quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Ah, tantos chamados!

Andava eu por Campinas, ensimesmado em minha dor nada poética – pelo contrário, até me impedia de pensar nos eventos recém ocorridos que caberiam em uma crônica como a do macho cordial –, quando ouvi uma voz feminina me interpelando impaciente “Vem logo, Dalmoro”. Dalmoro é como muitos de meus amigos me chamam – e eu mesmo prefiro ser chamado assim. Olhei para o lado, a mulher insistiu uma vez mais: “anda, amor”.

Sem respirar aliviado, porque a dor continuava, entendi o ocorrido: a habitual confusão entre “amor” e “Dalmoro”. Não que eu me ache um cara que apaixona loucamente mulheres casamenteiras à primeira vista, ou à segunda, terceira, décima; ou que esteja carente a ponto de sair à cata de chamados de amor atirados ao zéfiro (apesar de teimarem que meu negócio seria mais os chamados atirados ao euro). É que se se falar amor meio enrolado, acaba soando como Dalmoro – por isso eu achar que é comigo. Felizmente não é sempre que amor e Dalmoro se parecem – digo na sonoridade, que é o móbil desta crônica.

Pior é com meu irmão: ninguém pode escutar mal, não entender algo ao seu lado, que logo acha que a parada é com ele.

Graças a uma foto minha, que teimaram que era dele, ostenta desde a adolescência o lacônico apelido de . Um dia, quando eu falava do meu problema com chamados vindos de desconhecidos, contou que seu drama era muito maior: é alguém ao seu lado perguntar “ã?”, e já está se virando, achando que estão falando com ele. E poucas vezes de fato estão: gasta a virada do pescoço à toa, e encena novamente a cara de “disfarça...” – que segue ruim, por sinal.

Nessa conversa, até cheguei a cogitar se não teríamos algum problema mal resolvido de egocentrismo crônico, achar que o mundo gira ao nosso redor: só porque eu ligo do celular da namorada do meu amigo e ele atende dizendo meu nome, antes d'eu falar qualquer coisa, e eu encafifo “como ele descobriu que era eu quem estava ligando?”; ou meu irmão que atende a todos não-entendimentos, “ã?”. Coisa que vem de casa, sem dúvida, já que meu pai, de nome pouco usual – Dejanir –, em alguns casos se espicha para atender a uma solicitação “de janeiro”, até que O engole toda sua prontidão.

Cheguei à conclusão, então, que nossos apelidos, associados a uma atenção, essa sim um tanto carente, acabam por nos pôr nessas situações que soam como quem leva o mundo no umbigo. E no fim das contas, enquanto eu ouço chamados que não são pra mim, recebo e-meios – ou até comentários no blogue –, reivindicando que eu desça um pouco do planeta onde estou com a cabeça e seja capaz de ouvir quando me chamam, “Dalmoro!”, realmente.

Campinas, 08 de setembro de 2011.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Os cientistas que poderiam estar matando, roubando, mas estão apenas pedindo mais dinheiro para...?

O mandarinato júnior tupiniquim tem se mexido ultimamente, ao menos na Unicamp: em nome da ciência de qualidade, dizem, querem reajuste de suas bolsas de pós-graduação.

Quem me conhece sabe que estou anos-luz de defender a ética do trabalho; sabe também da minha birra com a torre-de-marfim que é a universidade pública brasileira, ainda privilégio de uma elite, sem reais intenções de alterar o quadro.

A alienação com o mundo extra-muros por parte dos pós-graduandos não é completa, contudo, como é claramente perceptível no escárnios com os mais marginalizados da sociedade que eles dizem atender.

Um dos cartazes, seguindo a toada que começa nos idos tempos do trote, em que veteranos põem calouros pra brincar de pedintes em sinais, diz "Eu poderia estar matando. Eu poderia estar roubando. Mas estou pedindo sua colaboração. Ajude-me a fazer ciência". Certo. Poderia estar trabalhando também, porque qualificação ele tem – é portador no mínimo de um diploma de nível superior, quando não de mestrado –, caso ache que esteja vivendo em situação próxima à de mendicância com sua bolsa de R$ 1.200 ou R$ 1.800 – valores baixos, sem dúvida, mas há questões outras que um pesquisador deveria levar em conta além de achincalhar com quem não teve as mesmas oportunidades que ele e de pedir grana pro cafezinho.

A desculpa geralmente utilizada em favor das bolsas é que ter um trabalho tornaria inviável a pesquisa. Se assim fosse, a PUC-SP não poderia ter o conceito que tem nos parâmetros ditados pelos doutores das universidades públicas – bolsa ali serve no máximo para não pagar a mensalidade. Trabalhar, na verdade, não permitiria noitadas cinco vezes por semana.

Concordo que seria uma perda trocar noitadas por uma rotina enfadonha, mas parece ser a única forma dessas pessoas descobrirem que a universidade não é um mundo em miniatura, com tudo o que há lá fora mimetizado.

Prova da ignorância do mundo real por parte desse mandarinato em (má) formação, que usa o preço do cafezinho para mostrar a perda do seu poder de compra, é a briga pelo aumento do valor das bolsas, tão-somente. Questões outras, tanto de interesse da universidade, da sociedade e da ciência, quanto deles próprios, são deixadas de lado. O fato, por exemplo, de não ser permitido trabalhar com carteira assinada – o que leva-os a trabalhar sem, contrariamente ao contrato assinado e muitas vezes prejudicando colegas que não conseguiram bolsa. Ou então não reivindicar que o período de bolsa passe a contar para a aposentadoria (são seis anos, mestrado e doutorado, para não falar no pós-doc).

Contudo, se os pós-graduandos da Unicamp não enxergam além da universidade, além do umbigo, surpresa seria se conseguissem pensar além de um presente imediatista.


Campinas, 05 de setembro de 2011.