domingo, 31 de outubro de 2010

A queda da Folha conforme a decadência dos seus ombudsmen

É possível notar a decadência da Folha de São Paulo nos últimos anos pelo nível dos seus ombudsmen. Sou eufemístico ao falar decadência, mais condizente é dizer seu despencamento de qualidade. Decadência era no início da década, quando parecia que havia possibilidade de reversão relativamente tranqüila.

Os últimos jornalistas a ocuparem o cargo apenas atestam o caminho da Folha rumo ao título de veículo mais mau caráter da Grande Imprensa – o que tem algo de honroso, dada a qualidade dos adversários, convenhamos. Eles realmente imaginam que alguém minimamente vivo acredita que eles são plurais, imparciais, independentes? E como já disse alhures, não vejo ser parcial como algo necessariamente negativo – até porque não creio na imparcialidade. Contudo, tampouco acho louvável a busca pela parcialidade, como é a tônica na internet.

Mário Magalhães era um ombudsman moderado, mas mesmo assim, por desagradar ao chefe, seu mandato acabou não sendo renovado ao fim do primeiro ano. Carlos Eduardo Lins da Silva parecia mais um office boy – moço de recado, como chamam em Portugal – do que ombudsman: levava e trazia mensagens dos leitores e do jornal pra lá e pra cá, pouco acrescentava.

Já Suzana Singer só não beira o patético porque o que ela faz como ombudsman é patético. Ela simplesmente inverteu o que faria o ombudsman: ao invés de fazer a crítica do jornal a partir do que recebe dos leitores, ela defende o jornal das críticas dos leitores! E defende de maneira muito pobre, o que é pior. Diz ela em sua coluna do dia 31 de outubro que a cobertura do jornal, depois de escorregadas (escorregadas? Eram tombos!) no primeiro turno, foi equidistante com relação aos dois candidatos no segundo. Aham. Numa eleição que mais parecia ser pela paróquia de Aparecida do que pela presidência do Brasil, na capa de 12 de outubro o jornal mostrava Dilma não comungando, ao contrário de todos ao seu redor; já na capa do dia 29, a foto era de Serra beijando uma Santa. Se isso é equidistância, Singer deveria explicar o que é “equidistante” na novalingua da Folha, que não achei a definição no seu Manual de Redação.

Se Folha um dia quiser provar que não é tão mau caráter assim e não tenta enganar seus leitores, que nomeie para o que eles chamam de ombudsman a Eliane Catanhêde, ou o Clóvis Rossi, ou o Otávio Frias Filho de uma vez, por que não? Aí, então, podemos conversar.

Campinas, 31 de outubro de 2010.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falta de educação

Lembro da primeira vez que assisti a uma orquestra sinfônica ao vivo. Cidade do interior, há dez anos uma sinfônica não pisava por lá, o maestro achou por bem pedir que não aplaudissem entre os movimentos. Começou com Mozart, não lembro o que. Ao final do primeiro movimento, aplausos esfuziantes de boa parte da platéia – deste escriba, inclusive. Espertinho, imaginei que o maestro não ter agradecido devia ser sinal de que aplaudíamos na hora errada. Esse tipo de educação, de etiqueta, se aprende mesmo com o uso.

Com o advento do correio eletrônico, aquele cabeçalho de carta caiu. Salvo um professor aposentado da Unicamp que ainda punha “Paris, data tal do ano tal” (será que era só para ele dizer que estava passando uma temporada em Paris?), começa-se logo com um “eae’smaluco”, ou um “olá, tudo bem”. A carta tradicional, em compensação, até ano passado, ao menos – que até 2009 eu ainda trocava cartas com alguns amigos –, seguia com o tradicional cabeçalho.

O Orkut dispensou até o olá e o sds do final dos e-mails, que atualmente já vão dispensando tais “formalidades”. Porém não se pode fazer o mesmo nos mensageiros instantâneos – falta de educação que eu reiteradamente acabo por cometer.

Etiqueta que eu ainda não consegui descobrir é o que fazer quando comentam texto meu por aí, em fórum aberto. Se o fazem privadamente, fácil: é um correio eletrônico, respondo – ainda que por vezes leve dois meses para enviar a resposta, o que acaba por ser quase tão mal-educado quanto a não-resposta. Agora, e comentário em blogue? Se é um mal entendido, um convite à peleja, há, sim, o que responder. Porém, quando se trata de um comentário mais tranqüilo, um gostei, um interessante complemento – como o do Anderson em meu último texto –, o que responder? É um pouco da minha dificuldade em lidar com elogios, e dizer simplesmente obrigado; um certo senso de utilitarismo estrito (nem sempre seguido) nos comentário, em que um valeu só para dizer que li o comentário me parece dispensável – porque é óbvio que li e que gostei do elogio. Isso pouco importa: se é essa a etiqueta, já há um bom tempo sou um baita de um mal educado virtual.

Num eventual próximo comentário, a me surgir novamente tal dilema, não me tendo ainda decidido o que fazer, remeterei a este texto: lê lá, eu me enrolo, me enrolo, me enrolo, mas no fim digo obrigado.

Campinas, 29 de outubro de 2010.

domingo, 24 de outubro de 2010

Saudades do Tiririca

Fui um dos que criticaram o Tiririca. Hoje me retrato. Não que ele tenha feito uma campanha de alto nível, mas foi exagero dizer que ele escarneceu da política e dos eleitores, salvo quando disse que “pior do que está não fica.” Não é por obra de nenhum semi-analfabeto que nossa política está e estará pior.

O escárnio parte de uma facção da elite, de um grupo da elite intelectual e acadêmica – ainda inconformada por ter sido alijada do poder federal há oito anos pela rafuagem –, que conseguiu baixar o debate eleitoral e a discussão política a um nível tão baixo, mas tão baixo, que tarefa para os próximos quatro anos será tentar desfazer a ligação automática entre política e falta de escrúpulos que PSDB, Folha, Globo e Veja, principalmente, construíram.

A campanha de Serra nos contemplou com algumas lembranças dos piores momentos da direita nacional. Começou com um tosco lacerdismo udenista pré golpe de 64. Para chegar ao segundo turno apelou descaradamente ao populismo mais rasteiro – Adhemar de Barros e Maluf – com suas propostas anti-tucanas nunca questionadas pela imprensa sempre vigilante dos gastos petistas do dinheiro público com os pobres. Já no segundo turno, faltou apenas jogar caspa no paletó e dizer que Dilma incluiria maconha na merenda escolar para ser confundido com Jânio Quadros – porque a pergunta sobre a crença em Deus houve. E, claro, desde o início sua campanha tem um collorido indisfarçável, que vai se tornando a cada dia mais evidente. Não imagino o estouro de uma refinaria de crack com a bandeira do PT, ou uma edição tão tosca do debate no JN como em 1989, nem há clima para um novo Proconsult, mas atento apreensivo para um golpe branco orquestrado pelo candidato junto com a Grande Imprensa.

Nestas eleições uma eventual vitória da Dilma já foi anunciada como o fim da democracia de fato no país; já se levantou o desmonte do Estado Democrático de Direito e a ascensão de um Estado fascista sob o PT. Nunca a lembrança de 64. Não creio que seja por conta da história do PT, antes por qualquer projeto do PSDB – esboçado no início da campanha, sem eco nos quartéis.

Alberto Goldman, do PSDB, em discurso não transmitido na Grande Imprensa, sugeriu semana passada comparação entre Lula e Hitler. Tiririca perguntava se o eleitor sabia o que fazia um deputado federal. O eleitor poderia perguntar agora se Goldman sabe o que é capaz de fazer um político. A lembrança a Hitler, o apoio da Grande Imprensa e o Serra ao seu lado mostram que, ao contrário do Tiririca, ele e o PSDB sabem, sim, mas não terão coragem de dar a resposta antes das eleições. Nem depois.

O eleitor pode escolher descobrir por conta. Não sugiro.

Campinas 24 de outubro de 2010.

Produção egoacadêmica

Se para medir a produção científica brasileira, além do tanto de paper produzido (por favor, por mais que os novos ricos e a academia se entristeçam com este fato, ainda moramos no Brasil e não no Brazil, e estamos falando de produção científica e não de scientific production, logo, fala-se “papér” e não “peiper”) fosse levado em conta o material egoacadêmico que um professor ou um pós-graduando gera anualmente em seus embates nas n mesas-redondas que participa para engordar seu currículo lattes - o que também afaga seu egoacademicisimo -, teríamos uma melhor imagem dos esforços que os pesquisadores tupiniquins fazem em prol do desenvolvimento da ciência.

Um amigo contava das agruras do seu doutorado. Teve o infortúnio de cair no meio de uma disputa entre grupos de um programa de pós na Unicamp. Pelo regulamento, seu primeiro orientador não podia orientar no doutorado, mas se seu grupo conseguisse a coordenadoria de pós-graduação, dava-se um jeitinho e passaria a poder. Não conseguiu. O grupo que assumiu a pós, para evitar mal-estar desnecessário com o grupo rival, não liberou o professor para orientar, mas não quis assumir qualquer posição oficial, assinando documento dizendo que não podia, como pediu meu amigo. O professor pediu a seus dois orientados que escrevessem uma carta falando que só aceitavam ser orientados por ele. Meu amigo se recusou: a disputa interna entre os grupelhos não era com ele. Do outro lado, a coordenação "pediu" que eles assinassem uma carta pedindo que trocassem de orientador. Se negou também. O pedido foi um pouco mais incisivo: ou assinava ou perdia a bolsa. Argumento errado para meu amigo. Só assinamos a qualificação e a defesa se tiver a assinatura desta carta. Aí não teve como não ceder ao bom argumento de autoridade da autoridade. Mais velho, mais independente (não apenas financeiramente), ele acha que essas disputas são complexo terceiro mundista, briga para ver quem é o maior anão, disputa entre pequenos, que preferem não olhar para os grandes para não terem que encarar o próprio tamanho.

Tentei argumentar que disputas entre grupos e brigas de ego costumam ter em qualquer lugar - do ministério à copa -, mas devo reconhecer: universidade pública vai muito além não só do bom senso como dos níveis toleráveis, e a troco de nada. Já tive aula de ética em que o professor parava a aula para fazer fofoquinha de uma colega de quem ele não gostava – e que sequer era da Unicamp. E o pior é que a geração que vem aí não hesita em seguir o chefe: antes deixar tudo como está do que pôr a carreira em risco – por mais que ela já esteja comprometida.

Amiga minha contava de conhecida nossa que faz mestrado na USP. Perto do prazo para qualificar, sem qualquer resposta do orientador, foi atrás do dito e quando o encontrou descobriu que ele sequer sabia qual era seu tema de pesquisa. Ele alegou que estava com alguns problemas de saúde e por isso ficaria um tanto ausente “a partir dali”. Lógico, minha conhecida foi urgentemente pedir para trocar de orientador. Nada. Mais nova e sem a independência do meu amigo (e não falo aqui da financeira), preferiu deixar como estava. Não entendi. Minha amiga, muito bem inserida nos meandros acadêmicos, me explicou: trocar de orientador poderia queimá-la dentro do programa; logo, melhor fazer a pesquisa pedindo ajuda para amigos, pôr o nome do orientador ausente na dissertação, agradecer a todos, e correr atrás de outro para o doutorado, tendo esse seu desprendimento como carta de apresentação. “Era mesmo o melhor que tinha a fazer”, concluiu ela.

Sendo a universidade pública brasileira uma carreira burocrática cuja admissão não se dá de maneira impessoal – ainda que isso não implique que os selecionados não tenham as qualificações exigidas para o cargo –, realmente era mesmo o melhor que tinha a fazer. Por isso eu insisto: para o bem dessas pessoas, como essa conhecida, dona de um ego bastante volumoso, mas capaz de um desprendimento tal apenas para se mostrar servil às autoridades da universidade e poder um dia ser ela a autoridade: nossa produção científica devia levar em conta também a produção egoacadêmica!


Campinas, 24 de outubro de 2010.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

E se legalizar o aborto?

Conversava com um grande amigo que trabalha na saúde pública e que já atendeu em posto de saúde da periferia, e acabamos entrando no famigerado tema do segundo turno: legalização do aborto. Ele me trouxe uma experiência sua interessantíssima, e que dá uma mostra do que pode acontecer no caso de legalização.

Uma moça, cerca de vinte anos, chegou ao posto de saúde onde trabalhava e falou que queria fazer um aborto. Coisa que pouca mulher faz, por toda a carga negativa do ato e pelo medo de ser presa ou processada. Ele não a repeliu, pelo contrário, a acolheu, e pediu que explicasse o porquê da sua decisão. Ela disse que seu parceiro iria achar que ela era uma oportunista, por engravidar quando estavam juntos há pouco tempo; que os seus pais não iriam aceitar que ela tivesse um filho sem que estivesse casada e, assim sendo, não via outra alternativa. Ninguém ainda sabia da sua gravidez e ela, ao invés de pedir a uma conhecida onde havia a clínica de aborto mais próxima, ou qual o método abortivo mais eficiente, resolvera ir direto ao posto de saúde – talvez com medo do que poderia ocorrer com ela, ou por desinformação.

Meu amigo pediu para que ela voltasse para casa e esperasse a poeira baixar, que pensasse um pouco mais, analisasse melhor a conjuntura. Explicou que ainda havia tempo para realizar o aborto, caso ela realmente quisesse, e se fosse essa sua vontade, não poderia fazer ali, mas ele daria as sugestões e indicações para que fosse o menos traumático e o mais seguro possível – dentro das possibilidades de um aborto ilegal para uma mulher da periferia.

Ela voltou algumas vezes ao posto para conversar, pesar os vários aspectos em manter ou interromper a gravidez, até o dia em que foi para comunicar sua decisão e agradecer meu amigo e a enfermeira que também a assistiu pela atenção e sugestões: conversara com o parceiro, com os pais, e resolveu que dava, sim, para levar em frente a gravidez.

Isso ilustra um pouco a “carnificina” que o novo arauto do conservadorismo reacionário brasileiro, José Serra, anunciou no caso de vitória da infanticida Dilma Roussef.

Legalizar o aborto não significa “chega deita expele”. Significa que a mulher poderá ir ao posto de saúde sem medo de dizer que pretende fazer um aborto, ser acolhida por profissionais capacitados – enfermeiro, assistente social, psicólogo, médico –, que com ela pesarão e se certificarão da sua decisão, para só então chegar às vias de fato: extrair um punhado de células que nada são, ou começar com a assistência e os exames pré-natal necessários.


Campinas, 11 de outubro de 2010.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O segundo turno é do mal

O título acima não foi só para chamar a atenção ou para chocar. Se acaso você se sentiu chocado, sinal de que não acompanhou a campanha eleitoral deste ano. Ou se acompanhou, o fez de maneira impressionantemente displicente ou cega – escolha. Antes do início da campanha, até o comecinho, eu até torcia por um segundo turno – afinal, as três principais forças eram oriundas da esquerda, duas delas do nacional-desenvolvimentismo –, pois havia a promessa de um debate político quente. Promessa de político tem má-fama no Brasil, essa não foi diferente.

O primeiro turno foi algo como temeroso e lastimável. Dilma pedia para esquecerem seu passado, ainda que pouca gente, praticamente ninguém, soubesse quem ela tinha sido. No máximo sabiam que ela era “a mulher do Lula”, sendo que a mulher do Lula é a Marisa Letícia.

Serra, por seu turno, não pedia para esquecerem nada, mas reescrevia sua história, assumindo um discurso neo-udenista tosco, que apelava aos órfãos da marcha pela família, com deus, pela liberdade.

Já Marina… bem, Marina é a boa moça, a moça para casar, a conservadora de fala firme que não diz nada, o discurso moderno no modelito retrógrado, um sabonete político feito por publicitários sem cor com ingredientes amazônicos (biopirateados pelo vice?). Em suma: o Alckmin de saias, com a diferença que este é da Opus Dei, aquela, da Assembléia de Deus.

O segundo turno, recém terminado o primeiro, mostrou que tinha tudo para ser muito pior. Não precisava ser assim: bastava que os dois candidatos agissem como políticos e não como fantoches – desprovidos de vontade e idéias próprias – nas mãos de publicitários. Um acordo entre os dois para evitar baixar (ainda mais) o nível da campanha e até, quem sabe, trazer um pouco de política ao debate (que ficou por conta do velhinho punk do PSOL), mostraria a estatura de ambos e que seriam realmente dignos de serem presidentes da república. Não são. Ganhe quem ganhar, será uma farsa no poder.

Excluído o lado conservador da disputa, Serra e Dilma brigam não só pelo seu apoio como para ocupar seu espaço. Não se trata de atrair os eleitores para suas idéias, trata-se de ir até onde os eleitores estão, de se camalear para ser o que querem que eles sejam. Serra agradece a Deus o resultado do primeiro turno. Mas o Estado não é laico? E não seria mais condizente agradecer aos seus eleitores, visto que Deus não tem título de eleitor no Brasil? Dilma é contra o aborto, mas não era uma questão de saúde pública até pouco tempo atrás? Agora virou sem-vergonhice?

A cereja do bolo ficou por conta do novo slogan de campanha de Serra: “Serra é do bem”. Jogada publicitária fantástica: tenta desqualificar a adversária sem falar diretamente mal dela. Afinal, se Serra é do bem, pelo silogismo precário que impera no nosso ambiente social, importado pelas campanhas políticas, Dilma só pode ser do mal. Ademais, cria outra boa identificação: quem mais é do bem? Sim, Deus e Jesus Cristo. A divisão do mundo em bem e mal é o discurso que se ouve nas igrejas neopentecostais (ligue a tv e confira), nos extremos políticos burros – à direita e à esquerda. Serra, ao aceitar essa grande jogada publicitária mostra sua diminuta estatura. Dilma, ao menos, é o fantoche de Lula, não de Luiz Gonsalez.

PS: apenas para deixar claro meu voto: justifico e me nego a legitimar nosso tratante sistema democrático-político-partidário-eleitoral. Faço isso desde que tirei meu título.

Campinas, 08 de outubro de 2010.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As pesquisas e as eleições

Gosto dos gráficos de pizza, mais ainda dos de linhas que sobem e descem. Talvez sirvam para compensar o quanto não gosto de montanha russa, ou o quanto gosto de seguir por aí sem grandes sobressaltos, tranqüilo. Gostar de gráficos, contudo, não me parece bastar para me tornar um estatístico ou qualquer coisa minimamente semelhante a. Tive duas disciplinas de estatística na universidade, uma péssima, na psicologia, outra ótima, nas ciências sociais. Nesta, o professor, o Paulinho - nunca me dei ao trabalho de saber qual seu sobrenome -, ciente de que havia um curso de quatro anos para ensinar a parte técnica da estatística, preferiu passar alguns conceitos e a linha de raciocínio básica da ciência nos seis meses que cabia àquele bando de gente que já nem as quatro operações básicas devia saber – se é que se lembrava o que eram as tais quatro operações básicas (greve, protesto, barricadas, revolução?). Talvez eu tenha aprendido errado, não sei, mas me arrisco aqui a falar do que não sei.

Se entendi bem, alguém com o dobro de intenção de votos do adversário não pode estar tecnicamente empatado. Com cinco vezes mais votos, menos ainda. Mas segundo Datafolha, Ibope e afins, se o candidato 1 tiver 8% e o candidato 2, 4% dos votos, com 2 pontos percentuais de margem de erro, estão “tecnicamente empatados”. 5% a 1%, a mesma coisa. Mesmo não sendo estatístico, não soa muito sensato isso. Ah, mas isso é coisa dos peixes pequenos, nem vale a pena perder tempo, vai dizer o leitor interessado na grande política. Displicente leitor, esse pequeno erro em dizer que 1% e 5% estão tecnicamente empatados equivale a dizer que Tiririca e Ivan Valente estavam disputando voto a voto o topo da eleição para o congresso em São Paulo.

Bem, talvez esse pequeno lapso ocorra porque os tais dois pontos percentuais devessem ser aplicados sobre o índice dos candidatos e não sobre a base 100. Daí que, conforme o Datafolha da véspera das eleições, Dilma teria 50%, entre 49% e 51%, na margem de erro. Serra, com 31%, poderia ficar entre 31,6% e 30,4%, e Marina oscilaria entre 17,3% e 16,6%, Plínio, por seu turno, com seu 1% que eventualmente alcança, oscilaria não entre 0% e 3%, mas entre 1,02% e 0,98%.

Porém vamos dizer que eu e minhas aulas de estatística com o Paulinho da Gpp e o bom senso estamos errados nisso, e vamos acreditar na margem de erro dos institutos de pesquisa e da Rede Globo e da Folha e da Grande Imprensa em geral, essa que merece até letra maiúscula, pra gente se lembrar que ela é grande (e de que é imprensa).

Datafolha e Ibope para presidente: Dilma, Serra, Marina: 50%, 31%, 17%; 51%, 31%, 17%, respectivamente. Resultado das eleições (arredondando): 47%, 32%, 19%. Serra e Marina ficaram na margem de erro, mas existe acertar pesquisa pela metade? Creio que não.

Nos estados, escolho aleatoriamente cinco. Começo por Minas. Pelo Datafolha de véspera, para o governo: Anastasia, 55%, Hélio Costa, 42%. Nas urnas, 62% a 34%. Sem comentários. Para o senado, Aécio, 43%, Itamar, 27%, Pimentel, 23%. Nas urnas, 39%, 26%, 24%. Uhhh!!! Fosse futebol e isso seria quase uma bola na trave! Quem sabe no próximo estado, Ceará. Pelo Datafolha, Cid Gomes levava por 65% a 19% de Lúcio Alcântara. Mário Cals teria 14%. O TSE resolveu, veja que audácia!, desmentir a Folha – mais uma prova do golpismo do Lula: 61%, 20%, 16% respectivamente para Cid, Mário e Lúcio. No senado, outra vez o TSE resolveu contrariar o Datafolha. Enquanto este dava Eunício com 33%, Tasso com 31% e Pimentel com 29%, o governo resolveu dizer que Eunício teve 36%, Pimentel, 33% e Tasso, 24%.

Como o Instituto Datafolha parece estar meio ruinzinho nos palpites, resolvo tentar o Ibope. Ia ver como foi no Paraná, mas me lembrei que as pesquisas foram proibidas pelo candidato vencedor, temeroso de um segundo turno. Até liberaram na véspera, mas estava difícil achar. Desço um estado, ao “Maranhão do Sul”, como é carinhosamente chamado politicamente o estado de Santa Catarina. Prevê o Ibope: Colombo, 41%, Amin, 27%, Ideli, 16%. Contradiz o TSE: Colombo: 53%, Amin: 25%, Ideli, 22%. Senado: Luiz Henrique: 28% na ficção contra 31% no Ibope (há quem diga que é o contrário, mas não custa lembrar o caso Proconsult. Por sorte, todos os candidatos importantes do momentos estão bem amestrados), Paulo Bauer: 25% na ficção, 22% no Ibope; Vignatti, 22% no Ibope e 19% na ficção. Proporcionalmente, 17% de acerto – na margem de erro –, ou seja, o Ibope não conseguiria nem vaga pro senado...

Como o negócio está feio e o texto começa a ficar grande, resolvo ver só quatro estados, e o último há de ser o do principal estado da federação (sic), São Paulo. Nada muito promissor, pois se erram para presidente, em São Paulo claro que errarão também, e eu sei de um erro grosseiro de antemão. Todos sabemos, menos os donos dos institutos de pesquisa e os jornalistas da Grande Imprensa.

Governador. Datafolha: Alckmin: 55%, Mercadante: 28%, Russomano: 9%, Skaf: 5%. Senado: Netinho e Marta: 24%, Aloysio: 20%, Tuma: 14%. Ibope: Alckmin: 51%, Mercadante: 33%, Russomano: 8%, Skaf: 6%. Pro senado: Marta e Netinho: 27%, Aloysio: 19%, Tuma: 12%. Na ficção do TSE: para governador, Alckmin, 51%, Mercadante, 35%, Russomano, 5% e Skaf, 5%. Uhhhh!!!! A pesquisa Ibope chegou a tirar tinta da trave na pesquisa para o governo paulista! Já para o senado, Datafolha e Ibope podem se afogar juntos, e tentar se explicar como alguém sobe 10% (uns quatro milhões de votos) em uma noite: Aloysio Nunes: 30%, Marta Suplicy: 23%, Netinho: 21%, Ricardo Young: 11%. Outra explicação que os institutos devem é quem é esse tal de Young, visto que o quarto lugar foi sempre dedicado ao xerife Tuma, depois da desistência do Quércia.

Em resumo, depois deste texto longo e cheio de número e %, típico de alguém que não entende nada mas adora ver gráficos e essas coisas: para estatística, numerologia deve ter um índice de acerto não muito longe dos dois principais institutos de pesquisa do Brasil, tendo em vista que, pela amostragem acima, o acerto foi de 0% (fosse índice de eleição e perdia até pro Zé Maria, do PSTU). Claro, isso não quer dizer que Datafolha, Ibope, VoxPopuli e outros não tenham sua utilidade. Em caso de bolão no bar, por exemplo, eles dão alguma base, alguma dica pra você fundamentar seu chute, se sentir menos inseguro na hora de palpitar. Ao menos se furar muito feio pode se eximir da vergonha: pô, tinha visto no Datafolha, por isso achei que a Marina ia ganhar. De qualquer forma, não vale perder tanto tempo com essas pesquisas: numa boa conversa de bar, além de maiores chances de acerto dos resultados, de visões políticas mais aprofundadas do que as análises dos analistas da Grande Imprensa, dá para se divertir muito mais com o bolão!


Pato Branco, 04 de outubro de 2010.

sábado, 2 de outubro de 2010

Adjetivos

Prescindir de adjetivos num texto – não necessariamente escrito –, sem que esse texto se empobreça é uma difícil técnica, que poucos alcançam, até porque é pouco estimulada – vide a supervalorização da encheção de lingüiça. Não falo em abolir os adjetivos, mas utilizá-los o mínimo possível, apenas quando necessários. Dalton Trevisan é a grande referência nesse estilo.

Por favor, não seja precipitado, ó leitor, em achar que sou contra o uso de adjetivos. Não! Acho que seu uso é importantíssimo para tornar o texto mais leve fluido agradável. O problema é quando são mal empregados ou utilizados em excesso – o que costuma representar a maioria dos casos.

Da minha parte, tento me controlar: sei que se eu soltar a pena, minha descrições acabam por tornar o texto longo piegas choroso cansativo, em suma, chato. Outros momentos, em meus textos opinativos-políticos, peso bem a adjetivação porque sei que, a depender do termo usado, todo o argumento fica obnubilado por uma provocação que torna uma possível discussão em garantida rinha. Diga-se de passagem, esse é um expediente usado por jornalistas para se passarem por vítimas quando já não possuem muito o que falar – Clóvis Rossi, da Folha, me parece o melhor exemplo.

O Rossi, definitivamente, não é alguém em quem me espelho. Porém anda difícil, nestes últimos tempos, maneirar nos adjetivos em meus textos – boçal, idiota, trouxa, palhaço, e por aí vai. Atribuo isso ao meu corrente mau humor, o qual creio ter como uma das causas principais as eleições – essa grande farsa da pseudo-democracia brasileira. Daí minha grande torcida para que amanhã as eleições se resolvam em primeiro turno, todas elas, para encerrar logo essa nossa longa agonia (apesar de curta no tempo), visto que política mesmo, debate de verdade, isso não houve nem haverá.

E já peço desculpas à leitora se meu mau humor persistir uma semana mais: sinal que a justiça eleitoral resolveu me complicar a vida na hora de justificar minha deliberada ausência do meu sagrado dever de votar. Ou que talvez não fossem só as eleições quem pisassem em meus calos.

Pato Branco, 02 de outubro de 2010.