domingo, 16 de maio de 2010

Corridas de rua

As fotos no blogue do colunista de esportes a motor da Folha, Fábio Seixas, mostrando as obras para a etapa de Ribeirão Preto de stock car me fizeram lembrar deste assunto, que gostaria de ter abordado há certo tempo.

Ribeirão tentou sediar a etapa brasileira de Fórmula Indy. Perdeu para São Paulo, que montou um circuito de rua digno da capital: obras de urgência tiveram que ser feitas na madrugada antes da prova, os carros pareciam touros mecânicos, do tanto que pulavam com as ondulações da pista; e a prova teve que ser interrompida porque a chuva alagara parte do trajeto. Se perdeu a Indy em 2010, a prefeita da Califórnia brasileira, Dárcy Vera – como boa brasileira, diria a propaganda do governo federal –, não desistiu da de 2011. Em seu requento precário de um populismo de quinta categoria – algo meio janista, meio malufista –, que já tentara sediar o jogo de retorno de Ronaldo, conseguiu emplacar um circuito de rua para a stock car. Crê que um bom serviço aqui pode trazer a prova de monopostos.

Quem conhece Ribeirão sabe quão irônico é a cidade ter corridas de automóveis – como São Paulo, por sinal. A cidade fica a cada dia mais estagnada... não no tempo, mas no trânsito, mesmo. Nada diferente de outras cidades do país, apenas um pouco mais grave, por conta da altíssima proporção de carros por habitante e as vias estreitas do centro – e que o transporte público, de péssima qualidade, é falta de opção, e não uma opção.

Mas o que me assustou nessa prova de rua foi um vídeo, divulgado em março ou abril, tanto no blogue do Seixas quanto na página do Tázio. Nesse vídeo, um altruísta morador de Ribeirão, Sérgio Campos Gonçalves, munido de uma mapa com o futuro trajeto, de um carro e de uma câmera, deu uma volta pelo circuito de rua de Ribeirão. Disse que, para fazer o filme, respeitou todas as leis de trânsito; não vou duvidar disso.

Porém me questionei quantas pessoas outras não se animaram com o trajeto e resolveram brincar de pilotos pelas ruas da cidade, aí sem respeitar limites de velocidade, leis de trânsito ou princípios de bom senso. Diante disso, questiono: uma coisa é prova de automóveis em um autódromo, local designado para isso, para testar limites de velocidade. Outra é prova de rua num país conhecido por ser um dos mais violentos no trânsito. Se a primeira pode passar a idéia de que piloto é uma coisa, motorista é outro; a segunda serve de estímulo aos milhares de Ayrtons Sennas das nossas ruas, rodovias e marginais.

Alguns terão a mesma sorte do ídolo, em uma Tamburello qualquer, sem nome. E nessas horas, o que nos cabe é torcer que, como o falecido tri-campeão, não levem mais ninguém com sua imprudência estimulada por nossos governantes.

Um brinde!


Campinas, 16 de maio de 2010.

ps: para quem quiser conferir a “façanha” do referido vídeo:

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Planos

Por uma questão de época e de classe social, cresci lendo não Monteiro Lobato, como a presidenta da Argentina, mas Maurício de Souza e a turma da Mônica. Daí que toda vez que ouço falar em planos tenho a impressão que algo errado há, por mais infalível que seja. Certo, há planos que são feitos para dar errado: os planos de vida são um caso típico. Uma das maiores intelectuais do século XX, Mafalda, do Quino, comenta, certa feita, que “para não viver ao acaso, estou traçando um plano que me ajude a organizar minha vida com clareza”, e completa, “teoricamente, é claro”. O problema é que na teoria a prática é simples – como sempre digo, inclusive na assinatura do meu emeio.

Mas há aqueles planos que, se não são apresentados como infalíveis, estão quase lá: te dão as chaves para o paraíso na terra. Necessários, imprescindíveis, vitais, têm todas as vantagens e nenhum problema. Não, não estou falando dos planos de governo dos candidatos – até porque, pelo visto, passaremos a eleição sem ter visto um de verdade. Tampouco vou falar de religião hoje. Falo dos diversos planos que são anunciados a rodo em todo local a toda hora, ocupando espaços que antigamente eram dedicado a quinquilharias diversas – de pipoqueira elétrica a carro de luxo. Aparecem principalmente nas datas importantes – dia das mães, dos namorados, dos pais, das crianças, natal –, mas não só. Há os planos de televisão, de internet, de telefonia – tem até um que se anuncia como infinito, apesar de ter limites bem estreitos. Há também os de saúde, que dizem estar preocupados com sua saúde – o que não duvido, dado os custos de operação –, e que não raro te complicam a vida na doença. Deve ser uma tática para as pessoas se preocuparem, elas também, em não adoecerem.

Exemplos mais há muitos, não vou cansar o leitor e a leitora em reprisar o exaustivamente repetido. O que ressalto é que para quem, como eu, cresceu vendo o Cebolinha e o Cascão apanharem por conta dos planos infalíveis do primeiro, me pergunto o que não haveria de profético nos gibis da turma da Mônica; e se talvez não seja esse excesso de planos que têm dificultado tanto a nossa vida.

Campinas, 14 de maio de 2010.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os suspeitos de sempre

O ônibus estava na rodovia Castello Branco, menos de cem quilômetros de São Paulo, quando teve que parar para revista da Polícia Rodoviária Federal. Normal, é trabalho da polícia, ainda mais quando o veículo vem da região de fronteira com Argentina e Paraguai. Mas os policiais pareciam desconhecer esse detalhe, a rotina era de rotina. Normal, de qualquer forma.

Estávamos em uns vinte e cinco passageiros. No meio do ônibus, dois policiais se detêm diante do primeiro suspeito: um negro. Pedem documentos, mandam ficar em pé, revistam, abrem a bagagem de mão, perguntam o que faz da vida, o que pretende fazer em São Paulo. Outros dois policiais entram e seguem para o fim do ônibus, em busca de novos suspeitos. Encontram-no no banco ao lado do meu: um rapaz moreno. Mesmo procedimento acima descrito. Para não parecerem preconceituosos, repetem uma vez mais, agora com um branco, amigo do moreno. Os dois são obrigados a descer, para uma geral mais bem dada.

Nisso um dos policiais vê um volume suspeito em meu bolso e põe logo a mão. Era um spray de mel com própolis para a garganta. Pergunta se sou brasileiro, o que levo na mochila, o que faço da vida, se fumo. Respondo secamente. Sim, pertences pessoais, estudante, não. "Nem do fumo bom". Me recuso a responder tal pergunta, ainda que a vontade fosse devolver com outra pergunta "por que, está com vontade", e ele se afasta. Os dois amigos voltam, pouco depois recebem seus documentos, eram joões ninguém sem nada suspeito. A viagem segue, "vai com Deus", diz o policial que devolveu os documentos aos dois, não sei se numa tentativa de consertar a antipatia ou se por mero cacoete religioso, mesmo.

Falta de respeito, de educação, de cordialidade, grosseria, preconceito, escárnio (esqueci de contar que os policiais se divertiram com a foto em um documento do primeiro suspeito). Isso que era Polícia Federal abordando pessoas de classe média. Não preciso tentar imaginar o que não seria a Polícia Militar na favela. Muito se fala em melhorar a imagem das polícias frente a população. Não sei se o percurso é longo ou curto, sei apenas que não começaram sequer o óbvio.


Campinas, 06 de maio de 2010.

sábado, 1 de maio de 2010

Control Z

As novas tecnologias influenciam para muito além do seu raio de ação o dia-a-dia das pessoas, reverberando até em seus sistema de crenças. Uma delas, por exemplo, é a crença - a esperança, ao menos - na universalidade do "control z". Porque se o "backspace" foi uma evolução, ao permitir que se apagasse o que se digitara errado, o control z foi uma revolução que permitiu desapagar o que fora apagado sem querer. E se expandindo para além do editor de textos, se tornou ferramenta essencial ao computador. O sonho de muitos é que a vida possuísse um control z, de forma que voltaríamos ao estágio anterior a um equívoco, pronto para tentar novamente, sem qualquer vestígio a apontar as tentativas frustradas.

Mas a vida não possuí control z, assim como ele não funciona para tudo num computador.

Fui instalar a nova versão do Ubuntu no meu pc. E eis que, ao invés de mandá-lo para o espaço no HD já reservado para ele, fiz não sei o quê que mandou tudo o que eu tinha no HD para o espaço. Ao ver a ca...racterística do que tinha feito, abortei a instalação, voltei ao estágio anterior. Tarde demais. A me...dida feita anteriormente não permitia control z ou similar. Resultado: perdi meus arquivos - dos quais possuo cópia da grande maioria, felizmente -, e já mais de doze horas nessa brincadeira, sem conseguir consertar o coiso.

Quem me conhece deve estar se perguntando qual a novidade em eu apagar o HD, sendo que as primeiras vezes eu ainda fazia isso em um winchester. Novidade há, sim: pela primeira vez faço isso em meu computador, e não no do meu pai, que perdeu a conta de quantas vezes teve que respirar fundo quando eu chegava para avisá-lo que acontecera qualquer coisa inesperada e... e os computadores são assim, sem control z para tudo.

Se computadores são assim, o que dizer da vida. E parte dela - doze horas, por enquanto - vai-se à toa, por conta, por exemplo, de paus em computadores, sem controls zês salvadores.


Campinas, 01 de maio de 2010.