sexta-feira, 11 de março de 2011

Onde os mágicos não têm vez

Sempre que há a discussão se o copo está meio cheio ou meio vazio me põem na equipe do meio vazio – o que acho uma injustiça, tamanho preconceito. Mas hoje poderão se regozijar em júbilo que estão corretos. O Mágico (L'illusionniste), filme de Syvain Chomet, a partir da adaptação do roteiro de Jacques Tatit, não cabe a discussão do meio cheio vazio ou meio vazio, mas do três quartos vazio ou do um quarto cheio (aviso: ao fim desta crônica entrego fim o do filme).

Conta a história de um ilusionista na década de 1960 que tenta sobreviver se apresentando em casas de espetáculo – ou onde lhe oferecerem oportunidade. No meio do caminho, depois de passar por um vilarejo escocês onde faz algum sucesso, uma jovem aldeã acaba acompanhando-o à sua revelia e passa a morar com ele em um hotel em Edimburgo.

O filme é mais do que decadente: é o fim da linha. Muito bem pensado, não há nada que salte os olhos nessa direção: os traços são leves, o filme é feito de diálogos (silenciosos) leves, e apenas o palhaço destoa no seu comportamento.

No correr do filme, o que se vê é o mágico penando para poder seguir na profissão escolhida – ao mesmo tempo que tenta satisfazer aos anseios ingênuos de consumo da garota –, assim como toda a trupe de uma época superada que está hospedada no mesmo hotel da capital escocesa. E dando apenas pequenas deixas, é sobre isso que o filme trata: o fim de uma época, massacrada pelos meios de comunicação visual de massa. Não há razão de ser para artistas desconhecidos e sem o encantamento da indústrial cultural: diante de uma banda impulsionada pela televisão que leva milhares de fãs à loucura, ou da magia do cinema, o que é um mágico, um ventríloco, trapezistas, um palhaço? A opção que resta é a de se submeter: fazer seus truques em vitrines de lojas para divulgar mercadorias. Deixar de ser um artista para ser um produto qualquer, descartável e substituível ao primeiro atraso.

Creio que quanto à metade vazia do copo não haja muita discussão.

Sobre a outra metade. O um quarto cheio do copo poderia ser a mocinha deixar de ser uma empregada em um fim de mundo para se embelezar e viver um sonho de princesa na cidade grande. O quarto vazio, que o filme termina antes de dar as doze badaladas e a carruagem virar abóbora. Vestido, sapato, acessórios, o que surgiu como mágica custou muito suor ao mágico, e ela dava claros sinais de não estar nem um pouco atinada à realidade quando tentou comprar um relógio com uma moeda. Se deixava levar pelo engodo das aparências – justo na sociedade do espetáculo. Havia, sim, um príncipe, bonitão e erudito, pelo que aparentava. Seriam felizes até quando, se é que seriam felizes?

Mágicos não existem, diz o recado de despedida do ilusionista, junto a um maço de dinheiro. Existiam até um momento atrás. E a mocinha em breve descobrirá que o maravilhoso mundo que tem diante de seus olhos, esse onde mágicos não têm vez, é pura ilusão.


Campinas, 11 de março de 2011.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sentir-se em casa

Uma coisa é ter uma casa – essas com paredes e teto, diferente da da canção infantil –, outra coisa é sentir-se em casa – esse sentimento que eu não vou saber explicar aqui. Para isso ter casa ajuda – não garante. E se em uma época a casa pode servir, em outra não mais: depende do momento, do humor, do contexto.

No meu caso, há momentos nos quais voltar para minha casa dos meus pais, em Pato Branco, é sentir-me em casa. Tem horas, isso não basta: preciso estar no meu quarto, onde acordei minha infância e adolescência. Outras, mais especificamente ainda, tenho que me trancar em companhia de meu piano – que ainda me tolera os dedos a cada ano menos ágeis. Mas tem vezes que ele – meu porquinho da índia –, é deixado fechadinho no seu canto, porque meu sentir-me em casa está antes de tudo na companhia dos meus pais e do meu irmão.

Contudo, como minha vida acontece a mil quilômetros de distância, Pato só tem a sensação de casa se for aproveitada por períodos curtos. Logo preciso voltar para Campinas, onde o sentimento ficava restrito quase que só à minha casa mesmo – onde moro já há mais de sete anos (é tempo para estudante) –, até porque Campinas não me inspira nada nesse sentido.

Diferentemente de Ribeirão Preto, onde uma série de lugares mo inspiravam, além de onde morava: a USP, a praça Camões, o Theatro Pedro II.

E de Ribeirão veio me visitar este final de semana um amigo a quem muitas vezes me refiro como “meu irmão mais velho”, o Paulo. Me pegou num momento tenso, com prazo do mestrado estourando, e essa tensão reverberando para todos os lados da minha vida pessoal. E um dos pontos que atinge é justo que não tenho me sentido em casa em lugar algum, sequer em minha casa – até pela vontade de mudar, que já não deixo mais guardada, como na música da Madredeus (apesar de não estar tão bem encontrada).

O final de semana em companhia do Paulo foi curto, não deu para pôr papo em dia (nunca dá), não deu sequer para discutir nossas últimas alegrias e tormentas, muito menos para debater temas filosóficos, epistemológicos ou de caso. Serviu apenas para reencontrá-lo, para um abraço: foi um breve sentir-me em casa – que eu tanto precisava.

Casa que há dez anos encontro como nenhuma outra, impressionantemente independente de variações de clima, de humor, de momento, de contexto...


Campinas, 09 de março de 2011.