quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Literatura de esquerda com moral da história

Esta semana fiz uma coisa que até então eu só fizera uma vez na vida: parar de ler um livro no meio. Claro que eu só poderia ter feito isso em vida! Quando mais seria, sendo que nunca morri e nem acredito que se possa fazer algo depois de morto, a não ser por procuração? Enfim, volto à interrupção. Não que eu ache isso uma heresia ou uma profanação, não. Minha questão é que costumo ter boa vontade para com a literatura, sempre acredito que ela, mesmo não sendo boa, não é perda de tempo.

O primeiro livro que desisti antes do fim foi Diário de um magro, do Mário Prata, isso já vai pra mais de dez anos. Não lembro de nada do livro, só que achei ele muito, mas muito ruim. O eleito desta vez foi Fausto Wolff e seu À mão esquerda. Não achei o livro ruim – fraquinho, não recomendaria, porém ruim não é–, mas ao chegar na página 200 me dei por satisfeito, decidi que pouco teriam a me acrescentar as 300 páginas restantes – ainda mais quando em minhas prateleiras Vila-Matas, Perec, Pinilla e Campos de Carvalho me esperam. Contou também para minha decisão, admito, o fato de Wolff ou seu livro não serem tidos por obra ou autor de referência – motivo pelo qual me arrastei dolorosamente até o fim do On the road, do Kerouac. Quem sabe se ele tivesse morrido há mais tempo. Por fim, ainda que não fosse motivo para interromper a leitura, me sinto aliviado por não prosseguir por aquela história de um anti-herói exemplar, da luta do bem contra o mal, com moral da história ao fim de cada capítulo (cheguei ao trigésimo).

Por sinal, isso me intriga: por que tantos escritores de esquerda se vêem necessitados de escrever histórias com moral, não raro explicitando-a? Uns o fazem de maneira mais elaborada (Steinbeck), outros, mais tosca (Brecht), mas no fundo são devotos enrustidos pregando uma moral cristã-católica, com o reino dos céus reservado para os pobres – boas almas ilibadas e sofredoras – assim que a revolução chegar. Por conta disso, apesar de gostar de Steinbeck, não raro prefiro autores conservadores, como Borges ou Nelson Rodrigues, justo por eles conseguirem de maneira bem mais profunda nos instigar a pensar, a questionar e – por que não – a desejar uma revolução, um mundo radicalmente diferente.

Campinas, 18 de agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

La que le gusta el negro!

Ainda há pessoas que me estranham quando digo que não gosto de jogos de baralho. Principalmente aquelas que sabiam da existência, por quase dois anos, de jogatinas (regadas a muito chimarrão e bolos e tortas e troca de receitas) semanais na minha casa. Os jogos eram Master, Imagem e ação, presidente e mau-mau (praticamente os únicos jogos de cartas dos encontros), nada que justificasse o nome de jogatina.

Acho truco um jogo chato, pessoas gritando me cansam, e a única graça que vejo é tentar quebrar esse clima testosterônico que ele acaba por gerar. Pôquer, quase parece legal. Talvez se algum dia eu tivesse jogado sua versão strip na companhia de mulheres reconhecidas por seus dotes físicos, a história fosse diferente. Como nunca joguei…. Cacheta, acho que é trauma de infância, que sempre perdia pro meu pai, e quando este não jogava, para meu irmão. Os demais – canastra, buraco, sei lá quais outros – sempre achei que podia usar minha memória para guardar coisas mais interessantes, como, sei lá, a ordem das músicas dos discos do Patu Fu.

Porém, mais do que estranhamento, chega a causar certa indignação quando digo que prefiro dominó a cartas. Não que eu ache dominó um jogo legal, emocionante, ele serve mais para ilustrar meu gosto por baralho. Isso até este domingo.

Recém-chegado de viagem, a geladeira vazia, fui ao mercado. No caminho encontrei a Aline, amiga de longa data, que me chamou para almoçar na casa do namorado um almoço cubano. Aceitei de pronto. E lá estava eu comendo comida cubana, ouvindo música cubana, em companhia de dois cubanos que contavam causos não só da ilha como da Rússia, Itália, Brasil, e em companhia de uma série de outros latino-americanos (brasileiros, inclusive), bebendo cerveja galega e comendo chocolate estadunidense. Passado o almoço, os dois cubanos falaram em fazer algo típico da ilha nas tardes de domingo: jogar dominó. Reação geral – minha inclusive – foi um “putz, dominó?”. Mas não adiantou reclamar, logo um deles vinha com o jogo.

Ainda que não tenha chegado a lamentar pelos cubanos não terem Faustão e Gugu, pensei que lhes faltava algo de interessante para fazer – discutir política ou futebol, que fosse –, para terem que ocupar seus domingos com dominó. Mas passada a reticência inicial, lamentei é que no Brasil não se tenha tal hábito. Claro, não é o dominó que eu conhecia. Primeiro que tinha mais pedras – elas iam de zero a nove. Segundo que não havia pescar as pedras que sobravam. Por fim, o que restava era um jogo de análise das pedras e das jogadas dos adversários, sem direito a blefe, com leves pitadas de truco – batidas na mesa, falar o nome das pedras –, mas sem tanto escândalo.

Voltei do almoço decidido a comprar um dominó daqueles para mim, e já avisei meus pais que nas próximas férias se preparassem para passar tardes cubanas. Claro, tive que explicar que não, dominó não é um jogo chato. Não se empolgaram muito, nem acreditaram muito no que eu disse. Certeza que quando eu aparecer com o jogo vão soltar um “putz, dominó?”.

Campinas, 09 de agosto de 2010.