quarta-feira, 30 de junho de 2010

Meu amigo Gato

Quantos anos vive um gato? A dúvida me veio com as primeiras luzes do dia, quando, pela janela, vi um felino prestes a fazer uso santiário do meu diminuto quintal. Assutei-o. Porém, ao invés de fugir espantado, se aproximou e começou a miar. Reconheci: era o Gato!

Gato (certamente deve ter outro nome, mais criativo e condizente) é uma gata, ao que tudo indica prestes a cumprir com o mandamento bíblico, e que desde 2008 andava sumida. O que não era de todo ruim, admito, porque além de banheiro, ela costumava trazer seus paqueras (dizem que aquilo é acasalamento de gatos, como não sou entendido, acreditei) para meu quintal nas madrugadas. Sei quando é o Gato não só por ela não fugir quando apareço, como por responder quando mio para ela (ou será que sou eu que respondo quando ela mia para mim?), o que já me causou certo constrangimento na frente dos amigos. Outro sinal de que é ela, é a insistência do bicho em entrar na minha casa. Isso desde 2003.

Daí que me veio a dúvida sobre quanto vive um gato: cogitei se ela já não teria morado aqui, quando tinha realmente um dono, e não um cara que um dia comprou o peixe errado pra receita e fez a sua festa por dias. Porém, até onde me lembro, a pessoa que morou antes de mim nesta casa - três anos, ao menos - não tinha gato, mas três cachorros: uma chatíssima de pequeno, outro de médio, e outro de grande porte - o qual babava horrores. Sei que cachorro vive lá seus quinze anos. E gato?

Isso era fácil de descobrir: bastava ligar o computador (que, novo, não leva mais seis minutos para estar pronto) e perguntar pro Gugou. Estaria ali a resposta, em milisegundos, pronta para saciar minha curiosidade - essa e outras -, exterminhar minha questão e matar a chance de pensar tantas coisas à respeito, me divertir com o fato e desfrutar da dúvida. Pelo mesmo ralo virtual de certezas iria também esta crônica.


Campinas, 30 de junho de 2010.

domingo, 27 de junho de 2010

De novo a bebida

O colunista da Folha Gilberto Dimenstein costuma trazer seguidamente pesquisas e experiências interessantes. Porém não é sempre que o leio, não só porque seu estilo me desagrada, como por discordar dos pressupostos, das crenças que ele nutre: a benevolência empresarial e a malevolência estatal. Na relação de forças, temos o Estado que suga e subjuga a indefesa iniciativa privada, e a possibilidade de neutralizá-lo por meio de organizações sociais. Simples assim.

A sua coluna do dia 27 de junho, “Porres de elite”, ele comenta do abuso de álcool, que começa cada vez mais cedo. Apesar de meus cabelos estarem migrando do topo para regiões adjacentes da cabeça, sou jovem o bastante para acompanhar – ou ao menos notar – os hábitos de quem está na chamada adolescência, e não me surpreende que pesquisa da Unifesp constate que 30% dos alunos de escolas particulares paulistanas fique bêbado ao menos uma vez por mês. Me surpreenderia se esse número não aumentasse quando entram na faculdade.

Ponto interessante da coluna é quando ele levanta as conseqüências do álcool, a droga mais devastadora que há. Amigo meu que trabalha na assistência de usuários de drogas já me havia dito, tempos atrás, quando perguntara se o crack merecia o alarde que tem merecido, que nada se compara aos estragos do álcool. A diferença é que a sociedade sente comiseração pela criança e adolescente, tradicionais viciados em crack (sem falar no quão feio são os nóias perambulado por aí), e não pelos alcoolistas, que geralmente sentem os efeitos do vício quando adultos ou velhos.

No fim de seu artigo, Dimenstein comenta da possibilidade em diminuir o abuso do álcool, mais ou menos como foi feito com o cigarro, e pede a participação do governo e sociedade, “além da indústria da bebida e dos publicitários” em estimular o "consumo responsável".

Crente na benevolência privada, Dimenstein não consegue enxergar que a diminuição do cigarro não teve participação de quem lucrava com ele, muito pelo contrário: foi pela abolição da propaganda e com pesada contra-propaganda que se conseguiu diminuir o uso. A diminuição do abuso de álcool passa pelo mesmo caminho.


Campinas, 27 de junho de 2010.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Adeus, sr. José

Não importa a hora que chegue, a morte chega sempre em má-hora. Se se trata daqueles casos em que a vida, na prática, acabou, e nada mais resta que aguardá-la, ela tarda, alonga a espera, como a mostrar, ironicamente, o quanto ela é a dona da situação. Por outro lado, quando ela chega de repente, de chofre, quanto dor, quanta tristeza.

Mas é bom que ela venha mesmo – nem mais cedo, nem mais tarde, na hora, ainda que o melhor que tal hora seja já em anos avançados -, e que chegue de surpresa, sem cartas de cor violeta avisando das últimas vinte e quatro horas. “Porque morrer é, afinal de contas, o que há de mais normal e corrente na vida, facto de pura rotina, episódio da interminável herança de pais a filhos” – o organismo que definha, o corpo mutilado, a dor insuportável, a morte em algum momento, por causas naturais ou externas, será bem vinda àquele que parte.

Uma das pessoas que me ensinou isso foi o sr. José, ele que em 18 de junho de 2010 encerrou seu mais longo, mais complexo e – por isso mesmo – mais belo romance. Homem de seu tempo, não mudou de opinião a cada modismo, nem se engessou em velhas concepções, e avançou os anos com crítica, delicadeza, sensibilidade, lucidez, tudo ao mesmo tempo.

Sua morte é, sem dúvida, triste. Mas não sei se é o caso de lamentar: foi também o sr. José quem me disse que a vida de uma pessoa vai além da morte, que ela perdura firme e pulsante no amor do outro. E sua obra seguirá criando apaixonados por ele – como este que escreve. Não seremos nenhuma Pilar, mas ajudaremos a garantir a vida de seu pulso.

José Saramago era ateu convicto. Se das suas obras é possível destacar transcendências e crenças, não é sinal de incoerência, é sinal de que ele sabe que uma pessoa é mais do que se vê, que a vida é mais do que podemos pensar. Como explicar? Não sei. Sei que José Saramago segue vivo, que não foi agora que o calaram.


Campinas, 18 de junho de 2010.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A greve 2010

A Unicamp tem pego pesado contra os funcionários grevistas nesta greve de 2010. Pesado não por recusar a negociar aumento além dos 6,7%, mas na resposta aos ataques que o sindicato tem deferido contra a instituição.

No seu portal (www.unicamp.br) há uma lista de reportagens sobre o quão bom é trabalhar na universidade e quantas pessoas não o querem. Há artigos de professores criticando grevistas e ocupacionistas. E as reiteradas notas do Cruesp, o conselho dos reitores, afirmando que o aumento acima da inflação é parte de um programa de valorização da carreira, sem comprometer o orçamento das universidades paulistas. Até que pondo é verdade, não entro no mérito.

Os grevistas, claro, acusam o reitor de intransigente. Mas perto da greve de 2004, quando o atual todo-poderoso da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, era o reitor da Unicamp e presidente do Cruesp, a evolução política da universidade é gigantesca.

Apesar de ser uma greve pequena, fraca, mal articula e apenas de funcionários, a Unicamp tem se dado o trabalho de rebater os argumentos. Em 2004, o portal da universidade simplesmente não noticiava nada, absolutamente nada, da greve, até a ocupação da reitoria e, dias depois, o piquete em frente ao Bandejão. Foi só com o uso de expedientes extremos que foram não só abertas as negociações com funcionários e professores numa greve longa e forte, como admitida que havia na universidade um litígio político pendente. E que quando admitiu, de pronto desqualificou o movimento, sem entrar no mérito das reivindicações, chamando professora do IFCH para taxar de fascista o ato de ocupação da reitoria – num anacronismo que uma intelectual não poderia cometer.

Da greve deste ano. A reivindicação pode ser justa, mas a forma de pressão é equivocada. Serve para animar o que resta de uma esquerda carnavalesca (que imagina que greve é carnaval), demonstrar a fraqueza do movimento, e isolar ainda mais o sindicato. O problema é que, dado o tiro errado, se a elite sindical retroceder sem conseguir as reivindicações, terá cravado mais um prego no caixão – a cova, ela já cavou há tempos, não é fruto da contratação de tercerizados. Enquanto não se decide se perde ou perde, o sindicato dá mais força às críticas vindas dos setores mais conservadores, que questionam por que pagar o quanto se paga a um funcionário da Unicamp, se se pode contratar um tercerizado – muito mais eficiente – por um terço do custo. Essa disputa, não será com greves dispensáveis que se conseguirá reverter.


Campinas, 17 de junho de 2010.

A copa

Enquanto os patriotas bissextos discutem porque os guerreiros-evangélicos-cervejeiros sob o comando do general ascético Dunga penam para ganhar da seleção que empatou com o Atlético Sorocaba, e que salvo nos cifrões só são capazes de encantar ufanistas de quinta a la Galvão, a copa 2014 vai mostrando a que veio aqui nestes tristes trópicos.

Ela, que de início não teria dinheiro público para além da infra-estrutura, tem se resumido a uma disputa sobre quem e onde será a sua abertura. São Paulo, Belo Horizonte ou Brasília? No Morumbi, ou em algum novo elefante branco, como o Engenhão? Uma das propostas já vem até com o aumentativo do famigerado desperdício do Pan: Piritubão.

As discussões sobre infra-estrutura? Quase acontecem. E por conta disso são tão decisivas como para o resultado de um jogo são os quase gols. Melhoria do sistema de transporte aéreo e terrestre? Eventualmente se discute sobre, sempre centrando a discussão nos cifrões: tantos milhões para o trem-bala, que só ficará pronto para depois da copa, outros tantos para um novo aeroporto ou para ampliar Viracopos. E no resto do país? Acesso aos estádios, transporte público, questões urbanísticas? Disso, ainda não ouvi palavra, salvo reportagens apontando problemas e críticas.

Das autoridades, é crença que tudo se resolve em cima da hora. E talvez seja assim, na hora dá-se um jeito. A questão é a que custo. Há ainda a questão da violência, sempre tratada de maneira muito leviana por políticos e imprensa, e que por ora não teve tratamento diferente do habitual. O que não é de todo mal, ao menos para grandes empresas, visto a chegada da maior multinacional do ramo de segurança, a G4S. Cifrões, sempre eles, como a nossa seleção.

No andar da carroça, em 2014, não será surpresa se além da grande quantidade de dinheiro público jogado no ralo, vermos turistas chegando atrasados a jogos, por conta de congestionamentos e seleções européias desembarcando aqui com coletes a prova de balas: uma bela jogada de anti-marketing!

Campinas, 17 de junho de 2010.

sábado, 12 de junho de 2010

Florianópolis pela janela do avião

Pela primeira vez cheguei a Nossa Senhora do Desterro de avião. Pelo alto, Floripa me pareceu uma cidade feia. Quem me conhce me acusará de tê-la visto feia porque não gosto da cidade. Do meu lado, acredito que a visão desde cima ajudou a entender o porquê d'eu ser um herege que não sonha em um dia morar no Éden dos paulistas.

De cima fica muito evidente o clima nada harmônico da ilha: a divisão homem x natureza é muito clara: onde o homem conseguiu se fixar, o verde está expulso. Onde a mata ainda resiste, a ocupação humana avança. Uma batalha desigual. E a mim, a natureza sempre me pareceu o principal atrativo da capital catarinense, uma vez que no quesito atividades artístico-culturais e mesmo no de serviços, ela fica aquém de outras cidades de porte similar. Porém, se sua principal qualidade é repelida com tal veemência, o que resta?

Meu irmão tentou justificar: apertada, qualquer lugar que se tem, que pode, o homem aproveita. Que se tem e que não se tem, como a Beira-Mar Sul. Que pode e que não pode, como casas sobre dunas, condomínios sobre praias, shoppings sobre mangues. Minha interrogação foi: precisava crescer o tanto que cresceu, da forma que cresceu? Claro que não. Mas Florianópolis, a exemplo de tantas outras precárias cidades brasileira - São Paulo, para ficar no caso mais famoso -, parece que nunca teve preocupação séria com o urbanismo, nem com a natureza. E quem chega, chega com a mesma mentalidade: aproveitar o que a ilha tem de bom, sem calcular os custos.

A cidade cresce desordenadamente para todos os lados, por mais que a estrutura há tempos esteja saturada. Diante das necessidades de ocupação humana e lucros imobiliários, o principal atrativo se torna um estorvo - contornável, felizmente. Não sei, talvez seja crença entre os moradores - os velhos e os novos - que não há combinação melhor do que praia, sol e cimento.


Florianópolis, 12 de junho de 2010.