segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sobre as bandas covers do Festival Planeta Terra

O século XXI começou com a moda passada, quando o antigo deixou de ser uma influência para ser determinante – a tal da moda retrô. Como o mundo do consumo atual anda se consumindo muito rápido, o retrô foi se acelerando, e já estamos no retrô anos oitenta e anos noventa, perto de chegarmos ao retrô do retrô, o retrô dos anos zero zero. Para não chegar tão cedo à contradição, ganhou força moda ensaiada ainda no século passado, com os Sex Pistols, de bandas fazerem covers de si mesmas, aproveitando essa nostalgia das quinquilharias consumidas num passado não tão distante, mas já obsoleto – bem exemplificada, por exemplo, no almanaque dos anos 80, em voga nos adultos jovens mais ou menos da minha idade, que nem lembranças dos anos 80 têm direito.

Perdi a vinda do Rage Against The Machine cover e a segunda do Pixies cover ao festival SWU (nome que me deixa profundamente irritado), mas aceitei o convite de acompanhar o Cássio ao Planeta Terra, em que tocariam, além de Mombojó, Hurtmold e Phoenix, Pavement cover e Smashing Pumpkins cover.

No show do Pavement, banda indie seminal dos anos 90, muito palco para a banda. Deviam estar acostumados a tocar em festivais, mas não como atrações principais, dessas que precisam se preocupar com iluminação: shows à noite deveriam ser em pequenas casas, sem tudo aquilo de espaço: bastavam um ou dois spots iluminando e fim. De qualquer forma, o grupo parecia animado com o show, salvo o principal nome do grupo. Stephen Malkmus, para além da pose de elegância, parecia cansado, sem empolgação, ainda que não se possa dizer que foi burocrático. Talvez fosse desânimo, sabendo do atraso que era se restringir às músicas do velho grupo diante do que produziu depois do seu fim – que teve boa repercussão, contrariamente aos seus colegas de banda, salvo Nastanovich e sua quase conhecida Silver Jews, que era já paralela ao Pavement. Teve lá sua dose de emoção ver Pavement tocando ao vivo, como se fosse possível voltar ao início dos anos 90, mas não é a mesma coisa, não adianta se enganar. E Stephen Malkmus parece que não quis mesmo entrar tão a fundo na ilusão: estamos em 2010. Em resumo, chamar decepção é exagero, mas Pavement cover foi frustrante – shows do Stephen Malkmus and the Jicks e Silver Jews seriam bem mais vivos.

Já o grande grupo cover da noite – o indie main stream – era o Smashing Pumpkins cover – que voltara prometendo não ser mero cover de si mesmo. Deixarei comentário sobre isso para daqui a pouco. No show era evidente quando tocavam a parte cover e quando tocavam a parte não-cover. E por ter intercalado músicas novas e antigas, conseguiram acabar com qualquer clima catártico que o show poderia (e prometia) ter para os desesperados fãs da banda de Billy Corgan. O que houve foi um morde-assopra: uma música para a galera empolgar, outra pra todo mundo ficar parado olhando torcendo pra acabar logo e começar uma música antiga (ou “do Smashing de verdade”, como diriam muitos). Poderia argumentar que o artista faz bem de mostrar as novas músicas, ao invés de só agradar o público com as velhas e conhecidas. Ocorre que ao voltar com o mesmo nome, mas sem o mesmo vigor, o Smashing Pumpkins se aproveita do que foi para tentar emplacar o que não mais é. Quando Corgan acabou com a banda, há dez anos, parece ter feito bem. A banda que teve depois, a Zwan, mostra um pouco isso: deixava de lado o clima sombrio e um tanto auto-indulgente por algo um pouco mais leve e colorido, sem excessos. Uma mudança necessária para não se repetir. Mas sem o mesmo sucesso imediato no novo formato, voltou à velha fórmula – disse ele que é porque seu coração era Smashing –, primeiro em carreira solo e, diante de novo insucesso, com a velha banda e o velho nome. Que só tem força enquanto cover de si mesma: já tinha mostrado em suas novas composições, e isso ficou claro no show no Planeta Terra. Para minha tristeza: sequer as últimas composições do velho Smashing Pumpkins parecem animar os fãs da banda cover, e elas ficaram fora do set-list.

Para concluir: não vou dizer que não valeram a pena os shows. E não vou criticar a volta das bandas covers de si mesmas: fui ao Planeta Terra por causa de três shows, dois deles cover. No SWU, teria ido por causa de três também, dois deles covers. Mas no caso de bandas em que os artistas conseguiram seguir com trabalhos interessantes, caberia atrelar a banda cover a apresentações dos novos projetos – não sei se precisavam ficar ou num ou noutro. Billy Corgan, mesmo tendo seu “coração Smashing”, poderia ter prosseguido com a Zwan. Malkmus poderia ter feito show com o Pavement cover, e num outro dia tocado em São Paulo as músicas de seu Real Emotion Trash e outros. Nessas voltas, parece que perdem todos – artista e público.


Campinas, 29 de novembro de 2010.

domingo, 14 de novembro de 2010

Selo de qualidade para o Enem

Nestes tempos em que as pessoas têm extravasado seus preconceitos, também eu preciso admitir preconceito que tive dias atrás. Mal havia passado uma semana das eleições, e parti do meu pré-conceito reforçado durante o ano de 2010 quanto à lisura da Folha e preferi nem ler do que realmente se tratava o problema no Enem, merecedor de ser a capa numa edição de domingo. Me conformei em achar que se tratava de um factóide.

Só agora, uma semana depois, mais tranqüilo, verifiquei que estava correto no meu achismo. Com essa semana, noto que poupei meu estômago. Menos mal.

Àqueles que trataram de logo se esquecer, também pensando em seu bem-estar, lembro da manchete da Folha de 7 de novembro: “MEC erra de novo e causa confusão no 1º dia do Enem. Apresentação das perguntas não batia com a folha de respostas da prova, realizada por 3,4 milhões de alunos”. Dentro, o título da reportagem não dá margens para leituras dúbias: “Erro no Enem afeta 3,4 milhões de alunos”. Trata-se, portanto, de uma falha completa, do Enem – com 3,4 milhões de provas erradas, um número impressionante –, ou de quem redigiu o título, que precisa de umas aulinhas de português, ou de ética, mais provavelmente. Como o caso é grave – o de ética, mas a Grande Imprensa finge que isso é irrelevante –, o principal jornal do Paraná, a Gazeta do Povo do dia 14 de novembro, trazia não só a manchete mas quase toda a capa dedicada à perda da credibilidade do Enem após fiascos.

Enfim, aos fatos. A imprensa alardeia quase dois mil alunos afetados (contrariamente ao que afirmou a Folha de 7 de novembro), o Ministério Público que tenta cancelar a prova, o ministro Haddad prestes a cair diante de mais esse fiasco. Pois bem, dois mil em 3,4 milhões significa que essa confusão, essa desmoralização, toda essa perda de credibilidade do exame se deve a 0,06% de falha (arredondando para cima). O percentual de falha das urnas nas eleições 2010 foi quase sete vezes maior: 0,4%. Talvez a Grande Imprensa não tenha atentando para esse dado, por isso não pediu a anulação das eleições – esse retumbante e desmoralizante fiasco da democracia brasileira, a se concluir pelo exemplo do Enem. Tomara que ninguém desse pessoal leia esta crônica.

Diante do clima de conflito binário – o bem contra o mal – que a Grande Imprensa já há algum tempo tenta criar no Brasil (como já criou na Venezuela), anda difícil não tomar partido – por mais que eu, mesmo com muito boa vontade, julgue o governo Lula no quesito educacional mediano (se se parece excepcional é porque a base de comparação foram os inomináveis anos FHC-Paulo Renato). Porém, honestidade deveria ser algo banal e não uma virtude rara – isso a gente se dá conta nas eleições – e, convenhamos, com 0,06% de erro poderíamos dar um selo ISO qualquer de qualidade para o Enem. As virtudes, os méritos e deméritos, a utilidade e se se gosta ou não do exame, isso é outro debate.


Pato Branco, 14 de novembro de 2010.