sexta-feira, 20 de maio de 2011

Rachas sem fronteiras

De início a sugestão de Antônio Prata do Churrasco Sem Fronteiras (CSF) publicado na Folha de quarta, dia 18 de maio, me pareceu excelente, dessas irretocáveis. Porém, pensando um pouco, notei que não daria muito certo, ou ao menos que não era assim tão unificadora como a princípio pareceu.

Se num primeiro momento o CSF parece vencer barreiras culturais, unindo católicos, islâmicos e judeus, por prescindir de carne de porco, logo esbarra na resistência dos vegetarianos ou, pior, na fúria dos veganos. Os vegetarianos não é difícil enturmá-los, basta não esquecer a salada, e pôr na grelha um pimentão, uma cebola, uma batata, um abacaxi. Pode ser que haja alguma disputa por este último e carnívoros e vegetarianos se desentendam, com os segundos se sentindo surrupiados, por terem menos opções e ainda serem obrigados a dividir. Nada que não se resolva no próprio churrasco.

Duro mesmo é a fúria dos veganos. Via de regra, eles não se contentam em seguir sua dieta e, se forem questionados, explicar os seus porquês (digo via de regra porque tenho um amigo, o Harlen, que nem vegano parece ser, de tão tranqüilo que é). Eles precisam fazer marcação cerrada e atazanar todo aquele que não seja como eles: sua revolta não é contra a eventual falta de opção para sua dieta restritiva, mas contra a existência de opções além dela. E não adianta acrescentar brócolis, rabanete, chicória, radicci, lingüiça calabresa de soja: o problema é a carne. Eles seriam a versão pós-moderna contra-revolucionária (ou pós-revolucionária?) dessa nobre empreitada; estariam para o CSF como as palavras de ordem estão para o samba: amargas, destruidoras do brilho, desagregadoras, anti-poéticas, e o pior disso tudo: só comovem os convertidos.

Por sorte, se os veganos não estiverem em número suficiente, ainda é possível resistir a eles: nada que o cheiro de uma lingüicinha, a visão de um coração de frango e a evidência da alegria nos rostos com pedaços de carne escapando pelo canto da boca não ajude a espantá-los.

Problema maior serão as disputas internas ao próprio CSF. Como o próprio Antônio Prata percebeu em crônica anterior, se até conversa sobre o tempo no elevador, que até outro dia era um antiassunto, e hoje é capaz de gerar sérias contendas (e nem precisa seu interlocutor ser metereologista, mestrando no INPE ou militante do Greenpeace), que dizer então do Churrasco Sem Fronteiras? Percebo uma dessas fraturas. Porque a grelha e não o espeto? Desde quando um bom churrasco se faz na grelha? Grelha é paliativo: só em São Paulo se acha que grelha faz churrasco de verdade. Daí já se percebe a disputa política no CSF e a supremacia que os paulistas tentam ter sobre um assunto que eles sequer são dos mais entendidos. Conseqüência primeira: o questionamento ao próprio símbolo do grupo, o jogo da velha, #. Talvez melhor fosse o número 1, que representa simpaticamente um espeto, verdadeiro símbolo do churrasco, além de simbolizar a união, o espírito de todos unidos por não apenas uma boa causa, como por uma boa carne. E para os campos de batalha, além de dividir da praticidade da grelha para sair correndo, tem a vantagem extra de, em casos extremos, poder ser utilizado como arma: algumas aulas de tai chi ou kung fu, e um espeto pode ser manuseado com presteza e plasticidade. Seria o CSF unindo Ocidente e Oriente pelo espeto.

Bem, como se vê, a idéia parecia ótima, mas nem bem surgiu o CSF, e já surgiu junto a primeira cizânia. O que dizer na hora da seleção musical: por que samba e não chamamé? E se argentinos adentrarem o movimento e resolverem se indignar com nossos cortes de carne (apesar que eles, se não me engano, apoiariam a grelha)?

Talvez melhor seja ir em busca de alguns caldeirões retráteis e aceitar a sugestão da Feijoada Sem Fronteiras. Apesar que se aparecer um grupo de veganos pelo caminho, eles vão fazer piquetes, impedir a passagem, enquanto não forem substituídos os tradicionais ingredientes por côco, glúten, soja, castanha... para não falar nas disputas internas.


Ponta Grossa, 20 de maio de 2011.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

As árvores do meu quintal

A campainha de casa estava quebrada e o dono se prontificou a consertá-la. Como minha alterativa a ela era um tanto precária – me ligar para abrir o portão –, graças à qualidade sofrível dos serviços da Net, freqüentemente fora do ar, aceitei, mesmo sabendo qual seria a fatura.

Meu pequeno pátio estava que um matagal só, salvo os dois trechos não cimentados, um por um metro o primeiro deles, e dois por um o outro. Eu bem que tentara dar uma limpada no final de janeiro, quando o mato já havia tomado conta, mas antes do quinto minuto queimei a mão numa taturana. Depois disso fui postergando a retomada da tarefa – até pela falta de tempo.

O dono da casa, ao chegar para para consertar a dita campainha e se deparar com todo aquele mato (ao menos da parte interna da casa eu cuido bem), fez aquela cara de desagrado e se propôs a dar um jeito também no quintal. Anui, o que fazer?

Dois dias depois ele veio. Não demorou muito e o capim já estava todo arrancado, e ele, facão na mão, partia para as plantas de caule grosso. Nessa hora me surpreendi com seus conhecimentos em botânica. “Este aqui”, me mostrou um pé já alto, mais de um metro e meio, “é um ipê”. “E como foi parar aí?”. O abacateiro cortado há dois anos é fácil: tenho minha composteira, ou algo que o valha, onde jogo restos de frutas, mas eu não como ipê. “Ah, é passarinho que traz”. E zapt, era um ipê, porque o facão já havia levado.

“Esta aqui é uma pitangueira”, comentou de uma arvorezinha que há bem uns quatro anos brigava para se firmar. Trinta segundos e foi-se. Perguntou se a palma eu que tinha plantado. Como tinha sido, falou que deixaria, “mas assim que você sair eu corto”. O pé de amora ao lado não teve a mesma sorte – e minha sorte de ter um pé de amora no quintal durou um minuto. Consegui ainda salvar o pé de acerola que ganhara de um amigo, com o argumento de que eu quem plantara. Já o pé de lichia, que também tinha sido plantado por mim quando eu nem sabia o que era lichia, muito menos na árvore monstruosa que ela cresce, estava de saída e preferi não dizer nada. Não sei se reconheceu que árvore era aquela, de qualquer forma, quando voltei pra casa, o quintal “limpo”, ela não estava mais lá.


Pato Branco, 12 de maio de 2011.