domingo, 4 de abril de 2010

Greve política

A principal crítica que vejo à atual greve da Apeoesp – o sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo – é que se trata de uma “greve política”. Sou obrigado a concordar: afinal, qual greve não é política? “Eu quis dizer política no sentido eleitoral”, replica meu interlocutor, um tanto desconfiado da minha resposta – talvez da minha capacidade intelectual, em ter que explicar o óbvio.

Acho no mínimo curioso o uso que se tem feito da palavra política. Primeiro aspecto que destaco é o fato de político ser considerado um termo pejorativo por si. “É uma greve política”, toda a crítica está condensada nessa frase, qualquer coisa além é mera tautologia. Não é preciso especificar eventuais problemas na forma que a Apeoesp faz política, ou os fins ocultos sob a política dos grevistas, ou da visão política dos atores que dela participam. O problema está na política, ponto. No máximo, aos bobinhos de plantão, explica-se que política aqui pode ser tratada como sinônimo de política eleitoral.

Nisso vem a curiosidade: quem são os atores e quais são os espaço legítimos para a política, ou melhor, para a política eleitoral?

Dos espaços. Diante das reiteradas reclamações a toda e qualquer manifestação de rua, penso que legítimo sejam apenas os espaços reservados especificamente para isso: propaganda eleitoral na tevê, casas legislativas, executivos. Fora disso haveria um desvirtuamento da política, prejudicando o dia a dia das pessoas comuns, que apenas querem fazer seu trabalho bem feito. Curiosamente, se se faz política nos espaços estatais, cai-se em cima, por apropriação do Estado por um partido, sendo o bolsa-família o exemplo mais evidente dessa crítica.

Já na questão dos atores, não é preciso grandes malabarismos para notar os pressupostos: em uma sociedade que prega o individualismo, com um sistema eleitoral personalista, em que partidos são figurantes menores, nada mais lógico que a base desse sistema, antenado com a sociedade ao seu redor, seja ela também individual. Reivindicações em grupo, de grupos, são considerados anacronismos, formas de fazer política ultrapassadas, por desrespeitarem a “individualidade” de cada um. Não é coincidência que quando a classe empresarial emite suas opiniões, o faça de maneira particular – Antônio Ermírio de Moraes, Abílio Diniz, Eike Batista, Roger Agneli -, por mais que todos encarem isso como uma posição da classe. Mesmo Paulo Skaf ou o Luiz Flávio D’Urso, ainda que seus cargos sejam representativos de classe, eles não explicitam falar em nome dos industriais ou dos advogados. Logo, por que professores, funcionários da saúde, policiais, ou quem for, teriam o direito a agir de maneira diferente? Resultado é que a greve se torna de inteira responsabilidade da presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha. Para piorar a situação, ela é filiada ao PT, de forma que o objetivo eleitoral se torna automático. E não cabe, claro, aos professores enquanto classe, mas apenas enquanto indivíduos separados, tentar influir nos rumos políticos ou eleitorais.

Por fim, ao reduzir política a política eleitoral, há um evidente esvaziamento do quotidiano, que perde o pilar mestre da vida em sociedade. Os sujeitos, tornados meros parafusos do sistema de compra e venda, se vêem desobrigados do seu engajamento ético na cidade – conseqüência do pensar e do agir políticos. Mais: passam a exigir o mesmo tratamento de parafuso nesse pseudo-leilão bienal que são as eleições no país, se tornando não mais que homologadores de uma representatividade falsa, de uma veracidade igual à exclusividade dos produtos de luxo (sempre produzidos em série) ou dos tratamentos personalizados (que seguem um padrão pré-estipulado universal).


Campinas, 04 de abril de 2010.

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