domingo, 28 de agosto de 2011

O macho cordial latino-americano


Há no imaginário a figura do macho latino-americano, aquele sempre seguro de si, que não pede informações porque nunca se perde, e que não aceita desfeita, ainda mais de mulher – só do chefe, mas é que ali é diferente, há seus motivos, que o referido macho não vê porque se justificar, afinal, duas desfeitas é demais. Eventualmente, os machos mais sentimentais, como Vinícius de Moraes, podem chorar de tristeza de amar, porém o farão na mesa do bar, ao lado de um copo, dos amigos – nada de correr atrás da amada. Bibelô, personagem do Angeli, é um outro exemplo do tipo, atualmente não raro sob roupagem um pouco mais moderna, num discurso mais doce – até mesmo com um visual metro-sexual.

Por Sofia, Luiz Tatit promoveu uma quebra nesse homem todo-poderoso: insistia todo dia, mas Sofia, Sofia!, não ouvia. Ele esperava, cedia, tudo para mostrar seu haicai, para ela especialmente feito. Porém, parece que haicai não cabia bem no conceito de poesia de Sofia – ou seria Tatit por inteiro que não cabia no seu conceito de homem?

De qualquer forma, com “Haicai” o macho cordial latino-americano saiu do armário, criou coragem para cantar suas agruras no tom que elas merecem ser cantadas: sem choros, melodramas, aquele ar sério que o macho típico gosta de dar, e que acabaria dando à sua desilusão amorosa um tom patético – porque de ridículo, já basta a situação e seu protagonista.

Mas para o macho cordial, ao menos o do século XXI, Tatit é ousado demais para estes tempos de pessoas audazes. A cordialidade do macho na América Latina não raro oculta um quê de desajuste existencial com a sociedade machista – porque homem também sofre com machismo.

Eis então que surge Alice, ali, parada, sentada, com a cabeça esvaziada, que o macho cordial observa ao longe, calado, fazendo planos, divagando. Cuja aproximação, desgastante e hesitante, é cantada em “Alice”, música de André Vac e Thomas Huszar, da banda paulistana Memórias de um Caramujo: “Alice, que tolice, eu aqui me declarando para você e você nem aí para minha declaração. Declaração talvez nem seja, só um convite humilde para um dia tomarmos um café, se der, se por acaso sobrar um tempinho no seu expediente – ou não, 'cê vê, me liga”. É a abordagem anti-machista, tudo o que uma mulher não quer ouvir. E o pior, ainda resta a dúvida: ele se “declara” mesmo, ou apenas almeja em fazê-lo? “logo eu, que de te olhar já me arrepio, me desmonto, caio em peças; imagina, eu falando com você, quando te olhar já dói bastante”. Ao contrário de “Haicai”, não há música alta a tornar inaudível o que ele tem a dizer, só o próprio homem a perder a voz diante de toda a responsabilidade que lhe cabe.

Da projetada sabedoria de Sofia ao imaginado país maravilhoso de Alice, o macho cordial latino-americano não apenas sonha em ser visto e desejado por sua Dulcineia, tenha ela o nome que tiver – meus casos foram pouco criativos, ou foi Karina, ou foi Carine, ambas das artes –, como em se ver desobrigado de tomar a iniciativa por ser o macho, simplesmente. Até lá, fazer disso motivo de choro? Como Tatit e Memórias de Um Caramujo, o macho cordial sabe que melhor é dar risada de si mesmo.


Campinas, 28 de agosto de 2011.

Passo o myspace da Memórias de Um Caramujo, já que o Luiz Tatit não é nada difícil de achar referências na internet: http://www.myspace.com/memoriasdeumcaramujo

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