segunda-feira, 26 de julho de 2010

Tecnologia expansiva

Na rodoviária, fiquei sabendo que a moça atrás de mim tinha tentado ligar para todo mundo, mas como ninguém atendera, decidira ir para São Paulo, mesmo, e que era para o pai ligar pra Bruna, avisar para ela deixar dinheiro em cima da mesa, para pagar o táxi.

Dia desses, no ônibus para a Unicamp, vi que o cara ao meu lado era amigo de um garanhão arrasa corações. No mesmo trajeto, em outro dia, soube que o namorado – provavelmente já ex – da moça uns três bancos atrás era um baita de um cafajeste, que tinha traído ela com não sei quem, com não sei quantas. Como não fiquei com inveja do garanhão, também não me condoí pela moça.

Já teve um dia, era final de semestre, que acompanhei os últimos detalhes do cruzeiro que o rapaz ia fazer com a avó (que se tratava de um cruzeiro eu só soube quando ele contou aos amigos que bandejavam com ele).

O quadrinista Alan Sieber certa feita reclamou que tinha o azar de toda sessão de cinema em que ia, a sala estar cheia de bombeiros e enfermeiras, que não podiam desligar seus aparelhos por uma hora e meia.

Pior foi a vez que um médico atendeu ao celular durante a consulta. Três vezes! Eu bem já andava desgostando dele – que era meu médico há uns quatro anos –, e isso no máximo precipitou as coisas. Bom para mim, que passei a freqüentar meu atual homeopata, excelente. De qualquer forma, com sorte ou não, julguei e sigo julgando uma falta de educação dele. E acredito que a recíproca dos médicos para com os pacientes seja verdadeira.

Como também falta de educação acho em ficar sabendo dos detalhes das vidas alheias, sem que eu tenha o menor interesse. Sei que celular é estranho, a gente acaba gritando, mesmo que isso não seja necessário. Porém, faz um tempinho que o aparelho está na mão de (quase) todo mundo, já era hora para se ter uma certa etiqueta no uso dos trambolhinhos, regrinhas elementares para evitar o seu uso anti-social, sem precisar esperar a Glória Kalil escrever, quem sabe, um livro sobre – um “Chiq Celular”.

Enquanto isso, sigo com meu sonho de ter um aparelho que você aperta um botão – e tchum! – interrompe-se o sinal de celular pelo entorno por míseros vinte segundos, o suficiente para a ligação cair.


Pato Branco, 26 de julho de 2010.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Receita para um crime de sucesso

Como o interesse pela Copa, e todas as discussões que ela acarretava – técnico, imprensa, craques, refeições dos jogadores, etc –, acabou mais cedo, a imprensa foi em busca de notícias com que rechear a monotonia do dia a dia das cidades.
Teria as enchentes no nordeste. Contudo, além de enchente ser algo um tanto rotineiro nestes tristes trópicos, já era notícia velha, por mais que tenha ficado em enésimo plano frente os guerreiros rumo ao hexa. Haveria as eleições, porém ainda está longe a data de votar, que é quando o assunto vira papo nas esquinas e merece destaque.
Mas eis que a imprensa conseguiu juntar três das principais paixões do país: futebol, sede de sangue e espírito de justiça. Desde 2008 ela vinha tentando criar um novo caso Isabela, mas não encontrava um que emplacasse, por mais que tentasse repetir os elementos. Pelo visto, o caso do goleiro Bruno será assunto para longos e acalorados debates sobre o quanto ele é culpado e o quanto deve ser punido. A imprensa fará a festa, com aumento da sua audiência, os apresentadores policiarescos babarão de alegria, e o povo se ocupará com esse esporte sub-lúdico que só perde em preferência, ao que tudo indica, para o futebol.
Receita de furo jornalístico-policial de sucesso:
Em um programa jornalístico pretensamente sério, junte uma criança com uma morte mal resolvida (pode ser da criança ou não) e reserve. Ao mesmo tempo, coloque os suspeitos para negar relação com o crime. Junte os dois com uma pitada de investigação, ou algo que se pareça com, preferencialmente com reconstituição do crime (estes ingredientes darão o toque CSI do prato, que faz com que seja um sucesso). Depois de rápido aquecimento do caso, salteio os ex-suspeitos, agora criminosos, com doses de discurso de “direitos humanos para humanos direitos”. Manifestações e gritos de “assassinos” dão um tempero extra – desde que devidamente televisados, claro. Além de políticos e Datenas, pode-se acrescentar religiosos ou filósofos para justificarem a pena capital.
Está pronto para servir o caso. Necessário que seja servido quente, pois assim que esfria perde a graça e se torna necessário achar um novo bode expiatório para nossa vidinha miserável.

Campinas, 09 de julho de 2010.