sobre – um “Chiq Celular”.

Enquanto isso, sigo com meu sonho de ter um aparelho que você aperta um botão – e tchum! – interrompe-se o sinal de celular pelo entorno por míseros vinte segundos, o suficiente para a ligação cair.


Pato Branco, 26 de julho de 2010.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Receita para um crime de sucesso

Como o interesse pela Copa, e todas as discussões que ela acarretava – técnico, imprensa, craques, refeições dos jogadores, etc –, acabou mais cedo, a imprensa foi em busca de notícias com que rechear a monotonia do dia a dia das cidades.
Teria as enchentes no nordeste. Contudo, além de enchente ser algo um tanto rotineiro nestes tristes trópicos, já era notícia velha, por mais que tenha ficado em enésimo plano frente os guerreiros rumo ao hexa. Haveria as eleições, porém ainda está longe a data de votar, que é quando o assunto vira papo nas esquinas e merece destaque.
Mas eis que a imprensa conseguiu juntar três das principais paixões do país: futebol, sede de sangue e espírito de justiça. Desde 2008 ela vinha tentando criar um novo caso Isabela, mas não encontrava um que emplacasse, por mais que tentasse repetir os elementos. Pelo visto, o caso do goleiro Bruno será assunto para longos e acalorados debates sobre o quanto ele é culpado e o quanto deve ser punido. A imprensa fará a festa, com aumento da sua audiência, os apresentadores policiarescos babarão de alegria, e o povo se ocupará com esse esporte sub-lúdico que só perde em preferência, ao que tudo indica, para o futebol.
Receita de furo jornalístico-policial de sucesso:
Em um programa jornalístico pretensamente sério, junte uma criança com uma morte mal resolvida (pode ser da criança ou não) e reserve. Ao mesmo tempo, coloque os suspeitos para negar relação com o crime. Junte os dois com uma pitada de investigação, ou algo que se pareça com, preferencialmente com reconstituição do crime (estes ingredientes darão o toque CSI do prato, que faz com que seja um sucesso). Depois de rápido aquecimento do caso, salteio os ex-suspeitos, agora criminosos, com doses de discurso de “direitos humanos para humanos direitos”. Manifestações e gritos de “assassinos” dão um tempero extra – desde que devidamente televisados, claro. Além de políticos e Datenas, pode-se acrescentar religiosos ou filósofos para justificarem a pena capital.
Está pronto para servir o caso. Necessário que seja servido quente, pois assim que esfria perde a graça e se torna necessário achar um novo bode expiatório para nossa vidinha miserável.

Campinas, 09 de julho de 2010.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Meu amigo Gato

Quantos anos vive um gato? A dúvida me veio com as primeiras luzes do dia, quando, pela janela, vi um felino prestes a fazer uso santiário do meu diminuto quintal. Assutei-o. Porém, ao invés de fugir espantado, se aproximou e começou a miar. Reconheci: era o Gato!

Gato (certamente deve ter outro nome, mais criativo e condizente) é uma gata, ao que tudo indica prestes a cumprir com o mandamento bíblico, e que desde 2008 andava sumida. O que não era de todo ruim, admito, porque além de banheiro, ela costumava trazer seus paqueras (dizem que aquilo é acasalamento de gatos, como não sou entendido, acreditei) para meu quintal nas madrugadas. Sei quando é o Gato não só por ela não fugir quando apareço, como por responder quando mio para ela (ou será que sou eu que respondo quando ela mia para mim?), o que já me causou certo constrangimento na frente dos amigos. Outro sinal de que é ela, é a insistência do bicho em entrar na minha casa. Isso desde 2003.

Daí que me veio a dúvida sobre quanto vive um gato: cogitei se ela já não teria morado aqui, quando tinha realmente um dono, e não um cara que um dia comprou o peixe errado pra receita e fez a sua festa por dias. Porém, até onde me lembro, a pessoa que morou antes de mim nesta casa - três anos, ao menos - não tinha gato, mas três cachorros: uma chatíssima de pequeno, outro de médio, e outro de grande porte - o qual babava horrores. Sei que cachorro vive lá seus quinze anos. E gato?

Isso era fácil de descobrir: bastava ligar o computador (que, novo, não leva mais seis minutos para estar pronto) e perguntar pro Gugou. Estaria ali a resposta, em milisegundos, pronta para saciar minha curiosidade - essa e outras -, exterminhar minha questão e matar a chance de pensar tantas coisas à respeito, me divertir com o fato e desfrutar da dúvida. Pelo mesmo ralo virtual de certezas iria também esta crônica.


Campinas, 30 de junho de 2010.

domingo, 27 de junho de 2010

De novo a bebida

O colunista da Folha Gilberto Dimenstein costuma trazer seguidamente pesquisas e experiências interessantes. Porém não é sempre que o leio, não só porque seu estilo me desagrada, como por discordar dos pressupostos, das crenças que ele nutre: a benevolência empresarial e a malevolência estatal. Na relação de forças, temos o Estado que suga e subjuga a indefesa iniciativa privada, e a possibilidade de neutralizá-lo por meio de organizações sociais. Simples assim.

A sua coluna do dia 27 de junho, “Porres de elite”, ele comenta do abuso de álcool, que começa cada vez mais cedo. Apesar de meus cabelos estarem migrando do topo para regiões adjacentes da cabeça, sou jovem o bastante para acompanhar – ou ao menos notar – os hábitos de quem está na chamada adolescência, e não me surpreende que pesquisa da Unifesp constate que 30% dos alunos de escolas particulares paulistanas fique bêbado ao menos uma vez por mês. Me surpreenderia se esse número não aumentasse quando entram na faculdade.

Ponto interessante da coluna é quando ele levanta as conseqüências do álcool, a droga mais devastadora que há. Amigo meu que trabalha na assistência de usuários de drogas já me havia dito, tempos atrás, quando perguntara se o crack merecia o alarde que tem merecido, que nada se compara aos estragos do álcool. A diferença é que a sociedade sente comiseração pela criança e adolescente, tradicionais viciados em crack (sem falar no quão feio são os nóias perambulado por aí), e não pelos alcoolistas, que geralmente sentem os efeitos do vício quando adultos ou velhos.

No fim de seu artigo, Dimenstein comenta da possibilidade em diminuir o abuso do álcool, mais ou menos como foi feito com o cigarro, e pede a participação do governo e sociedade, “além da indústria da bebida e dos publicitários” em estimular o "consumo responsável".

Crente na benevolência privada, Dimenstein não consegue enxergar que a diminuição do cigarro não teve participação de quem lucrava com ele, muito pelo contrário: foi pela abolição da propaganda e com pesada contra-propaganda que se conseguiu diminuir o uso. A diminuição do abuso de álcool passa pelo mesmo caminho.


Campinas, 27 de junho de 2010.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Adeus, sr. José

Não importa a hora que chegue, a morte chega sempre em má-hora. Se se trata daqueles casos em que a vida, na prática, acabou, e nada mais resta que aguardá-la, ela tarda, alonga a espera, como a mostrar, ironicamente, o quanto ela é a dona da situação. Por outro lado, quando ela chega de repente, de chofre, quanto dor, quanta tristeza.

Mas é bom que ela venha mesmo – nem mais cedo, nem mais tarde, na hora, ainda que o melhor que tal hora seja já em anos avançados -, e que chegue de surpresa, sem cartas de cor violeta avisando das últimas vinte e quatro horas. “Porque morrer é, afinal de contas, o que há de mais normal e corrente na vida, facto de pura rotina, episódio da interminável herança de pais a filhos” – o organismo que definha, o corpo mutilado, a dor insuportável, a morte em algum momento, por causas naturais ou externas, será bem vinda àquele que parte.

Uma das pessoas que me ensinou isso foi o sr. José, ele que em 18 de junho de 2010 encerrou seu mais longo, mais complexo e – por isso mesmo – mais belo romance. Homem de seu tempo, não mudou de opinião a cada modismo, nem se engessou em velhas concepções, e avançou os anos com crítica, delicadeza, sensibilidade, lucidez, tudo ao mesmo tempo.

Sua morte é, sem dúvida, triste. Mas não sei se é o caso de lamentar: foi também o sr. José quem me disse que a vida de uma pessoa vai além da morte, que ela perdura firme e pulsante no amor do outro. E sua obra seguirá criando apaixonados por ele – como este que escreve. Não seremos nenhuma Pilar, mas ajudaremos a garantir a vida de seu pulso.

José Saramago era ateu convicto. Se das suas obras é possível destacar transcendências e crenças, não é sinal de incoerência, é sinal de que ele sabe que uma pessoa é mais do que se vê, que a vida é mais do que podemos pensar. Como explicar? Não sei. Sei que José Saramago segue vivo, que não foi agora que o calaram.


Campinas, 18 de junho de 2010.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A greve 2010

A Unicamp tem pego pesado contra os funcionários grevistas nesta greve de 2010. Pesado não por recusar a negociar aumento além dos 6,7%, mas na resposta aos ataques que o sindicato tem deferido contra a instituição.

No seu portal (www.unicamp.br) há uma lista de reportagens sobre o quão bom é trabalhar na universidade e quantas pessoas não o querem. Há artigos de professores criticando grevistas e ocupacionistas. E as reiteradas notas do Cruesp, o conselho dos reitores, afirmando que o aumento acima da inflação é parte de um programa de valorização da carreira, sem comprometer o orçamento das universidades paulistas. Até que pondo é verdade, não entro no mérito.

Os grevistas, claro, acusam o reitor de intransigente. Mas perto da greve de 2004, quando o atual todo-poderoso da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, era o reitor da Unicamp e presidente do Cruesp, a evolução política da universidade é gigantesca.

Apesar de ser uma greve pequena, fraca, mal articula e apenas de funcionários, a Unicamp tem se dado o trabalho de rebater os argumentos. Em 2004, o portal da universidade simplesmente não noticiava nada, absolutamente nada, da greve, até a ocupação da reitoria e, dias depois, o piquete em frente ao Bandejão. Foi só com o uso de expedientes extremos que foram não só abertas as negociações com funcionários e professores numa greve longa e forte, como admitida que havia na universidade um litígio político pendente. E que quando admitiu, de pronto desqualificou o movimento, sem entrar no mérito das reivindicações, chamando professora do IFCH para taxar de fascista o ato de ocupação da reitoria – num anacronismo que uma intelectual não poderia cometer.

Da greve deste ano. A reivindicação pode ser justa, mas a forma de pressão é equivocada. Serve para animar o que resta de uma esquerda carnavalesca (que imagina que greve é carnaval), demonstrar a fraqueza do movimento, e isolar ainda mais o sindicato. O problema é que, dado o tiro errado, se a elite sindical retroceder sem conseguir as reivindicações, terá cravado mais um prego no caixão – a cova, ela já cavou há tempos, não é fruto da contratação de tercerizados. Enquanto não se decide se perde ou perde, o sindicato dá mais força às críticas vindas dos setores mais conservadores, que questionam por que pagar o quanto se paga a um funcionário da Unicamp, se se pode contratar um tercerizado – muito mais eficiente – por um terço do custo. Essa disputa, não será com greves dispensáveis que se conseguirá reverter.


Campinas, 17 de junho de 2010.

A copa

Enquanto os patriotas bissextos discutem porque os guerreiros-evangélicos-cervejeiros sob o comando do general ascético Dunga penam para ganhar da seleção que empatou com o Atlético Sorocaba, e que salvo nos cifrões só são capazes de encantar ufanistas de quinta a la Galvão, a copa 2014 vai mostrando a que veio aqui nestes tristes trópicos.

Ela, que de início não teria dinheiro público para além da infra-estrutura, tem se resumido a uma disputa sobre quem e onde será a sua abertura. São Paulo, Belo Horizonte ou Brasília? No Morumbi, ou em algum novo elefante branco, como o Engenhão? Uma das propostas já vem até com o aumentativo do famigerado desperdício do Pan: Piritubão.

As discussões sobre infra-estrutura? Quase acontecem. E por conta disso são tão decisivas como para o resultado de um jogo são os quase gols. Melhoria do sistema de transporte aéreo e terrestre? Eventualmente se discute sobre, sempre centrando a discussão nos cifrões: tantos milhões para o trem-bala, que só ficará pronto para depois da copa, outros tantos para um novo aeroporto ou para ampliar Viracopos. E no resto do país? Acesso aos estádios, transporte público, questões urbanísticas? Disso, ainda não ouvi palavra, salvo reportagens apontando problemas e críticas.

Das autoridades, é crença que tudo se resolve em cima da hora. E talvez seja assim, na hora dá-se um jeito. A questão é a que custo. Há ainda a questão da violência, sempre tratada de maneira muito leviana por políticos e imprensa, e que por ora não teve tratamento diferente do habitual. O que não é de todo mal, ao menos para grandes empresas, visto a chegada da maior multinacional do ramo de segurança, a G4S. Cifrões, sempre eles, como a nossa seleção.

No andar da carroça, em 2014, não será surpresa se além da grande quantidade de dinheiro público jogado no ralo, vermos turistas chegando atrasados a jogos, por conta de congestionamentos e seleções européias desembarcando aqui com coletes a prova de balas: uma bela jogada de anti-marketing!

Campinas, 17 de junho de 2010.

sábado, 12 de junho de 2010

Florianópolis pela janela do avião

Pela primeira vez cheguei a Nossa Senhora do Desterro de avião. Pelo alto, Floripa me pareceu uma cidade feia. Quem me conhce me acusará de tê-la visto feia porque não gosto da cidade. Do meu lado, acredito que a visão desde cima ajudou a entender o porquê d'eu ser um herege que não sonha em um dia morar no Éden dos paulistas.

De cima fica muito evidente o clima nada harmônico da ilha: a divisão homem x natureza é muito clara: onde o homem conseguiu se fixar, o verde está expulso. Onde a mata ainda resiste, a ocupação humana avança. Uma batalha desigual. E a mim, a natureza sempre me pareceu o principal atrativo da capital catarinense, uma vez que no quesito atividades artístico-culturais e mesmo no de serviços, ela fica aquém de outras cidades de porte similar. Porém, se sua principal qualidade é repelida com tal veemência, o que resta?

Meu irmão tentou justificar: apertada, qualquer lugar que se tem, que pode, o homem aproveita. Que se tem e que não se tem, como a Beira-Mar Sul. Que pode e que não pode, como casas sobre dunas, condomínios sobre praias, shoppings sobre mangues. Minha interrogação foi: precisava crescer o tanto que cresceu, da forma que cresceu? Claro que não. Mas Florianópolis, a exemplo de tantas outras precárias cidades brasileira - São Paulo, para ficar no caso mais famoso -, parece que nunca teve preocupação séria com o urbanismo, nem com a natureza. E quem chega, chega com a mesma mentalidade: aproveitar o que a ilha tem de bom, sem calcular os custos.

A cidade cresce desordenadamente para todos os lados, por mais que a estrutura há tempos esteja saturada. Diante das necessidades de ocupação humana e lucros imobiliários, o principal atrativo se torna um estorvo - contornável, felizmente. Não sei, talvez seja crença entre os moradores - os velhos e os novos - que não há combinação melhor do que praia, sol e cimento.


Florianópolis, 12 de junho de 2010.

domingo, 16 de maio de 2010

Corridas de rua

As fotos no blogue do colunista de esportes a motor da Folha, Fábio Seixas, mostrando as obras para a etapa de Ribeirão Preto de stock car me fizeram lembrar deste assunto, que gostaria de ter abordado há certo tempo.

Ribeirão tentou sediar a etapa brasileira de Fórmula Indy. Perdeu para São Paulo, que montou um circuito de rua digno da capital: obras de urgência tiveram que ser feitas na madrugada antes da prova, os carros pareciam touros mecânicos, do tanto que pulavam com as ondulações da pista; e a prova teve que ser interrompida porque a chuva alagara parte do trajeto. Se perdeu a Indy em 2010, a prefeita da Califórnia brasileira, Dárcy Vera – como boa brasileira, diria a propaganda do governo federal –, não desistiu da de 2011. Em seu requento precário de um populismo de quinta categoria – algo meio janista, meio malufista –, que já tentara sediar o jogo de retorno de Ronaldo, conseguiu emplacar um circuito de rua para a stock car. Crê que um bom serviço aqui pode trazer a prova de monopostos.

Quem conhece Ribeirão sabe quão irônico é a cidade ter corridas de automóveis – como São Paulo, por sinal. A cidade fica a cada dia mais estagnada... não no tempo, mas no trânsito, mesmo. Nada diferente de outras cidades do país, apenas um pouco mais grave, por conta da altíssima proporção de carros por habitante e as vias estreitas do centro – e que o transporte público, de péssima qualidade, é falta de opção, e não uma opção.

Mas o que me assustou nessa prova de rua foi um vídeo, divulgado em março ou abril, tanto no blogue do Seixas quanto na página do Tázio. Nesse vídeo, um altruísta morador de Ribeirão, Sérgio Campos Gonçalves, munido de uma mapa com o futuro trajeto, de um carro e de uma câmera, deu uma volta pelo circuito de rua de Ribeirão. Disse que, para fazer o filme, respeitou todas as leis de trânsito; não vou duvidar disso.

Porém me questionei quantas pessoas outras não se animaram com o trajeto e resolveram brincar de pilotos pelas ruas da cidade, aí sem respeitar limites de velocidade, leis de trânsito ou princípios de bom senso. Diante disso, questiono: uma coisa é prova de automóveis em um autódromo, local designado para isso, para testar limites de velocidade. Outra é prova de rua num país conhecido por ser um dos mais violentos no trânsito. Se a primeira pode passar a idéia de que piloto é uma coisa, motorista é outro; a segunda serve de estímulo aos milhares de Ayrtons Sennas das nossas ruas, rodovias e marginais.

Alguns terão a mesma sorte do ídolo, em uma Tamburello qualquer, sem nome. E nessas horas, o que nos cabe é torcer que, como o falecido tri-campeão, não levem mais ninguém com sua imprudência estimulada por nossos governantes.

Um brinde!


Campinas, 16 de maio de 2010.

ps: para quem quiser conferir a “façanha” do referido vídeo:

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Planos

Por uma questão de época e de classe social, cresci lendo não Monteiro Lobato, como a presidenta da Argentina, mas Maurício de Souza e a turma da Mônica. Daí que toda vez que ouço falar em planos tenho a impressão que algo errado há, por mais infalível que seja. Certo, há planos que são feitos para dar errado: os planos de vida são um caso típico. Uma das maiores intelectuais do século XX, Mafalda, do Quino, comenta, certa feita, que “para não viver ao acaso, estou traçando um plano que me ajude a organizar minha vida com clareza”, e completa, “teoricamente, é claro”. O problema é que na teoria a prática é simples – como sempre digo, inclusive na assinatura do meu emeio.

Mas há aqueles planos que, se não são apresentados como infalíveis, estão quase lá: te dão as chaves para o paraíso na terra. Necessários, imprescindíveis, vitais, têm todas as vantagens e nenhum problema. Não, não estou falando dos planos de governo dos candidatos – até porque, pelo visto, passaremos a eleição sem ter visto um de verdade. Tampouco vou falar de religião hoje. Falo dos diversos planos que são anunciados a rodo em todo local a toda hora, ocupando espaços que antigamente eram dedicado a quinquilharias diversas – de pipoqueira elétrica a carro de luxo. Aparecem principalmente nas datas importantes – dia das mães, dos namorados, dos pais, das crianças, natal –, mas não só. Há os planos de televisão, de internet, de telefonia – tem até um que se anuncia como infinito, apesar de ter limites bem estreitos. Há também os de saúde, que dizem estar preocupados com sua saúde – o que não duvido, dado os custos de operação –, e que não raro te complicam a vida na doença. Deve ser uma tática para as pessoas se preocuparem, elas também, em não adoecerem.

Exemplos mais há muitos, não vou cansar o leitor e a leitora em reprisar o exaustivamente repetido. O que ressalto é que para quem, como eu, cresceu vendo o Cebolinha e o Cascão apanharem por conta dos planos infalíveis do primeiro, me pergunto o que não haveria de profético nos gibis da turma da Mônica; e se talvez não seja esse excesso de planos que têm dificultado tanto a nossa vida.

Campinas, 14 de maio de 2010.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os suspeitos de sempre

O ônibus estava na rodovia Castello Branco, menos de cem quilômetros de São Paulo, quando teve que parar para revista da Polícia Rodoviária Federal. Normal, é trabalho da polícia, ainda mais quando o veículo vem da região de fronteira com Argentina e Paraguai. Mas os policiais pareciam desconhecer esse detalhe, a rotina era de rotina. Normal, de qualquer forma.

Estávamos em uns vinte e cinco passageiros. No meio do ônibus, dois policiais se detêm diante do primeiro suspeito: um negro. Pedem documentos, mandam ficar em pé, revistam, abrem a bagagem de mão, perguntam o que faz da vida, o que pretende fazer em São Paulo. Outros dois policiais entram e seguem para o fim do ônibus, em busca de novos suspeitos. Encontram-no no banco ao lado do meu: um rapaz moreno. Mesmo procedimento acima descrito. Para não parecerem preconceituosos, repetem uma vez mais, agora com um branco, amigo do moreno. Os dois são obrigados a descer, para uma geral mais bem dada.

Nisso um dos policiais vê um volume suspeito em meu bolso e põe logo a mão. Era um spray de mel com própolis para a garganta. Pergunta se sou brasileiro, o que levo na mochila, o que faço da vida, se fumo. Respondo secamente. Sim, pertences pessoais, estudante, não. "Nem do fumo bom". Me recuso a responder tal pergunta, ainda que a vontade fosse devolver com outra pergunta "por que, está com vontade", e ele se afasta. Os dois amigos voltam, pouco depois recebem seus documentos, eram joões ninguém sem nada suspeito. A viagem segue, "vai com Deus", diz o policial que devolveu os documentos aos dois, não sei se numa tentativa de consertar a antipatia ou se por mero cacoete religioso, mesmo.

Falta de respeito, de educação, de cordialidade, grosseria, preconceito, escárnio (esqueci de contar que os policiais se divertiram com a foto em um documento do primeiro suspeito). Isso que era Polícia Federal abordando pessoas de classe média. Não preciso tentar imaginar o que não seria a Polícia Militar na favela. Muito se fala em melhorar a imagem das polícias frente a população. Não sei se o percurso é longo ou curto, sei apenas que não começaram sequer o óbvio.


Campinas, 06 de maio de 2010.

sábado, 1 de maio de 2010

Control Z

As novas tecnologias influenciam para muito além do seu raio de ação o dia-a-dia das pessoas, reverberando até em seus sistema de crenças. Uma delas, por exemplo, é a crença - a esperança, ao menos - na universalidade do "control z". Porque se o "backspace" foi uma evolução, ao permitir que se apagasse o que se digitara errado, o control z foi uma revolução que permitiu desapagar o que fora apagado sem querer. E se expandindo para além do editor de textos, se tornou ferramenta essencial ao computador. O sonho de muitos é que a vida possuísse um control z, de forma que voltaríamos ao estágio anterior a um equívoco, pronto para tentar novamente, sem qualquer vestígio a apontar as tentativas frustradas.

Mas a vida não possuí control z, assim como ele não funciona para tudo num computador.

Fui instalar a nova versão do Ubuntu no meu pc. E eis que, ao invés de mandá-lo para o espaço no HD já reservado para ele, fiz não sei o quê que mandou tudo o que eu tinha no HD para o espaço. Ao ver a ca...racterística do que tinha feito, abortei a instalação, voltei ao estágio anterior. Tarde demais. A me...dida feita anteriormente não permitia control z ou similar. Resultado: perdi meus arquivos - dos quais possuo cópia da grande maioria, felizmente -, e já mais de doze horas nessa brincadeira, sem conseguir consertar o coiso.

Quem me conhece deve estar se perguntando qual a novidade em eu apagar o HD, sendo que as primeiras vezes eu ainda fazia isso em um winchester. Novidade há, sim: pela primeira vez faço isso em meu computador, e não no do meu pai, que perdeu a conta de quantas vezes teve que respirar fundo quando eu chegava para avisá-lo que acontecera qualquer coisa inesperada e... e os computadores são assim, sem control z para tudo.

Se computadores são assim, o que dizer da vida. E parte dela - doze horas, por enquanto - vai-se à toa, por conta, por exemplo, de paus em computadores, sem controls zês salvadores.


Campinas, 01 de maio de 2010.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O humoralismo inteligente de CQC

Aproveitando que uma crise ciática me fez estender a estadia na casa dos meus pais, resolvi ligar a tevê esta segunda para assistir ao CQC. Há quem diga que é o programa de humor inteligente da tevê brasileira. Como não assisto nem ao CQC – esse deve ter sido o quinto –, nem aos concorrentes, vou acreditar. Mas o que me parece é que o CQC é um programa inteligente no sentido de esperto, de enganar o espectador.

Nesta segunda o quadro “Cidadão em ação” foi ver se o cidadão respeitava as leis e a moral e se recusava a dar acesso a bebida, cigarro e revista pornográfica a crianças (atores contratados pelo programa). Num primeiro momento, as crianças pediam a transeuntes que comprassem para elas. Depois, foram elas mesmas comprar. Nesta, destaco a vez em que uma delas entra num bar, pede pinga com mel e é atendida. Depois pede cigarro, e o atendente nega. Sinal de que as ações anti-fumo têm surtido efeito, assim como sinal de que é urgente, ao invés de reforçar ainda mais o discurso contra o cigarro, empreender ações da mesma magnitude contra o álcool.

Antes de embarcar na crítica aos zé ninguéns abordados pelo programa, questiono se os cidadãos do CQC e da Band estão em ação. Que tal questionar direitos humanos ao Datena? Ou respeito à dignidade do próximo à Márcia Goldsmith? Poderíamos perguntar sobre jornalismo imparcial ao Boechat? Algo sobre cordialidade e civilidade ao Milton Neves? Ou fazer muitas dessas perguntas ao Marcelo Tas?

Porque Tas ou é ignorante ou abusa de má-fé. Não acredito na primeira opção, sobra a segunda. Já comentei acerca da reportagem sobre pedofilia na rede, belo exemplo de engodo travestido de jornalismo. Agora essa de correr atrás de pessoas que pactuam com menor que vê pornografia ou bebe. No início da reportagem Gentili fala da curiosidade que crianças podem ter por tais produtos. Esquece de perguntar o que poderia estimular essa curiosidade – seriam os poemas do Gonçalves Dias? Coerente esse olvido, visto ele sugerir que a orientação dos pais só vem depois do problema surgir, como se educação fosse um processo de punição a posteriori e não de liberdade dada de antemão. Assim, se os pais não estão por perto e a criança, estimulada por alguma gostosa na tevê em trajes sumários – quem sabe em alguma propaganda de desodorante na internet –, ou então por qualquer vinheta super divertida de cerveja, resolve sair de casa e comprar o que lhe é anunciado como elixir da felicidade, culpa dos pais, que não estavam por perto para proibir, e culpa dos zé ninguéns, que não têm caráter para se opor ao que diz a propaganda, a televisão e os programas de humor inteligente.

Poderia se argumentar sobre o horário do programa, horário em que criança já está dormindo – ou ao menos era assim meio século atrás. De qualquer forma, o CQC é feito também para a internet, tanto é que as propagandas são ligadas às matérias, para garantir a visibilidade do patrocinador a quem busca os vídeos no youtube. E não se trata somente de estampar a marca da Skol, mas de fazer campanha ativa: mostrar que festa, alegria e mulheres bonitas são coisas que acompanham necessariamente a bebedeira. Ou então gravar dois minutos de show para falar que redondo é rir da vida, como fez o próprio Gentili.

Em suma, a trupe do CQC age como todo bom moralista: critica nos outros o que ela mais faz. Comprar bebida para menor é feio; estimular o uso, não. Porque, afinal, a propaganda deles não visaria crianças nem contraria a lei. Se menores e maiores acabam caindo nesses cantos das sereias, a culpa não é das sereias, mas dos remadores, pessoas fracas de caráter.


Pato Branco, 21 de abril de 2010.

domingo, 11 de abril de 2010

O início

Conforme a lei, ainda não temos campanha, ainda não há candidatos - no máximo pré-candidatos, como se aqui, a exemplo dos EUA, houvesse prévias. Saindo da lei e caindo no mundo, penso que o sábado último pode ser considerado o início pra valer da campanha presidencial de 2010: não só porque o lançamento da candidatura Serra marca a definição de um dos dois principais eixos da disputa, como pelo fato do PT ter marcado evento concorrente ao do PSDB, em claro sinal de disputa.

Mas disputam o que, ja que não há candidatos?

Por ora a disputa entre PT e PSDB se dá pelo recorte dos temas que balizarão o debate político e a conseqüente clivagem do eleitorado que tais temas imprimirão. "Debate político", que fique claro, não tem nada de discussão de programas, é antes de tudo disputa de slogans.

Acreditando na tese da transferência de votos, Dilma Rousseff desde o início da sua pré-campanha - e isso já faz tempo - se atrelou ao presidente Lula, dono de uma popularidade recorde. Com esse mesmo raciocínio tem tentado ligar o agora pré-candidato (até pouco tempo atrás apenas o nome mais bem colocado na disputa pelo Planalto) Serra ao governo FHC. O PSDB também crê nessa tese, de forma que tem tentado escapar desse recorte. De início, acuado, tentou caracterizar Rousseff como fantoche de Lula, falava em discutir futuro e não o passado. A resposta do PT era sempre a mesma, reforçando o recorte que julgava mais proveitoso.

O PSDB saiu da defensiva com o slogan do Serra, "o Brasil pode mais". Com essa frase ele conseguiu abrandar a pecha de opositor a Lula: admite os ganhos dos oito anos do lulismo e propõe avanços - ou melhor, insinua avanços, já que, no fundo, não propõe nada além de um esfumaçado mais do mesmo. Uma espécie de "carta ao povo brasileiro" do PSDB, lançada não para apaziguar o andar de cima, mas o de baixo.

Por ora, o recorte do PSDB parece ser o dominante. Não só pela nova tônica do discurso petista - pobres x ricos -, como pela forma que, no evento de sábado, Lula respondeu ao slogan serrista: "se eles podem mais, nós fazemos mais". A discussão, portanto, está nesse "mais". O PT deverá insistir na comparação dos governos, mesmo que seja para ilustrar o seu "mais" frente o "mais" do PSDB. Porém, quem agora está dando as cartas é o PSDB.

De qualquer forma, a campanha ainda está bem no início e é bom lembrar que Serra e Rousseff não são os únicos candidatos.


Campinas, 11 de abril de 2010.