sábado, 22 de outubro de 2011

Até o final!


Torcedor 1 – Olha, gol!
Torcedor 2 – Gol?
Torcedor 3 – Que gol bizarro!
Torcedor 2 – Gol mesmo?! Vamos comemorar!
(A torcida comemora com grande entusiasmo, apesar de ser 47 do segundo tempo).
Torcedor 1 – O cara da imprensa nem tá mais aqui.
Torcedor 2 – Sacanagem!
Torcedor 1 – Ah, o cara já se mandou...
Torcedor 3 – Mas a torcida ainda tá aqui!
Torcedor 2 – E como foi o gol?
Torcedor 1 – Você não viu?
Torcedor 2 – Não.
Torcedor 1 – Foi um gol feio, bate-rebate-entrou.
Torcedor 3 – Já pensou se o Paraná empata?
Torcedor 2 – Seria bonito.
Torcedor 1 – A Ponte tá vacilando muito.
Torcedor 2 (subindo na grade) – A gente podia provocar a torcida adversária.
Torcedor 3 – Como aquele ali? – e aponta para um torcedor ponte-pretano que acha uma brecha na lona que oculta uma torcida da outra, grita dois impropérios e pára.
Torcedor 1 – Desistiu.
Torcedor 2 (grita para a torcida adversária, que nessa hora pressiona pedindo o fim do jogo) – Tão com medo? Tão com com medo?
Torcedor 1 (apontando para um integrante da comissão técnica, na beira do gramado) – Olha aquele lá, o desespero.
Torcedor 2 – Chuta pra frente! Chuta pra frente! Antes que o jogo aca...be... acabou.
Torcedor 3 – Quase, ein?
Torcedor 1 – Deu um sufoco na Ponte nesse finalzinho.
Final: Ponte Preta 4 x 3 Paraná Clube.
E quando Vannucci, eu e Ricardo saímos do Moisés Lucarelli, toda a torcida do Paraná que resistiu até o final e pôde comemorar o terceiro gol da equipe deixou o estádio (detalhe: eu, que não vi o gol, era o único torcedor paranista). Enquanto nos afastávamos, combinávamos de aparecermos para um próximo jogo – mas na torcida animada.

Campinas, 22 de outubro de 2011.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Entre escolhas e a indignação


Em Indignação, Philip Roth narra parte da história de vida de Marcus Messner, que para fugir do pai repentinamente super controlador, transfere a faculdade da Robert Treat, na sua natal Newark, próximo a Nova Iorque, para Winesburg, localizada na área rural de Ohio, e dedicada a formar engenheiros e profissionais liberais. De uma vida urbana, em que dividia bancos da praça com mendigos e tinha aulas com professores vindos de NY e de viés esquerdistas – a história se passa em 1951, a Guerra das Coréias acontecendo e a ameaça de ser chamado para lutar, caso não esteja cursando uma universidade é uma constante –, acaba numa universidade em que é obrigado a freqüentar aulas de religião, onde impera o moralismo mais tacanho e os alunos se segregam por “fraternidades”. De um lugar onde ele estava relativamente bem adaptado e em que o diferente era o outro, passa a ser ele o diferente: judeu, ateu, que pretende ser um livre-pensador, independente, que se nega a participar de uma fraternidade, a se adequar aos moldes que todos os alunos da Winesburg seguem.
Por conta disso, fica difícil conciliar seu espírito cosmopolita com a visão estreita dos demais alunos, e suas desavenças com colegas de quarto surgem rapidamente. Primeiro com Flusser, num quarto de judeus no qual lhe havia sido reservada uma cama; depois com Elwyn, cuja frieza e distância de início pareceram positivas, mas depois se tornaram insuportáveis. A única pessoa com quem consegue ter uma relação mais próxima é Olivia Hutton, primeira garota com quem tem algum tipo de relação sexual, e que fora mandada a Winesburg pelos pais com o intuito de que se reabilitasse, depois de, bêbada, ter tentado suicídio cortando os pulsos – com ela, mais do que amor romântico, há um quê de identificação. Por conta das mudanças de quarto, é chamado pelo diretor da instituição, o dr. Caudwell, com quem acaba discutindo asperamente desde a vigilância sobre suas mudanças de quarto até a obrigatoriedade das aulas de religião, passando pela sua recusa em entrar no time de beisebol ou em alguma fraternidade.
Estão postos os elementos para a crônica de um fim anunciado. Marcus sabe – como quem lê sabe – que, na vida dele, para dar errado, basta fazer o “certo”, basta deixar de ser diferente – apesar que foi justo por ser diferente que ele vai se emaranhando nas tramas em que se perde cada vez mais. É sempre pensando no seu melhor – ou por amor –, que seu pai, sua mãe, Sonny Cottler, da fraternidade judaica, Flusser, Caudwell, vão empurrando Marcus para um fim que não é inexorável, mas que lhe custará abdicar da sua independência, de ser o livre-pensador em tempo integral – por um período, que seja. Mas parece ser justo essa liberdade o que mais o caracteriza.
E se por um lado Marcus, na efervescência dos seus dezoito anos ainda não é capaz de saber que suas escolhas mais banais podem levar a resultados desproporcionais, Caudwell tem plena certeza disso – como tem plena ciência do que está acontecendo no mundo. Porém Caudwell é um acadêmico, cristão, moralista. Marcus Messner é apenas outro aluno qualquer – da pior espécie, dos que não obedecem hierarquias.

Campinas, 19 de outubro de 2011.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Médicos, palhaços e uma minoria que faz questão de ir além.

Outlier é como a estatística chama os casos em uma amostra que estão muito fora do espectro das respostas padrões, e por isso são desconsiderados. Reconheço que eu via como outliers o que chamo de bons médicos, aqueles que além dos conhecimentos técnicos exigidos, têm atenção e cuidado para com seus pacientes – nada excessivo, apenas o necessário na relação entre duas pessoas. Resistia – e ainda resisto – em taxar essa minha postura como preconceituosa, ainda que tampouco a julgue positiva: diria antes que se trata de má vontade com a classe médica, fruto de interação não apenas com médicos enquanto profissionais, mas com parentes que seguiram a profissão, e de ter morado com estudantes de medicina, numa república que virou ponto de encontro de parte da turma – para não falar do relato de amigos não-médicos que trabalham na área da saúde.

Semana passada tive a oportunidade de pôr essa minha concepção à prova, ao aceitar o convite para participar de uma mesa sobre máscaras sociais, no evento Medicina, Cultura e Arte 2, organizado pelos alunos da Faculdade de Medicina do ABC – convite que me surpreendeu, tanto quanto o teor do evento.

Por conta de alguns acasos, acabei ficando além, muito além da mesa que participei, e do que havia planejado e esperava: como domingo precisaria estar em São Paulo de novo, aceitei a sugestão e o convite para dormir no Diretório Acadêmico, onde acampavam parte dos participantes de outras cidades. Com isso pude ter um contato com os alunos bem maior do que havia tido durante a tarde, alunos tanto da FMABC, quanto de outras universidades, Unesp, Curitiba, Recife. 

Como um deles mesmo admitiu, estudantes e médicos como os participantes do MCA são minoria – porém minoria é diferente de outlier! E, mais animador: trata-se de um pessoal ciente que está numa posição de poder perante a sociedade, e que está disposto a refletir sobre as próprias práticas – disposição que me pareceu até maior do que na grande maioria de quem é das ciências humanas, até porque enquanto estes se julgam pensadores natos, e isso os desobrigaria da auto-reflexão, aqueles sabem que estão tendo uma formação técnica e se vêem forçados a ir além do que a faculdade oferece.

Voltei do ABC mais otimista: descobri que médicos e futuros médicos com uma visão holística do paciente existem em maior número do que eu imaginava, e estão se organizando – pelo que entendi, começam a. Quem sabe em um futuro não tão distante, aliado a políticas governamentais e iniciativas institucionais que já ocorrem, médico da saúde da família, por exemplo, não seja considerada uma carreira para os fracassados.

Campinas, 11 de outubro de 2011.

ps: o título fica por conta de muitos dos estudantes com quem conversei participarem do projeto "Sorrir é viver", que, pondo alunos transformados em palhaços (clowns), procura humanizar a formação médica e dar uma aliviada no carregado ambiente hospitalar. É inspirado nos Doutores da Alegria (que fizeram uma apresentação-palestra no primeiro dia do evento, por sinal) e na medicina de Patch Adams.