quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Entre escolhas e a indignação


Em Indignação, Philip Roth narra parte da história de vida de Marcus Messner, que para fugir do pai repentinamente super controlador, transfere a faculdade da Robert Treat, na sua natal Newark, próximo a Nova Iorque, para Winesburg, localizada na área rural de Ohio, e dedicada a formar engenheiros e profissionais liberais. De uma vida urbana, em que dividia bancos da praça com mendigos e tinha aulas com professores vindos de NY e de viés esquerdistas – a história se passa em 1951, a Guerra das Coréias acontecendo e a ameaça de ser chamado para lutar, caso não esteja cursando uma universidade é uma constante –, acaba numa universidade em que é obrigado a freqüentar aulas de religião, onde impera o moralismo mais tacanho e os alunos se segregam por “fraternidades”. De um lugar onde ele estava relativamente bem adaptado e em que o diferente era o outro, passa a ser ele o diferente: judeu, ateu, que pretende ser um livre-pensador, independente, que se nega a participar de uma fraternidade, a se adequar aos moldes que todos os alunos da Winesburg seguem.
Por conta disso, fica difícil conciliar seu espírito cosmopolita com a visão estreita dos demais alunos, e suas desavenças com colegas de quarto surgem rapidamente. Primeiro com Flusser, num quarto de judeus no qual lhe havia sido reservada uma cama; depois com Elwyn, cuja frieza e distância de início pareceram positivas, mas depois se tornaram insuportáveis. A única pessoa com quem consegue ter uma relação mais próxima é Olivia Hutton, primeira garota com quem tem algum tipo de relação sexual, e que fora mandada a Winesburg pelos pais com o intuito de que se reabilitasse, depois de, bêbada, ter tentado suicídio cortando os pulsos – com ela, mais do que amor romântico, há um quê de identificação. Por conta das mudanças de quarto, é chamado pelo diretor da instituição, o dr. Caudwell, com quem acaba discutindo asperamente desde a vigilância sobre suas mudanças de quarto até a obrigatoriedade das aulas de religião, passando pela sua recusa em entrar no time de beisebol ou em alguma fraternidade.
Estão postos os elementos para a crônica de um fim anunciado. Marcus sabe – como quem lê sabe – que, na vida dele, para dar errado, basta fazer o “certo”, basta deixar de ser diferente – apesar que foi justo por ser diferente que ele vai se emaranhando nas tramas em que se perde cada vez mais. É sempre pensando no seu melhor – ou por amor –, que seu pai, sua mãe, Sonny Cottler, da fraternidade judaica, Flusser, Caudwell, vão empurrando Marcus para um fim que não é inexorável, mas que lhe custará abdicar da sua independência, de ser o livre-pensador em tempo integral – por um período, que seja. Mas parece ser justo essa liberdade o que mais o caracteriza.
E se por um lado Marcus, na efervescência dos seus dezoito anos ainda não é capaz de saber que suas escolhas mais banais podem levar a resultados desproporcionais, Caudwell tem plena certeza disso – como tem plena ciência do que está acontecendo no mundo. Porém Caudwell é um acadêmico, cristão, moralista. Marcus Messner é apenas outro aluno qualquer – da pior espécie, dos que não obedecem hierarquias.

Campinas, 19 de outubro de 2011.

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