sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Muita memória para pouca recordação

Os provérbios andam em baixa na sabedoria popular, substituídos por frases “dilapidares” de intelectuais televisivos e celebridades instantâneas – Big Brothers ou até menos. Uma pena, acho que perdemos todos com isso. “Quem muito quer nada tem” foi um desses provérbios gastos que me lembrei por estes tempos. Deu-se ao ler notícia sobre o Facebook, na qual seu criador, Mark Zuckerberg, se vangloriava de que em breve os usuários da rede de relacionamento terão todas as suas mensagens, das mais importantes às mais triviais, preservadas para a posteridade.

Me pergunto se isso é sonho ou pesadelo, numa vida que cada vez mais entrelaça mundo real e mundo virtual. Se no mundo virtual tudo é com-provado, como faremos com o mundo real, para provar o que se passou?

Ademais, qual a necessidade de ter tudo registrado, tudo preservado “materialmente”. Quem muito quer nada tem, dizia o velho dito, e essa necessidade de memória no Facebook para guardar tudo talvez seja sintoma de nossa falta de memória para recordar até de lembranças marcantes, porque são tantos estímulos simultâneos pelos quais passamos na “era da urgência”, como dizia a reportagem, que fazemos só isso: passamos, sem chances de sermos tocados, de guardarmos registros, de termos lembranças, de termos recordações vivas (dava para atualizar o poema de Francisco Otaviano para o século XXI).

Não nego, será emocionante para os emotivos eventualmente poder voltar e reler momentos chaves da sua vida, aquele recado ou aquele bate-papo que eram para ser banais, sem futuro – outros entre tantos – e acabariam sendo marcantes. Mas aí surge outro problema, que já sofri com o e-mail (que Zuckerberg promete asfixiar com seu Facebook). No início o Gmail dizia que eu nunca mais precisaria apagar uma mensagem. E foi mais ou menos isso que fiz: e-mails de pais, de amigos, de futuras namoradas, já ex-namoradas, de desconhecidos, de listas, chamadas de notícias, previsão do tempo, está tudo lá, 25 mil e-mails ocupando 30% do espaço que o Google muito bondosamente me dá. Pois eu precisei encontrar o endereço de e-mail de um tal de Paulo com quem eu trocara duas ou três mensagens em fins de 2008, início de 2009. Haja refino de pesquisa para encontrar as tais mensagens, e ainda assim só porque eu lembrava com razoável precisão da data; ou então aquelas mensagens com o tal endereço ficariam para a posteridade – para o presente, que era quando eu precisava, estariam perdidas.

Aos emotivos, portanto, a dica: comer peixe, que dizem que faz bem para a memória. Para garantir, não dispense a velha agenda de papel ou o tão ridicularizado diário guardado no criado-mudo ao lado da cama.


Pato Branco, 21 de janeiro de 2011.

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