sábado, 29 de janeiro de 2011

Facebook e segregação

Por não ser católico, graças a uma formação moral-cristã assaz tíbia dada por meus pais, posso discordar do santo padre sem estar condenado à danação (ainda que as mensalidades da PUC provavelmente compensassem esses e outros deslizes), e o faço nesta crônica, porque Bento XVI criticou o uso da internet para a criação de personalidades falsas ou ilusórias nas redes sociais – como se ilusão fosse privilégio da internet, e não da sociedade ou da Igr...

Vejo como uma das grandes perdas da internet justo a falta desses espaços de anonimato, talvez não completo, mas ao menos com um certo controle sobre o que é exposto, a quem é exposto. A ascensão do padrão Msn frente o Icq – em que endereço de e-mail substitui um número de identificação –, e a febre das n redes sociais que se sobrepõem desde 2004 marcam essa virada, em que a internet se tornou definitivamente extensão do mundo real, e não um apêndice.

Tomemos o Facebook. Não há como se esconder ali: pode não pôr sua foto, seu nome, nada que o identifique no seu perfil, mas por seus amigos as chances de ser encontrado e identificado são consideráveis.

Porém o que mais me chama a atenção é o potencial de segregação entre os “in” e os “out” da rede do sr. Zuckerberg: pois sendo a rede virtual feita dos amigos reais do dia a dia, e havendo um “diálogo” permanente entre todos ali – diferentemente de um bate-papo por mensageiro, geralmente restrito a duas pessoas, ou ao menos ao presente da comunicação –, assuntos do mundo real continuam no virtual, os do mundo virtual continuam no mundo real, e assim as duas esferas vão se misturando e virando uma coisa só. Os não animados com a tela do computador – ou com as maravilhas do Facebook, apenas –, passam a ter dificuldades para se entender no próprio grupo, precisam que alguém explique as piadas internas. Logo se verão deslocados entre aqueles com quem convivem, por não compartilhar as discussões do Facebook.

Talvez me chamem de jurássico. Pode ser. Noto pelos endereços dos meus e-mails, do meu Msn, pelas minhas contas falsas em redes sociais, que sigo o padrão de quando comecei com a internet, em 1996: um lado sempre meio escondido. Tento justificar dizendo que isso me permite certa visão crítica, pelo distanciamento; há quem diga que isso serve apenas para acentuar meu lado velho ranzinza, como quando insisto em não ter celular ou em ainda ter máquina fotográfica a filme. Pode até ser, mas de carola ao menos ninguém pode me chamar – se é que quem usa Facebook ainda sabe o que é carola, já que dia desses tive que refrescar memória de amiga para essa "gíria antiga"...


Ponta Grossa, 29 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Muita memória para pouca recordação

Os provérbios andam em baixa na sabedoria popular, substituídos por frases “dilapidares” de intelectuais televisivos e celebridades instantâneas – Big Brothers ou até menos. Uma pena, acho que perdemos todos com isso. “Quem muito quer nada tem” foi um desses provérbios gastos que me lembrei por estes tempos. Deu-se ao ler notícia sobre o Facebook, na qual seu criador, Mark Zuckerberg, se vangloriava de que em breve os usuários da rede de relacionamento terão todas as suas mensagens, das mais importantes às mais triviais, preservadas para a posteridade.

Me pergunto se isso é sonho ou pesadelo, numa vida que cada vez mais entrelaça mundo real e mundo virtual. Se no mundo virtual tudo é com-provado, como faremos com o mundo real, para provar o que se passou?

Ademais, qual a necessidade de ter tudo registrado, tudo preservado “materialmente”. Quem muito quer nada tem, dizia o velho dito, e essa necessidade de memória no Facebook para guardar tudo talvez seja sintoma de nossa falta de memória para recordar até de lembranças marcantes, porque são tantos estímulos simultâneos pelos quais passamos na “era da urgência”, como dizia a reportagem, que fazemos só isso: passamos, sem chances de sermos tocados, de guardarmos registros, de termos lembranças, de termos recordações vivas (dava para atualizar o poema de Francisco Otaviano para o século XXI).

Não nego, será emocionante para os emotivos eventualmente poder voltar e reler momentos chaves da sua vida, aquele recado ou aquele bate-papo que eram para ser banais, sem futuro – outros entre tantos – e acabariam sendo marcantes. Mas aí surge outro problema, que já sofri com o e-mail (que Zuckerberg promete asfixiar com seu Facebook). No início o Gmail dizia que eu nunca mais precisaria apagar uma mensagem. E foi mais ou menos isso que fiz: e-mails de pais, de amigos, de futuras namoradas, já ex-namoradas, de desconhecidos, de listas, chamadas de notícias, previsão do tempo, está tudo lá, 25 mil e-mails ocupando 30% do espaço que o Google muito bondosamente me dá. Pois eu precisei encontrar o endereço de e-mail de um tal de Paulo com quem eu trocara duas ou três mensagens em fins de 2008, início de 2009. Haja refino de pesquisa para encontrar as tais mensagens, e ainda assim só porque eu lembrava com razoável precisão da data; ou então aquelas mensagens com o tal endereço ficariam para a posteridade – para o presente, que era quando eu precisava, estariam perdidas.

Aos emotivos, portanto, a dica: comer peixe, que dizem que faz bem para a memória. Para garantir, não dispense a velha agenda de papel ou o tão ridicularizado diário guardado no criado-mudo ao lado da cama.


Pato Branco, 21 de janeiro de 2011.