segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Vamos salvar o mundo? As sacolinhas de mercado e a consciência pseudo-ecológica.

Por um lado é curioso: a decisão dos supermercados de abolirem as sacolinhas plásticas cria um ar anos 70, quando as donas de casa iam às compras levando de casa suas sacolas, seus carrinhos de feira. Havia, claro uma diferença significativa: nos anos 60, 70, utilizava-se tal método porque as tais sacolinhas plásticas eram inviáveis, e não por consciência ecológica, como hoje – a acreditar no que dizem.

Mas, chato desconfiado que sou, aposto meu mate de domingo que o discurso ecológico é apenas uma forma politicamente correta de lucrar mais. Não tanto pelo que os mercados economizarão na confecção de sacolinhas: desconfio, pela forma como eram utilizadas, que seu custo seja irrisório para uma grande rede – ou então já teriam orientado os funcionários a utilizarem-nas racionalmente. Há a loja de uma rede, em Barão Geraldo, cujos empacotadores costumavam pôr em média dois a três produtos por sacola.

Aos dias de hoje, do politicamente correto e economicament rentável: na entrada do mercado carrinhos com suas sacolinhas ecológicas acopladas a R$ 39,90. Se não for o caso de sair passeando de carrinho pela cidade, apenas as sacolas ecológicas custam R$ 0,90 – talvez você precise duas ou três, a depender do tamanho da compra, ou, se achar que esse acréscimo nas compras não compensa, pode voltar amanhã, o mercado agradecerá. E se nessa próxima vez, caso esqueça a sacolinha ecológica comprada da última vez, compre novas sacolas ecológicas – nem que seja para carregar três ou quatro produtos.

Vi ontem, na tela de outro mercado, enquanto esperava minhas vez no caixa, o argumento de que sacolinhas plásticas não eram aptas para receber lixo orgânico e único – coisa que as sacolas plásticas vendias pelo mercado, certamente feitas de um material especial, feitas com amor, o são. Não tardará muito e a imprensa fará saber que reutilizar sacolas ecológicas não é bom para a saúde, pois tais sacolas ecológicas acumulam fungos e bactérias: o negócio é trocar toda semana, quem sabe em freqüência maior.

Enquanto cobram dos consumidores (pela) consciência ecológica, nas gôndolas, o que se vê é o contrário. Compro duzentos gramas de queijo fatiado em uma bandeja de isopor. Mesmo que queira em peça, ela virá embalada no seu microfilme com isopor – quando uma embalagem de plástico bastaria. O meu velho exemplo do chá em saquinho, esse persiste: são dois plásticos e uma caixa para garantir a assepsia do saquinho com 10g de erva – se muito. Na lanchonete do mercado, canudinhos em embalagens individuais, e dois guardanapos envolvidos por um plástico nos garante que não foram contaminadas por mãos alheias. Porque o ecologicamente correto tem limites: nossa saúde. O que não tem limite são as oportunidades de lucro que esse discurso traz.

São Paulo, 30 de janeiro de 2012.

ps: detalhe: sou do que levam a própria sacola pro mercado já há meia década.


domingo, 29 de janeiro de 2012

Adeus, Campinas!

Finalmente me mudei, depois de dez anos no mesmo endereço – nove na mesma casa! Casa que nesse longo tempo foi ocupada por amigos, ex-amigos, ex-namoradas, marrecos, sabiás, lagartixas, ratos, gatos e por último, sapos. Ah, sim! E por pessoas desconhecidas, uma vez, que levaram duas caixas de bombom e um walkman antigo. 

Depois de dez anos de Campinas, cidade que cheguei maldizendo, que no meio do caminho criei não digo simpatia, mas tolerância – depois de ler o livro A cidade – Os antros e os cantos, do historiador Amaral Lapa, que me permitiu imaginar muito do que Campinas poderia ter sido e não é –, saí dela falando mal – mas com retorno combinado já para o próximo final de semana. Deixei a periferia pacata e rica (e ilustrada?) de uma cidade provinciana para morar perto da principal avenida de uma das cidades mais cosmopolitas do mundo – uma mudança brusca, e que eu sentia como sendo mais do que necessária.
 
Enquanto empacotava meus apetrechos, desempacotava lembranças – involuntariamente. Lembranças que simplesmente brotavam, ou então que eram despertadas por algum objeto – como um cedê da banda Zwan, mofado, que jazia embaixo de um monte de revistas que nunca mexo. Esse rememorar já havia começado antes, quando fora levar a um amigo minha bicicleta, há anos encostada, talvez justo pelas  recordações que ela pudesse trazer –  lembranças amargas de amigos que tentaram se matar, ou que conseguiram.
 
Na última noite de Campinas, chamei os amigos para uma festa despedida. Alguns apareceram. Parece que foi só então que me dei conta do que acontecia: naquele instante, mais do que um futuro prenhe de novidades, eu largava um passado pejado de possibilidades, mas que eu não soubera aproveitar. Me senti como Francoy, ao relembrar dos beijos que não teve de Beatriz: esse passado prenhe de possibilidades desperdiçadas era “algo como perder um dia de sol simplesmente por não ter achado a chave que abria a porta de casa”, ensimesmado por conta de alguma crise existencial, ou, mais comum, por não ter aonde ir para poder aproveitar o dia – o programa campineiro, shopping, convenhamos, não serve para aproveitar o sol, ou a lua, quando muito a chuva.
 
Ao se irem todos e eu ficar sozinho naquela casa vazia (de futuro), abarrotada por caixas cheias de livros e sentimentos, bateu uma sensação de nostalgia, de melancolia. Não tinha mais internet para fingir acompanhado na minha solidão, e o futuro do pretérito ressoava alto, a ponto de fazer esmorecer o futuro simples. 

Assim foi toda a sexta-feira. 

Ao aportar em São Paulo, numa noite fria, sob uma garoa fina, senti-me em casa antes mesmo de chegar no apartamento.


São Paulo, 29 de janeiro de 2012.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PT, PSDB e direito humanos

Como não tinha laços afetivos com o PT, não tive problemas em aceitar que o partido não oferecia para o país uma alternativa de fato ao programa de modernização-conservadora posta em prática nos anos de tucanato no governo federal. Não precisei, portanto, fazer como muitos dos meus amigos, nutrir um ódio irracional ao PSDB para ter que justificar o voto no PT: não voto em nenhum dos dois, e em ninguém, diante do próprio arcabouço institucional que rege nossa política.

Por não ter aderido ao Fla-Flu PT-PSDB, sempre encarei ambos os partidos como primos – para não dizer irmãos (gêmeos?) –, que disputavam, via de regra, o mesmo eleitorado, o mesmo nicho, com pequenas nunces – importantes, mas não fundamentais. Ainda que PSDB caia para a direita, e PT, para a esquerda no espectro político; dentro dos partidos, a depender da corrente ou do cacique, o PT está à direita do PSDB. Para ficar apenas em um exemplo de como os partidos não possuem lá suas grandes diferenças: os programas de inclusão social postos em prática durante o governo Lula eram ações já defendidas por muitos adeptos do neoliberalismo, diante do desmonte do consenso de Washington: políticas compensatórias à massa de excluídos da bonança do capital financeiro, com o intuito de evitar eclosões sociais severas, que pusessem o status quo em risco.

Encarava como partidos próximos, mas preciso admitir, contudo, que desde a última eleição, quando Serra escancarou de vez a caixa de Pandora do pensamento mais reacionário do país, PT e PSDB começam a demarcar suas diferenças de modo mais significativo. Infelizmente, tais diferenças não se encontram no campo da economia, de programas para o país, ou mesmo em uma disputa para ver qual o mais moderno: tais diferenças têm se marcado no campo dos direitos humanos. A proposta de país é a mesma, a mesma modernização-conservadora, com alguma nuance mais desenvolvimentista aqui, mais liberal acolá, mas sempre se pautando num grande pacto com elites regionais de todas as nuances, no crescimento da produtividade e nas parcerias público-privadas – nova roupagem para as privatizações dos anos 1990.


Ainda que o PT não venha se mostrando um ferrenho defensor dos direitos humanos, na atuação da polícia e nos planos de segurança, fica evidente a diferença de tratamento para com as questões sociais, e isso não é de agora. Vale lembrar que durante os anos do governo FHC, como o governo não conseguiu cooptar o MST, o movimento passou a ser encarado como caso de polícia (mesmo de exército) – e isso foi posto em prática também por governadores aliados, como Jaime Lerner (então PFL), do Paraná, ou Antônio Britto (PMDB), do Rio Grande do Sul, com direito a assassinatos por parte da polícia.

As recentes ações da Polícia Militar paulista, uma polícia com boa reputação internacional no quesito desrespeito dos direitos humanos – vale lembrar que este anos comemoramos 20 anos do massacre do Carandiru que, dizem, matou 111 pessoas –, mostram uma vez mais a diferença entre os partidos: enquanto o PT tenta, pelas bordas, diminuir a força da PM via guardas-municipais (necessidade para aspirar a uma cadeira no conselho de segurança da ONU), o PSDB endurece a linha-dura, disposta a agradar parcela significativa da população que apóia o “atire antes, pergunte depois”, com base no precário silogismo “quem não deve não teme”.

Se na ação contra jovens de classe média, membros da elite intelectual-acadêmica do país (não necessariamente econômica, mas cientes de muitos dos seus direitos), Estado e polícia não tiveram peias em se utilizar de truculência, pode-se dizer que, diante do que ela está apta, para seus padrões, a PM paulista agiu quase que com delicadeza nos recentes grandes casos (norme$ ca$o$) em que esteve envolvida, desta vez contra miseráveis que parte da população gostaria de ver exterminada: o expurgo da Cracolândia, a limpeza de Pinheirinho. Melhor não tentar nem imaginar como ela não atua diariamente, em casos isolados, na periferia pobre, e melhor fingir acreditar que as rebeliões nas cadeias acabaram mesmo, e que isso se deu por convencimento na base do discurso-racional aos presos e ao PCC.


Campinas, 24 de janeiro de 2012.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Luiza está na mesa, o BBB está no ar

Não sabia da história de “menos Luiza, que está no Canadá”. Devo culpar meus contatos no facebook, que passam o dia a compartilhar coisas dos mais diversos matizes, de denúncias sérias, artigos bons, a piadas de segunda, denúncias furadas e bobagens mil, e deixaram passar essa. Foi só hoje pela manhã, quando pipocaram nas atualizações dos amigos vídeo com Carlos Nascimento, no Jornal do SBT de ontem (19), que fui ver do que se tratava – isso após alguém ter comentado que era bom dar certa liberdade aos âncoras, feito por algum amigo que certamente não ouve BandNews FM, com o Boechat enchendo a voz para soltar diariamente seu senso comum de classe-média-fascistóide-indignada travestida de opinião séria e independente.

Assisti ao vídeo do Nascimento. Fui, então, atrás do que ele se referia: a reportagem no mesmo dia 19, no Jornal Hoje, e a propaganda em que era dita a famigerada (dizem) frase “menos Luiza, que está no Canadá”. A propaganda, de um apartamento de alto-padrão (alto-custo, para sermos corretos) em João Pessoa, é banal e boçal: não tenho dúvidas que a frase se encaixa bem melhor no contexto do comercial do que o apartamento no contexto urbano. A reportagem da rede Globo é constrangedora: conseguiram utilizar quatro minutos do jornal do meio-dia para falar abobrinhas quaisquer sobre Luiza, e o fato de ser a última notícia mostra a que veio: para ser o assunto comentado da edição – espectadores de tevê, pelo próprio meio, têm memória curta, vão lembrar mesmo da última notícia antes do intervalo.

Dito e feito, textos sobre o caso do estupro no BBB, que jorravam como o ouro a sair da bolsa de Peter Schlemihl, desapareceram. Que não tenha havido estupro, isso é de menos, a oportunidade de seguir discutindo problema seríssimo estava dada. Entretanto, a polêmica em torno do programa da Globo – e a conseqüente discussão sobre o estupro – estava encerrada, a questão agora era Luiza, que voltou do Canadá e foi notícia no Jornal Hoje. E no sistema da indústria cultural, funcionando justamente como sistema, até mesmo a crítica serve positivamente àquilo que teoricamente está depreciando.

Me irrito com minhas crônicas conclusivas – até porque, dizia Pessoa, a única conclusão é morrer –, porém me parece evidente que a Globo sabe se mexer no terreno da comunicação de massa, para muito além de televisão e seu portal na internet. Redes sociais incomodam, podem até acabar impondo uma pauta ou outra, mas, no Brasil, quem ainda manda é ela. E não é o facebook que vai contestar seu poderio. Não é xingar muito no tuíter que mudará algo. É ocupar (de verdade e não só a passeio) a rua, o espaço-território, real, o que ainda tem força: a ocupação da USP pode ser tida como exemplo: se manteve em evidência por tempo considerável graças à ação radical – inteligente ou não, se mostrou oportuna – de alguns grupos extremistas.

Quem acredita no poder revolucionário da internet, das redes sociais, deve ver esta tirinha de André Dahmer:



Campinas, 20 de janeiro de 2012.

ps: não há erro de português no título.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Educação para salvar o Brasil da obesidade

Sempre que escuto os termos “bispo” e “escola” ou “educação” juntos n'A voz do Brasil (sim, acreditem!, escuto o programa com alguma freqüencia, principalmente os jornais dedicados às casas legislativas), me arrepio imediatamente e já me preparo para o pior. Felizmente não foi o que aconteceu quando escutei a proposta do bispo Crivella (PR-RJ). A intenção do senador é boa – educação alimentar nas escolas –, porém abusa da boa vontade e evita a raiz do problema: como um rabanete, escondido na seção de verduras e – a depender do senador – nos livros escolares, pode competir com o um BigMac, estampado em toda a cidade, em todo lugar, gritando a toda hora na televisão? Se o bispo Crivella tivesse assistido a Super Size Me, filme de 2004 de Morgan Spurlok, teria se dado conta de que sua proposta é inócua sem proibir a propaganda de alimentos industrializados – algo que os congressistas suecos fizeram já há um bom tempo.

Menos esperançoso das boas intenções, o senador Wellington Dias (PT-PI) resolveu tratar do maior problema de drogas do país da maneira mais sensata: no relatório final da Subcomissão Temporária de Políticas Sociais sobre Dependentes Químicos de Álcool, Crack e Outros, encaminhado ao executivo, propôs que fosse proibida a propaganda de bebidas com teor alcoólico acima de 0,5% – o que impediria a propaganda de cervejas e bebidas ice. A relatora do trabalho, Ana Amélia (PP-RS) se opôs à idéia: disse ela que a autorregulamentação, tanto das indústrias de bebida quanto das agências de publicidade, dão conta de alertar os problemas do álcool e evitar maiores danos aos cidadãos. Sem dúvida, a frase “se beber não dirija” acaba por ofuscar todas as gostosas da propaganda de cerveja vinculadas imediatamente antes. Inclusive poderiam começar uma outra, de eficácia equivalente, também voltada para o problema de violência no trânsito: “se for bater não dirija”.

Queria estar errado, contudo, aposto um BigMac com cerveja que a proposta do bispo Crivela passa, e a de Wellington Dias, não. Primeiro porque apela para a educação, essa grande panacéia brasileira; segundo, porque não mexe no sagrado direito de expressão das empresas de publicidade – as quais, junto com a mídia, não conseguem entender por que ainda não tem uma cláusula pétrea na Constituição garantindo esse seu direito. Afinal, proibir propaganda afeta não apenas o produto anunciado, como toda a cadeia de produção da imagem a ser vendida, em especial, as emissoras de tevê.

E não há porque proibir propaganda: a criança obesa, o adolescente com diabetes precoce, o jovem que volta da balada dirigindo embriagado e avança contra seis pessoas no ponto de ônibus, o pai de família que bate na mulher ao voltar do bar bêbado, tudo isso pode ser resolvido com educação – uma época dir-se-ia “amor”, mas vivemos num tempo mais realista.

Campinas, 18 de janeiro de 2012.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A garotinha do metrô


A garotinha não era feia – ou não deveria ser. Pelos dentes nascendo, devia ter seus sete anos, apesar do falar um tanto embebezado para sua idade, me pareceu. Entrou no metrô com a mãe e outra mulher, e se sentou bem defronte a mim, de forma que o breve trajeto que percorremos juntos pus-me a observá-la – até porque me chamava a atenção.
Não era feia – já disse –, talvez até pudesse ser uma criança bonita: olhos grandes, azuis, loira, gordinha (sem exageros) do estilo redondinha. Mas usava lápis de olho, batom que marcava bem (ou simulava) o contorno da boca, e devia usar mais alguns apetrechos de maquilagem que não constam no meu escasso repertório do gênero. Tudo isso dava a ela um ar de personagem de filme de terror, algo como Chucky, o boneco assassino. E não adiantava ela sorrir com as palhaçadas da amiga da mãe, tudo aquilo de maquilagem – que quem sabe na mãe não desse um ar sexy – a ela emprestavam um quê de sádico e alheio.
Me lembrei das pinturas medievais, nas quais se representavam crianças como mini-adultos, ou mesmo nas de Paula Rego, em que crianças mini-adultos dava um ar de horror a cenas que aparentemente tendiam para festas. Ocorre que a garota nascera no século XXI, mais próxima de Paula Rego do que de Fra Angelico, e sua mini-adultice era horrorificante.
Ao sair do vagão, reparei que a mãe – loira como a filha – tinha as raízes escuras. Apesar da curiosidade, preferi não reparar de novo no cabelo da garotinha.

São Paulo, 10 de janeiro de 2012.